Na manhã de hoje, Heloísa Starling, professora do Departamento de História e assessora da Comissão Nacional da Verdade, apresentou à comunidade acadêmica resultados parciais de trabalho desenvolvido pelo Projeto República, coordenado por ela, que investiga violações de direitos humanos ocorridas no período ditatorial. Ao longo de sua exposição, Heloísa demonstrou que, ao contrário do que supõe a historiografia, a matriz de repressão na ditadura brasileira está presente desde 1964, e não apenas a partir do Ato Institucional nº 5, editado em dezembro de 1968. “Comprovar essa hipótese é importante porque nos permite entender que a ditadura militar brasileira não é um processo em que a repressão oscila. Não existe um momento mais brando com Castelo Branco e um momento muito feroz com Médici; existe, sim, uma política de repressão que tem momentos de maior ou menor expansão, mas ela está constituída desde o golpe, na sua origem”, defendeu a pesquisadora, esclarecendo que já no princípio a tortura foi utilizada como técnica de interrogatório nos quartéis. Segundo Heloisa, a pesquisa buscou “reconstruir como foi organizada a matriz de repressão pela ditadura militar brasileira”, sustentada, de acordo com ela, em quatro pilares: prisões, tortura, extermínio e repressão na área rural. Na exposição desta manhã, foram apresentados os resultados referentes à questão da tortura. A partir disso, os historiadores do Projeto República tentaram identificar se a prática de tortura nos quartéis era realmente pontual até 69 ou se foi sistemática desde a instituição da ditadura. Um documento desaparecido por 40 anos contribuiu com as investigações. Em relatório de 1965, o general Ernesto Geisel, então chefe de gabinete do presidente Castelo Branco, constata a existência de tortura nos quartéis e relata sua negociação com os agentes: garantia de impunidade em troca da diminuição ou término da prática. “O relatório Geisel comprova não apenas que a tortura estava sendo executada nos quartéis, mas também que a impunidade estava garantida para que a prática da tortura continuasse, conduzindo a uma explosão no período posterior, a partir de 1969”, expôs Starling. Outra revelação da pesquisa é que em dois estados (Pernambuco e Rio de Janeiro) houve prática de tortura dentro das universidades, em função da repressão ao movimento estudantil. A professora enfatizou, ao fim, que o trabalho destinado a contribuir para as investigações da Comissão Nacional da Verdade é realizada por alunos desta Universidade. “Acho importante dizer que esse trabalho é feito fundamentalmente por estudantes (alguns de graduação) aqui de dentro, então eu acho que a UFMG deve ter orgulho disso". A conferência de Heloísa Starling foi realizada no âmbito do Seminário internacional direitos humanos, memória e verdade. O evento contaria também com a participação de Estela Carlotto, presidente da associação civil argentina Abuelas de Plaza de Mayo, mas a convidada argentina teve seu voo cancelado e não pôde comparecer.
As considerações expostas foram fruto de três procedimentos de pesquisa: mapeamento dos centros de detenção e tortura em alguns estados (Bahia, Pernambuco, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro) entre 1964 e 65; levantamento e cotejo das denúncias de tortura apresentadas no país de 1964 a 68; e identificação de uma tipologia da tortura a partir das denúncias coletadas, a fim de verificar as técnicas utilizadas (torturas psicológicas, pau de arara, afogamento, choque elétrico, soro da verdade ou pentotal, entre outros). “Com isso pensamos que teríamos um resultado robusto o suficiente para pensar a matriz da repressão”, argumenta Heloísa Starling (em foto de Maíra Vieira).