Universidade Federal de Minas Gerais

Foca Lisboa/UFMG
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Cornelis Van Stralen: sistema bifurcado

'Nosso sistema de saúde é um espelho da desigualdade social brasileira', afirma especialista da UFMG

quarta-feira, 3 de julho de 2013, às 5h47

Embora sua concepção seja elogiada no exterior, o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), criado há 23 anos por meio da Lei Orgânica da Saúde, ainda está longe de satisfazer os anseios da população. Tanto que as carências na área são um dos pontos nevrálgicos da imensa pauta de reivindicações que tem levado milhares de brasileiros às ruas nas últimas semanas.

Os gargalos, as deficiências e os avanços do SUS – sim, eles existem – serão debatidos no início de outubro, em Belo Horizonte, durante o 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, organizado pela Comissão de Política, Planejamento e Gestão em Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O evento reunirá especialistas e pesquisadores para analisar os rumos da saúde no país e formular contribuições para uma agenda nacional voltada para a construção de um sistema público universal e igualitário.

Algumas das ideias que certamente pontuarão o debate em outubro são apresentadas nesta entrevista ao Portal UFMG pelo presidente do evento, o professor Cornelis Van Stralen, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich).

Especialista em política, planejamento e gestão em saúde, Van Stralen faz um diagnóstico dos vícios que caracterizam o sistema da saúde no Brasil, como o seu caráter bifurcado, que faz com que o SUS seja, ao mesmo tempo, um subsistema para a população de baixa renda e um tipo de seguro para o setor privado.

“Em relação aos procedimentos caros, por exemplo, os planos de saúde dão um jeitinho de o paciente ser atendido pelo SUS. O correto seria o SUS ser ressarcido pelos planos, mas faltam fiscalização e controle”, afirma ele, que também aponta sugestões para aperfeiçoar a gestão, como a regionalização da assistência.

O 2º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde pretende propor uma agenda nacional para a saúde pública no Brasil. Quais são os principais itens dessa agenda?
O tema do Congresso é Universalidade, igualdade e integralidade da saúde: um projeto possível. Eu chamaria isso de um projeto necessário. O SUS corre o risco de se tornar um subsistema de saúde voltado para a prestação da atenção à saúde da população de baixa renda, ao lado de um sistema privado subjugado a interesses mercantis. O congresso tem o propósito de discutir a evolução do sistema de saúde com suporte da produção acadêmica na área de política, planejamento e gestão, por isso a agenda do evento engloba a participação da academia na montagem das estratégias para alcançarmos um sistema de saúde eficiente.

Já se passaram 23 anos desde que o SUS foi oficializado por meio de uma Lei Orgânica. Por que ele ainda apresenta tantos problemas de gestão e funcionamento?
A Constituição de 1988 previa a implantação de um sistema universal, igualitário e integral. Mas a realidade é bem diferente. Quando o SUS surgiu, os especialistas imaginavam que chegaríamos a um sistema-modelo de saúde pública, mas eles ignoravam que um sistema de saúde privado já estava em franca expansão, tanto pela política do então Instituto Nacional de Assistência Médica Previdenciária de estimular empresas a criarem assistência médica para seus empregados quanto pela atuação de pequenos hospitais que lançaram “planos de saúde” para a classe média. Acabamos com um modelo altamente fragmentário e que espelha a desigualdade da sociedade brasileira. Sistema único pressupõe um modelo que serve a população inteira, para todos e para tudo. Mas o que temos atualmente é o SUS atendendo no nível de atenção básica, mas ainda sem a cobertura integral. Ao lado disso, temos o sistema privado, que deveria ser complementar ao SUS, mas cresceu tanto que não podemos mais chamá-lo de complementar.

Qual o maior problema causado pelo crescimento da saúde privada, que é realizada pelos planos de saúde?
A saúde está virando um negócio. O sistema privado é desigual, porque depende de quanto o associado pode pagar; há planos bons e ruins. Depende também do tamanho da empresa que sustenta o plano. Grandes corporações costumam ter planos melhores. Algumas empresas usam esse benefício para realizar controle da força do trabalho, pois se a pessoa adoecer ou sua familiar utilizar muito o plano, ela pode acabar sendo demitida. Por isso, empresários preferem os planos de saúde. Além disso, os sindicatos dos trabalhadores se dizem favoráveis ao SUS, mas negociam planos com as empresas. Estamos vendo crescer um sistema fragmentário que nega a saúde como direito e mantém a desigualdade social.

Por que os planos de saúde também perderam qualidade ao longo dos anos?
Quando o SUS foi criado, a visão de muitas pessoas era de que tudo seria gratuito. Mas o SUS não tinha condições de começar a atender todo mundo repentinamente. Isso favoreceu as empresas de planos de saúde a ampliarem sua clientela e esse crescimento desenfreado fez com que a saúde privada não tivesse infraestrutura para atender os novos associados. Daí as reclamações sobre dificuldade para marcar consultas, realizar exames etc.

O que faz com que um sistema de saúde seja de fato eficiente?
Um país baseado em cidadania deve oferecer saúde a todos, gratuitamente, ou com alguma forma de contribuição (como ocorre em alguns países da Europa, por meio de um tipo de seguro de saúde em que o cidadão paga uma parte e o governo outra). A concepção do nosso SUS é muito elogiada no exterior. Se funcionasse como planejado, seria algo exemplar. Um sistema eficiente seria aquele não fragmentário em que há a mesma atenção à saúde para o rico e para o pobre, indistintamente.

Como o SUS é gerido?
O atual sistema de saúde no Brasil é bifurcado, público e privado ao mesmo tempo. Em relação aos procedimentos caros, por exemplo, o plano de saúde dá um jeitinho de o paciente ser atendido pelo SUS. Assim o SUS vira um tipo de resseguro: o plano de saúde assume o risco de um segurado precisar de procedimentos caros, mas na “hora h” transfere este paciente para o SUS. O correto seria o SUS ser ressarcido pelos planos, mas faltam fiscalização e controle. Aqui o sistema privado é mal regulado. Os diretores da Agência Nacional de Saúde, que deveriam fiscalizar o planos privados, costumam estar vinculados a planos de saúde e os empresários têm influência política. O SUS não financia campanhas de deputados, mas os planos financiam. Enfim, a questão de poder e a questão política acabam atrapalhando a evolução do SUS. Além disso, quase todos os procedimentos de médio e alto custo de diagnóstico são do setor privado, pois o SUS compra esses serviços e isso fica caro demais. A médio prazo temos que reverter esta situação em que o gasto privado supera o público. O governo precisa acabar com essa política ambígua de manter o SUS e, ao mesmo tempo, favorecer a expansão do setor privado de saúde. Mas não se melhora um sistema de saúde de repente. É preciso criar estratégias. Uma delas seria regionalizar o atendimento.

Como assim?
É uma loucura ter um sistema municipalizado, porque há municípios com milhões de habitantes e outros com menos de mil que nem dão conta de manter uma equipe de saúde da família. Mas é difícil regionalizar devido à variável política, porque o prefeito de uma cidade pequena quer aparecer, quer fazer um hospital na cidadezinha dele, quer mostrar serviço. Mas o ideal da regionalização é ter uma rede de serviços com um hospital em uma das cidades e aquelas do entorno usufruírem dele. Há muitos obstáculos e às vezes retrocessos, mas temos que lembrar dos avanços do SUS. Por exemplo: o SUS é referência em atenção básica.

O que é a atenção básica?
A atenção básica cuida da saúde das pessoas por meio de promoção, prevenção, tratamento médico e reabilitação. Uma gestante, por exemplo, não está doente, mas precisa de cuidados de pré-natal. Isso é atenção básica, ela cuida de problemas de saúde e, quando necessário, encaminha aos especialistas. A atenção básica é a porta de entrada da pessoa no sistema de saúde e falta médico para esse tipo de serviço no Brasil. Os médicos preferem não trabalhar em equipe de saúde da família ou em postos de saúde de atendimento básico, pois isso não é valorizado profissionalmente e os salários costumam ser menores.

Na última semana, a presidente Dilma Rousseff anunciou o plano do governo de trazer médicos estrangeiros para suprir a carência nas regiões mais remotas do país. Isso seria uma solução?
As associações médicas são contra a vinda dos médicos estrangeiros até por uma questão de reserva de mercado. Existe um problema real com 10% de municípios sem médicos. Não vejo problemas em trazer médicos de outros países. Na Europa há muitos médicos estrangeiros, nos EUA também. Primeiro falam que é paliativo, porque onde não há médicos, não há infraestrutura, laboratórios etc. Mas dizer que o médico não pode fazer nada nesses lugares é invenção. Lógico que, para funcionar bem, infraestrutura ajuda bastante. É frustrante para o médico constatar que o paciente precisa de mais do que ele pode oferecer, mas um profissional nessas regiões afastadas, mesmo sem a infraestrutura ideal, já é capaz de fazer algo.

E a validação do diploma desses médicos?
Essa questão é polêmica. O médico de fora pode não querer ficar nas cidades pequenas e afastadas, assim como o médico brasileiro não quer. Para evitar isso, ele poderia ser obrigado a ficar um tempo lá e depois eventualmente validar o diploma, se quiser migrar para outra parte do país. Há uma razão para validar o diploma. O médico de outro país é acostumado a tratar outros tipos de doenças. Um médico belga, por exemplo, precisa de alguma preparação para lidar com as chamadas doenças tropicais. Mas alegar que os médicos cubanos são todos ruins é um exagero, uma vez que Cuba tem um bom sistema de saúde. Se o sistema de saúde deles é bom, como os médicos podem ser tão ruins? E outra: será que nossos médicos passariam nos exames de revalidação aplicados aos profissionais estrangeiros?

Sobre a falta de infraestrutura, como ela pode ser resolvida?
O Brasil tem um gasto significativo com saúde, mais de 8% do Produto Interno Bruto (PIB). A parte do dinheiro dos royalties do petróleo, que a presidente anunciou que será destinada à saúde, vai fazer diferença. O SUS sofre com falta de recursos humanos e de infraestrutura. Uma pessoa que fica do lado de fora de um posto de saúde esperando atendimento, em pé, na chuva, é a prova de que a deficiência de infraestrutura não é só de equipamentos, mas também física, de postos de saúde. Atendimento de qualidade também significa acolhimento digno, oferecer condições para que as pessoas possam se sentar numa sala de espera e ser recebidas como cidadãos. O sistema público de saúde precisa ser acolhedor e humanitário.

(Luana Macieira)

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