Ao lado dos outros integrantes do grupo Brics – Índia, China, Rússia e África do Sul –, o Brasil está entre os países em que mais tem crescido o número de automóveis em circulação. Com o objetivo de entender como se deu o desenvolvimento da indústria automobilística brasileira, que precisa atender a essa demanda crescente, os estudantes de pós-graduação em Economia da UFMG, Luciano Ferreira e Antônio Cláudio Lopes, estudaram as características do processo de instalação dessas indústrias no país ao longo dos anos. As conclusões dos pesquisadores estão no artigo Localização produtiva e produção internacional: a indústria automobilística no Brasil, que será apresentado esta semana no XVIII Encontro Nacional de Economia Política, sediado na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Face). Segundo Antônio Cláudio, hoje a indústria automobilística brasileira está bem desconcentrada – há fábricas nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste. Porém, nem sempre foi assim. “A nossa indústria de carros passou por três fases. Inicialmente, ela se estabeleceu na grande São Paulo, que era o principal polo industrial do país em meados do século 20. O segundo momento foi quando Minas Gerais iniciou uma política industrial forte, com incentivos para a implantação de fábricas. Foi nessa época, por exemplo, que a Fiat se estabeleceu próximo a Belo Horizonte”, explica. O pesquisador acrescenta que somente na terceira fase, já no final do século 20 e início do século 21, as fábricas de carros começaram a se espalhar pelo país. “Depois de Minas Gerais, elas foram para o Sul e, por último, para o Nordeste, num momento que coincide com o fim do modelo de produção fordista e início da especialização industrial. O domínio das máquinas e ferramentas computadorizadas nas fábricas de automóveis ajuda no processo de desconcentração da produção, pois cada peça do carro pode vir de um lugar diferente”, afirma Antonio Cláudio. Ao lançar mão de dados que medem concentração e dispersão das indústrias, fornecidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), os pesquisadores concluíram que a desconcentração da indústria automobilística no Brasil só foi bem-sucedida porque ocorreu de forma integrada a outros setores produtivos das regiões que recebiam as fábricas. “Às vezes uma indústria é construída num local isolado e precisa importar toda sua matéria-prima. Nossa indústria automobilística se integrou a outras atividades econômicas e, no final, os lugares onde ela se instalou viraram polos industriais dinâmicos”, aponta Lopes. O pesquisador destaca, como exemplo de polo dinâmico, a cidade de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, que hoje possui fábricas não só de automóveis. “Antigamente, na teoria não havia a preocupação com a localização da indústria, postulando-se que a economia funcionava num espaço abstrato. Hoje, reconhece-se que a localização é fator de extrema importância para uma fábrica definir seus investimentos. Aquela região precisa oferecer infraestrutura adequada para que uma fábrica se instale ali.” Descentralização via incentivos No que se refere aos incentivos fiscais, ele destaca os prejuízos que podem ser gerados pela guerra fiscal na busca pela atração de indústrias. “Cada governo estadual tenta oferecer mais benefícios que o outro para que uma fábrica se instale ali. Isso pode gerar déficit público e inflação”, explica o pesquisador. Ele ressalta, porém, que a descentralização da indústria automobilística trouxe mais benefícios que perdas para a economia do país, uma vez que as regiões que passaram a abrigar esse tipo de indústria também cresceram. “Quando fábricas se instalam em um novo lugar, aquela região tem novas oportunidades de emprego e ganhos econômicos. Além disso, você desafoga uma outra região que pode estar saturada. São Paulo, por exemplo, é uma cidade que não tem espaço para instalação de novas indústrias”, diz. Brasil como polo regional O trabalho destaca, ainda, os problemas de mobilidade que são causados pelo crescimento da produção e venda de carros no país. Para Lopes, a tendência de se investir em transporte coletivo começa a dar agora os primeiros passos no Brasil. “O aumento do poder aquisitivo faz com que as pessoas queiram comprar carros. A nossa indústria automobilística não tem nenhuma dificuldade em produzi-los, mas estamos com problemas de mobilidade porque nossas cidades não comportam mais esse grande número de veículos.” Outro questão apontada pela pesquisa está relacionada à mudança do foco dos modelos de carro que serão produzidos no futuro, na medida em que as pessoas passam a se preocupar com questões relacionadas à sustentabilidade. “Essa atenção para o meio ambiente abre novo leque de opções para as indústrias, que vão precisar desenvolver produtos menores e não poluentes. A indústria automobilística vai ter que se reinventar. Ela não vai acabar, mas vai ter que se reestruturar para se adaptar a uma nova realidade”, conclui. XVIII Encontro Nacional de Economia Política Outras informações sobre o evento podem ser encontradas aqui. (Luana Macieira)
De acordo com Antônio Cláudio Lopes, os principais fatores que concorreram para a descentralização da indústria automobilística brasileira foram a política de benefícios fiscais estaduais, a proximidade dos mercados consumidores e a mão de obra disponível.
O Brasil já é visto como polo da indústria automobilística global, com forte inserção na América Latina. “Todas as principais multinacionais produtoras de carros têm fábrica no Brasil. A tendência é que nossa participação no mercado automobilístico mundial fique cada vez maior, uma vez que a demanda de carros pelos brasileiros só aumenta. Hoje, as empresas já começam a pensar em carros para o público brasileiro, que é um dos maiores compradores desse produto no mundo.”
O XVIII Encontro Nacional de Economia Política acontece até sexta-feira (31) na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, no campus Pampulha. O encontro é organizado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) e pelo Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade.