Universidade Federal de Minas Gerais

Fotos: arquivo Projeto paisagens em branco
antartica%20acampamentos.JPG
Acampamento formado na Península Byers durante a expedição realizada em 2012: pouco conforto e restrições alimentares

Equipe da UFMG retorna à Antártica para investigar seu sítio arqueológico mais bem conservado

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014, às 20h30

Você já imaginou passar seus verões na Antártica, onde as temperaturas raramente excedem 3°C? O professor Andrés Zarankin, chefe do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG e coordenador do Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas (Leach), já contabiliza mais de onze expedições ao continente, e as pesquisas são realizadas sempre na estação mais quente do ano, quando se torna viável sair a campo.

No inverno antártico, as temperaturas chegam a -40ºC. Além disso, devido à inclinação da Terra, a incidência solar na região é baixa, prolongando os períodos de escuridão. Para os arqueólogos interessados em realizar escavações nos sítios mais bem conservados e isolados do continente, a única opção é mesmo trocar o verão de clima tropical e o conforto das cidades por temperaturas gélidas e acampamentos.

Neste sábado, 11 de janeiro, depois de um ano de ausência – em 2013 não houve expedições devido ao incêndio que atingiu a base científica brasileira e afetou a logística dos estudos na região –, cinco pesquisadores da UFMG partem, de Punta Arenas, no Chile, rumo ao continente austral para dar prosseguimento às pesquisas sobre história da ocupação local.

Coordenador do projeto Paisagens em branco: arqueologia histórica antártica, financiado pelo Programa Antártico Brasileiro, o Proantar, do CNPq, Andrés Zarankin explica que, devido a suas características particulares de isolamento e temperatura, o "continente gelado" foi o último grande espaço a ser ocupado pelo ser humano. É também o único continente que nunca foi habitado por populações autóctones.

A partir do final do século 18 e início do século 19, o continente passou a ser sazonalmente ocupado por caçadores de companhias internacionais (majoritariamente americanas e britânicas), enviados para caçar animais e abastecer o mercado de determinadas matérias-primas – óleo de baleia e de elefante marinho para iluminação ou produção de farmacêuticos e peles de foca para a confecção de roupas, por exemplo.

“A história tem trabalhado a Antártica a partir de documentos escritos, mas sobre esses grupos foqueiros não existem muitos documentos. Afinal, a maioria desses caçadores não sabia ler ou escrever. Contudo, existe o que denominamos de cultura material, os restos físicos produzidos pela atividade humana a partir dos quais é possível conhecer a vida cotidiana desses grupos”, afirma o professor Zarankin.

Ponto de partida
A pesquisa arqueológica na região teve início na expedição de 1995-1996, como consequência do descobrimento casual de uma caverna com estruturas e materiais arqueológicos na Península de Byers, Ilha Livingston, por parte da equipe de geólogos do Instituto Antártico Argentino.

Quando estudiosos de arqueologia analisaram a caverna, identificaram vestígios de um processo de ocupação da Antártica por caçadores de foca. A descoberta foi o ponto de partida de um amplo projeto de cooperação internacional entre Brasil, Argentina e Chile, liderado por Andrés Zarankin.

"Até pouco tempo não existia estudo sistemático da história da Antártica e seu processo de ocupação humana e muito menos um projeto internacional de colaboração dentro das ciências humanas. Isso dá a nosso projeto características únicas, uma visibilidade enorme e expectativas em relação a novas informações e produtos de pesquisa”, declara o coordenador.

Ainda que a Antártica tenha uma tradição de estudos científicos bastante extensa nas últimas cinco décadas – em 1959 foi assinado o tratado antártico, que congela os pedidos de soberania dos diferentes países e permite a liberdade de exploração científica do continente em regime de cooperação internacional –, as pesquisas realizadas são geralmente das chamadas "ciências duras", como geologia, paleontologia e mudanças climáticas.

"As ciências humanas sempre foram marginalizadas nos estudos da Antártica. Muitos pensavam, inclusive, que elas seriam dispensáveis, visto que não havia população humana lá. Mas esse panorama tem mudado. O órgão que centraliza a pesquisa antártica em nível mundial [Scar – Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica] criou, nos últimos 10 anos, um grupo específico de especialistas de ciências humanas e outro de história para fomentar a atuação desses campos na região”, conta o professor da UFMG.

Vestígios materiais, riquezas simbólicas
Na atual expedição, cujo regresso está previsto para 26 de fevereiro, o objetivo é escavar o sítio foqueiro melhor conservado dentre os identificados até então. Ele está localizado em Punta Elefante, pequena península na Ilha Livingston, localizada a aproximadamente 120 quilômetros ao norte da parte mais setentrional do continente antártico.

O percurso até o sítio arqueológico é longo. De Belo Horizonte, é preciso seguir primeiramente a Punta Arenas, cidade portuária do Chile, na região da Patagônia – são pelo menos duas escalas e aproximadamente 14 horas de viagem. Chegando lá, parte-se em voo da Força Aérea Brasileira (FAB) para a base chilena Presidente Eduardo Frei Montalva, na Antártica, onde se encontra o aeródromo e núcleo de apoio logístico mais importante para as bases científicas da região. Depois disso, de helicóptero ou de bote, a equipe é conduzida até o navio Ary Rongel, da Marinha brasileira, que leva quatro dias para alcançar o local das escavações, situado a uma longa distância da base científica Comandante Ferraz.

antartica%20vertical.JPG "A grande vantagem do sítio em questão é que ele se encontra praticamente intacto. O que esperamos é encontrar um contexto arqueológico primário que nos ajude a compreender a organização espacial, in situ, dos objetos, o que possibilitará realizar um estudo muito mais detalhado de como eram as estruturas de acampamento, permitindo aprimorar interpretações que já vínhamos trabalhando”, expõe Zarankin.

Gerusa Radicchi, mestranda do Departamento de Antropologia e Arqueologia e uma das pesquisadoras da expedição, faz uma descrição do acervo do sítio: “Lá, existem materiais orgânicos bastante perecíveis em condições muito bem preservadas, algo que normalmente não encontramos. Além de ossos que formavam a estrutura dos acampamentos, encontramos madeira – desde fragmentos até objetos como colheres e botões –, vestígios de peças de vestuário –, grande número de sapatos, inteiros ou com partes faltantes –, metais com liga de ferro ou chumbo, restos alimentares ósseos e peles de animais, que eram provavelmente abatidos e processados nos acampamentos, algo altamente perecível".

Todos esses elementos aportam indícios que permitem estudar desde como eram os hábitos alimentares, o acesso ao consumo, o corpo, moda, lazer e outras questões simbólicas e ideológicas.

Adversidades
Em Ponta Elefante, o acampamento é a única forma de hospedagem. O conforto é quase nulo e a sujeição ao frio, constante. As temperaturas variam de 5°C, num dia muito bom, a -15°C, dependendo do vento. “Mas a gente se adapta. Nos primeiros quatro ou cinco dias, sente-se muito frio, porém depois, com o auxílio de uma roupa especial que permite manter calor, o corpo começa a se acostumar”, comenta Andrés.

Outra dificuldade são os banhos. No frio intenso, sua periodicidade é bastante escassa – a cada cinco dias– e, para a higiene diária, usam-se panos umedecidos. "No treinamento pré-Antártico – que a Marinha oferece e a gente é obrigado a passar para conseguir autorização para ir como pesquisador –, tenta-se reproduzir algumas condições que vamos enfrentar na Antártica. Eles reproduzem, por exemplo, nove dias com banho restrito e alimentação bastante artificial", conta Gerusa.

A dieta exclui vegetais e legumes. A base alimentar é formada por amidos e carboidratos, principalmente macarrão e arroz. No almoço, durante o trabalho das escavações, come-se apenas um sanduíche em função da distância do acampamento em relação aos sítios. Portanto, a refeição mais completa do dia é noturna. Previamente preparadas e embaladas em papel alumínio, essas comidas costumam ser ricas em sódio e conserva.

O fenômeno do sol da meia-noite também afeta a percepção e dificulta a adaptação. "Desde 20 de dezembro até o final de janeiro não há noite e isso perturba nossos sentidos. Temos uma semana de tormento, porque sem relógio não é possível saber as horas”, afirma o coordenador dos estudos antárticos.

Além disso, devido ao isolamento, a estada é psicologicamente bem restritiva. Não há internet ou celular. Uma vez a cada dez dias, os pesquisadores têm direito a falar três minutos com os parentes, porém quase não há comunicação com a família durante o período da expedição.

No entanto, as condições já foram mais precárias. "Agora temos suporte de telecomunicações, telefone satelital, rádio. É realmente uma mudança importante em comparação a 20, 30 anos atrás”, analisa Andrés Zarankin, que se lançou sozinho como arqueólogo nas primeiras expedições.

"No início, passava três, quatro meses escavando só. Agora somos uma equipe, é mais entretido. Mas isso também implica a necessidade de um bom relacionamento, porque não há como sair. É importante que o grupo tenha uma boa sintonia para que o trabalho possa ser desenvolvido em harmonia”, relata o arqueólogo.

Há 17 anos a Antártica tornou-se o destino de veraneio de Andrés, mas ainda assim ele não se julga acostumado às adversidades.“A cada chegada é uma nova adaptação. É como extrair um dente. Cada vez que tiram, a dor é a mesma”.

Freezer natural
Uma das características da Antártica é que ela funciona como um grande freezer, ou seja, conserva materiais, principalmente associados com orgânicos, que em qualquer outro lugar do mundo estariam desaparecidos em 10 ou 20 anos.

Mas essa particularidade, aliada dos arqueólogos por conservar a cultura material, traz desafios. Em primeiro lugar, ainda em campo, é preciso desenvolver métodos e técnicas para escavar em ambientes tão frios. Às vezes o chão está congelado e isso dificulta a investigação; é preciso deixar que o piso derreta para prosseguir com os trabalhos. Ademais, a exposição ao frio, ao vento e ao gelo faz com que os materiais fiquem muito frágeis, de modo que o próprio processo de escavação ou a mudança de temperatura podem deteriorá-los.

Uma vez extraídos os objetos dos sítios, há um primeiro processo de limpeza e acondicionamento ainda na Antártica. Depois, esse material fica armazenado no interior de uma câmara refrigerada num barco da Marinha e só chega definitivamente ao Brasil por volta do mês de abril. É preciso buscá-lo o mais rápido possível e acondicioná-lo em geladeiras, conferindo cuidados específicos."Se não há uma conservação adequada, o material pode se perder. Daí a fundamental importância dos trabalhos de conservação”, explica Zarankin.

Tecnologia a favor da arqueologia
Nesta expedição, a equipe de arqueólogos vai testar um novo sistema digitalizado de coleta e processamento de dados. Desenhado com a finalidade de atender as demandas do projeto Paisagens em branco, o software customizado por Weber Porto, pós-graduando em Ciência da Computação pela UFMG, funciona como um aplicativo para tablet.

Os tablets substituem os tradicionais cadernos e canetas. Com eles, os pesquisadores preenchem relatórios, desenham, tiram foto, filmam e até georrefereciam, uma vez que o tablet tem GPS. "Informações que ficariam em papéis, distribuídas por todas as partes, agora estão aqui. Essa tecnologia resolve uma grande quantidade de problemas ambientais – tais como cupim, vento, água, umidade –, e ainda aumenta nossa produtividade. Pode parecer simples, mas é uma coisa que não existia na arqueologia”, argumenta o professor Zarankin.

A nova plataforma permite integrar as informações coletadas pelos arqueólogos e facilita a sistematização do trabalho. Formulários identificam a pesquisa, o pesquisador, o ano, a parte do sítio escavado, os objetos registrados. Já o diário fotográfico, desenhos e vídeos fornecem subsídios para a formação de uma percepção cognitiva do investigador. "As fotografias dizem muito sobre as nossas impressões e expectativas sensoriais sobre aquele espaço em que pesquisamos. A partir delas, temos um perfil do que foi observado, do recorte que se faz do sítio”, afirma Gerusa Radicchi.

(Bárbara Pansardi)

05/set, 13h24 - Coral da OAP se apresenta no Conservatório, nesta quarta

05/set, 13h12 - Grupo de 'drag queens' evoca universo LGBT em show amanhã, na Praça de Serviços

05/set, 12h48 - 'Domingo no campus': décima edição em galeria de fotos

05/set, 9h24 - Faculdade de Medicina promove semana de prevenção ao suicídio

05/set, 9h18 - Pesquisador francês fará conferência sobre processos criativos na próxima semana

05/set, 9h01 - Encontro reunirá pesquisadores da memória e da história da UFMG

05/set, 8h17 - Sessões do CineCentro em setembro têm musical, comédia e ficção científica

05/set, 8h10 - Concerto 'Jovens e apaixonados' reúne obras de Mozart nesta noite, no Conservatório

04/set, 11h40 - Adriana Bogliolo toma posse como vice-diretora da Ciência da Informação

04/set, 8h45 - Nova edição do Boletim é dedicada aos 90 anos da UFMG

04/set, 8h34 - Pesquisador francês aborda diagnóstico de pressão intracraniana por meio de teste audiológico em palestra na Medicina

04/set, 8h30 - Acesso à justiça e direito infantojuvenil reúnem especialistas na UFMG neste mês

04/set, 7h18 - No mês de seu aniversário, Rádio UFMG Educativa tem programação especial

04/set, 7h11 - UFMG seleciona candidatos para cursos semipresenciais em gestão pública

04/set, 7h04 - Ensino e inclusão de pessoas com deficiência no meio educacional serão discutidos em congresso

Classificar por categorias (30 textos mais recentes de cada):
Artigos
Calouradas
Conferência das Humanidades
Destaques
Domingo no Campus
Eleições Reitoria
Encontro da AULP
Entrevistas
Eschwege 50 anos
Estudante
Eventos
Festival de Inverno
Festival de Verão
Gripe Suína
Jornada Africana
Libras
Matrícula
Mostra das Profissões
Mostra das Profissões 2009
Mostra das Profissões e UFMG Jovem
Mostra Virtual das Profissões
Notas à Comunidade
Notícias
O dia no Campus
Participa UFMG
Pesquisa
Pesquisa e Inovação
Residência Artística Internacional
Reuni
Reunião da SBPC
Semana de Saúde Mental
Semana do Conhecimento
Semana do Servidor
Seminário de Diamantina
Sisu
Sisu e Vestibular
Sisu e Vestibular 2016
UFMG 85 Anos
UFMG 90 anos
UFMG, meu lugar
Vestibular
Volta às aulas

Arquivos mensais:
outubro de 2017 (1)
setembro de 2017 (33)
agosto de 2017 (206)
julho de 2017 (127)
junho de 2017 (171)
maio de 2017 (192)
abril de 2017 (133)
março de 2017 (205)
fevereiro de 2017 (142)
janeiro de 2017 (109)
dezembro de 2016 (108)
novembro de 2016 (141)
outubro de 2016 (229)
setembro de 2016 (219)
agosto de 2016 (188)
julho de 2016 (176)
junho de 2016 (213)
maio de 2016 (208)
abril de 2016 (177)
março de 2016 (236)
fevereiro de 2016 (138)
janeiro de 2016 (131)
dezembro de 2015 (148)
novembro de 2015 (214)
outubro de 2015 (256)
setembro de 2015 (195)
agosto de 2015 (209)
julho de 2015 (184)
junho de 2015 (225)
maio de 2015 (248)
abril de 2015 (215)
março de 2015 (224)
fevereiro de 2015 (170)

Expediente