Universidade Federal de Minas Gerais

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"Ofídico", mapa amazônico inspira novo conceito literário

Tese da Fale lança novo olhar sobre a literatura de temática indígena

terça-feira, 20 de agosto de 2013, às 12h20

As abordagens da temática indígena na literatura brasileira já duram mais de meio milênio, perpassando as grandes escolas literárias, como o barroco, o arcadismo e o romantismo: mas remontam até o quinhentismo, e alcançam, na contemporaneidade, nomes como Manoel de Barros e Milton Hatoum. Nesse sentido, a análise crítica e acadêmica sobre a formação da literatura nacional passa inevitavelmente pela cultura indígena e seus mitos.

No século 20, parte significativa dessa reflexão se deu sob a perspectiva do indigenismo literário, conceito que abrange estudos sobre a forma como o escritor branco ocidental aborda a figura do índio. Trata-se, sobretudo, de uma crítica ao olhar – não raro alegórico e estereotipado – lançado sobre o indígena e seu universo.

Ainda hoje essa vertente é mobilizada para o estudo da vasta linhagem de escritores que assumiu o índio como referência fundamental na construção de sua literatura – mas a academia já se mobiliza para problematizar, delinear e transcender as limitações dessa abordagem. É nessa vertente que surge a tese A cobra e os poetas: uma mirada selvagem na literatura brasileira, recentemente defendida na Faculdade de Letras (Fale) por Mário Geraldo Rocha da Fonseca. O estudo motivou matéria na edição 1829 do Boletim, que pode ser acessada aqui.

Em sua tese, Mário cria um conceito literário para melhor compreender a literatura brasileira de temática indígena. O pesquisador elege a figura de um animal selvagem – a cobra – e tudo o que ele representa no mundo indígena para propor a tese da “escrita ofídica”: a escrita literária de uma linhagem de escritores brasileiros que, em suas produções, se relacionaram com o mito indígena. “Penso que na medida em que os escritores se apropriaram do mito, eles foram contaminados pelo jeito dos índios de fazer literatura, de escrever seus mitos. É essa escrita influenciada pelo mito indígena que chamo de escrita ofídica”, diz.

Para Fonseca, o “olhar da cobra” consiste em uma “mirada selvagem”, que pode ampliar a compreensão histórica desses escritores. “No meu trabalho, a cobra é um conceito teórico, mas é também personagem e referência do espaço territorial amazônico. Uso o termo para sugerir nova reflexão, não mais moldada pelo indigenismo literário, mas pelo olhar que emerge da literatura indígena, em que os próprios índios sistematizam seus mitos. O surgimento dessas literaturas extraocidentais está possibilitando toda uma nova problematização das abordagens feitas pelo homem branco do mito indígena”, analisa.

Em entrevista, o pesquisador detalha para o Portal UFMG o conceito que criou.

Por que propor um novo conceito para ler a literatura de temática indígena?
Foca Lisboa/UFMG
_DSC6317%20cortada.jpg Porque existe uma leitura dominante do cânone literário indigenista da qual eu precisava me desviar; não refutar, mas desviar. A leitura de que falo é a que dá voz a uma certa utopia de alguns escritores em seu intuito de colher uma língua junto aos índios como forma de defender uma língua brasileira, mais “autêntica”, nativa, um português puramente brasileiro. A mim, o que interessa no aspecto linguístico, por exemplo, não é nem o português nem a língua nativa dos índios, mas sim a invenção que esses escritores fizeram de uma terceira língua.

Hoje estão surgindo os chamados “livros da floresta”, nos quais os índios escrevem seus mitos, que antes só faziam parte do mundo da oralidade. O que ajuda a melhor compreender a invenção de um português a partir das línguas nativas do Brasil é justamente esse aparecimento de uma literatura propriamente indígena; não indigenista, mas indígena, de fato produzida pelos índios. O cenário é novo, e demanda novas ferramentas para ser bem explorado. A reflexão que surge daí é típica de um tempo em que as teorizações da literatura buscam superar a clássica polarização entre mito e realidade.

Como se dá essa polarização?
O que se está problematizando, de forma ampla, é a literatura como um todo; a antiga contraposição ocidental entre invenção e verdade. O conceito de autoficção, muito em voga na literatura contemporânea, tem a ver com essa visão. O debate, agora, transcende essa polarização, pondo em crise o antigo sistema de representação que separava ficção e verdade. E a chegada dessas literaturas extraocidentais colabora para essa problematização. A literatura indígena entra justamente aí. Para os índios, o mito é real. Não se trata exatamente do que nós chamamos de realidade, mas sim de uma relação antropológica do humano com os demais seres que estão na realidade. Daí a importância de um novo conceito que seja capaz de lançar luz sobre essas questões sem desqualificar o sentido da ficção ocidental – mas também indo além de dizer que ficção é uma coisa e realidade é outra. A leitura que eu faço dos mitos indígenas parte daí. A imbricação entre ficção e verdade é a maneira que os índios sempre tiveram de lidar com o incrível poder determinante da natureza.

Detalhe como, no caso dos índios, essa relação com o real se dá.
Ao criar seus mitos, os índios estão inventando uma maneira de lidar com o real. E essa invenção é necessária para que eles possam viver o real. Se tomamos “o real” como o imenso poder da natureza, e pensamos especificamente no caso dos índios da Amazônia, vemos aí alguma coisa de imponderável. Então surge essa figuração da cobra; é um recurso para darmos conta de falar disso. A cobra é desvio, assim como o mito, desvio que é fruto da inventividade humana, da criatividade humana, para lidar com o poder da natureza, para lidar com o poder das maravilhosas coisas que estão para além do nosso controle.

E por que a cobra, especificamente, para ilustrar esse conceito?
Eu poderia ter optado por outros animais, como o papagaio, a onça, a tucandeira, também interessantes para isso. Mas fiz a escolha de um determinante imaginário. A cobra é muito forte, um dos animais mais fortes do imaginário caboclo e indígena. E há também a justificativa geográfica. Quando eu fiz a minha primeira viagem de avião, da minha cidade no interior do Amazonas para a capital, eu pude ter noção da importância e da beleza do mito da cobra grande na Amazônia. Aquela paisagem fulgurante de verde e os rios atravessando a floresta como se fossem uma imensa cobra. O mapa da Amazônia é ofídico. E um dos personagens mais comuns no mito amazônico é a cobra, que inclusive interessou muito aos escritores indigenistas, sobretudo os modernistas.

Como você chega ao conceito?
Uma das noções que uso para compor a cobra, e que é forte na teoria literária contemporânea, é a de “desvio”. Mas eu me desvio até desse próprio desvio, pois ele é formalista, e se dá sempre em relação a alguma norma; um desvio da língua padrão, por exemplo. O meu desvio não diz respeito à norma. O meu desvio é uma perspectiva. A pedra no meio do caminho de Carlos Drummond de Andrade, forte marco do modernismo, é um exemplo disso. Drummond está batendo na pedra, querendo de toda maneira enfrentá-la. O desvio de que eu falo não nega a existência da pedra, mas desvia-se dela. E segue o caminho. Ele não está querendo destruir a norma. Quer é construir um novo caminho; inventá-lo. A palavra invenção, portanto, é chave. Penso que quando os românticos e os modernos se apropriaram dos mitos indígenas, o que eles fizeram foi uma invenção. E que tipo de invenção é essa? Uma invenção que cria um novo mito a partir do mito indígena do qual eles se apropriaram. Mas minha preocupação não é saber o que os escritores fizeram com o mito indígena ao se apropriarem dele, mas sim o que o mito fez com eles no transcorrer dessa apropriação.

E como podemos conceituar a cobra?
De certa forma, ela dialoga com o conceito de devir; o devir como uma invenção que a gente faz para lidar com as mudanças. Penso no devir naquela perspectiva que vem de Nietzsche e passa por Deleuze, Derrida, Foucault. Para Deleuze, por exemplo, o devir não é só o tempo em movimento, as mudanças claramente vistas; é a relação humana com essa mudança. E, para lidar com essa mudança, você vai ser chamado a criar alguns elementos de permanência. Heráclito dizia que tudo muda, mas, para que tudo mude, há algo que não muda. E o que é isso que não muda? A própria mudança. O conceito de devir tem a ver com esse diálogo, de uma coisa que está sempre em transformação, e que a gente, para lidar, tende a criar alguma permanência, alguma estabilidade. O devir toca nesse ponto, na invenção dessa estabilidade. É interessante perceber como a imagem da cobra, um animal anfíbio, que transita por todos os reinos da natureza, e que está sempre em mudança (inclusive de pele), abrange tudo isso. O procedimento da metamorfose está muito presente no mito indígena. Os seres e o espaço estão sempre mudando, sempre em movimento. O espaço amazônico é um exemplo disso, por conta da força da água, que desloca até mesmo as coisas que se acredita serem mais estáveis, como o próprio terreno nos quais se constrói as casas e as árvores nascem. Num período, existe uma ilha em um determinado lugar; depois ela já está em outro: as margens dos rios estão sempre desenhando um traçado novo.

A cobra é o devir?
Sim. O devir que dialoga com conceitos como “potência”, assim como trabalhado por Nietzsche, entre outros, e retomado por Giorgio Agamben. Ambos, assim como os conceitos de “devir” dos formalistas russos e franceses, de “fora” (de Maurice Blanchot) e de “dobra” (de Deleuze) ajudam a dar conta desta perspectiva que chamo de ofídica. Agamben transcende a ideia de potência como algo que só existe como uma etapa para que o ato possa existir; ele faz um desvio da relação potência/ato para problematizar a relação potência/potência. Para o filósofo italiano, algo tem mais potência justamente por também possui o poder de não ser ato.

Toda essa conceituação nos ajuda a pensar a literatura contemporânea como uma ânsia de criar uma nova realidade sem sair da realidade, se dobrando sobre si mesma. De ser não mais uma representação da coisa, mas sim a própria coisa. Da possibilidade de ser algo novo e de também não sê-lo. A literatura como possibilidade; como potência.

Tese: A cobra e os poetas: uma mirada selvagem na literatura brasileira
Autor: Mário Geraldo Rocha da Fonseca
Defesa: maio de 2013
Programa de Pós-graduação em Letras: Estudos Literários – Literatura Comparada.
Orientadora: professora Maria Inês de Almeida

(Ewerton Martins Ribeiro)

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