Universidade Federal de Minas Gerais

Foca Lisboa/UFMG
ROBERTO%20MONT-MOR%20-%20FOCA%20LISBOA.JPG
Monte-Mór: defesa de modelo que "tire dos ricos para dar aos pobres"

Professor do Cedeplar defende tarifa zero: ‘É o reconhecimento do transporte como direito básico’

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014, às 5h58

Em junho do ano passado, um aumento de vinte centavos na tarifa de ônibus no município de São Paulo foi o estopim para manifestações que desde então vêm sacudindo o país, gerando uma pauta ampliada de reivindicações.

Na semana passada, novos protestos, agora no Rio de Janeiro, por conta de um reajuste de 10% nas passagens, voltaram a colocar na ordem do dia uma questão, que, na visão de uma corrente de especialistas e ativistas sociais, segue sem receber resposta dos governos: o que justifica a insistência em se manter a cobrança do transporte público pago no momento do uso, na contramão das experiências de transporte subsidiado que despontam mundo afora – e ainda na contramão da forma de se proceder em relação aos demais serviços públicos oferecidos no próprio Brasil?

Em Belo Horizonte, a campanha Tarifa Zero é mais vem sendo empreendida por meio de coleta de assinaturas para apresentação de projeto de lei de iniciativa popular com o objetivo de instituir a gratuidade dos serviços de transporte público no município. A ideia é que o sistema seja financiado por meio de um Fundo Municipal de Mobilidade Urbana.

Medidas semelhantes estão sendo propostas em outros lugares e encontram amparo na reflexão do professor Roberto Monte-Mór, da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) e estudioso da urbanização e de seus desafios. Para ele, pagar pelo transporte público no momento do uso significa penalizar o cidadão mais pobre.

Nesta entrevista concedida ao Portal UFMG, Monte-Mór fala de transporte subsidiado, tarifa zero, integração tarifária e intermodal, lobby empresarial, que, segundo ele, trava o avanço das políticas públicas, e sobre o entendimento de que direitos sociais beneficiam o conjunto da população, devendo assim ser assumidos pela coletividade.

Qual sua opinião sobre a chamada “tarifa zero”?
Essa ideia de que o transporte público pode ser “gratuito” não é exatamente nova. Em São Paulo, por exemplo, já houve uma tentativa de discutir a tarifa zero ainda na gestão de Luiza Erundina [1989-1993]. Foi algo totalmente combatido. Mas trata-se de um caminho interessante – e possível. Mas implica concomitantemente uma integração tarifária, integração intermodal. São medidas necessárias para possibilitar esse transporte “gratuito”. Mas é claro que não existe nada de graça. Evidentemente, alguém vai pagar. O que muda é o momento do desembolso e, consequentemente, quem paga – se só o usuário ou se a sociedade como um todo. No entanto, é preciso ter em mente que a tarifa zero não é uma panaceia, não é algo que vai resolver tudo. É preciso uma série de outras medidas que façam do transporte coletivo algo que de fato funcione, todos os dias, durante o dia todo. Penso que o mais importante é que a “tarifa zero”, além de eliminar a penalização do usuário, marca uma mudança de postura: vai instaurar, na prática, o reconhecimento do transporte público como de fato um direito básico da população; como algo a ser subsidiado, a ser pago por um conjunto de medidas não diretamente relacionadas com o pagamento direto do serviço; como um serviço oferecido pelo Estado ao conjunto da população, assim como a educação, a saúde. Esse é o passo inicial.

Como se dá o financiamento do transporte público no Brasil?
Por enquanto, não existe subsídio do transporte coletivo no Brasil. Hoje ele é pago integralmente pelo usuário, o que é uma penalização. Em todas as grandes cidades do mundo existe uma forma de subsídio. Outro dia um aluno meu de Vancouver, no Canadá, comentou a experiência que teve lá. Ele paga 90 dólares por mês e usufrui à vontade do transporte público. Na Europa também é assim. Meu filho, quando morou em Lisboa, Portugal, pagava 30 euros por mês e se locomovia como queria. Mundo afora, o transporte público é, em geral, subsidiado. Aqui, os únicos subsídios que temos são para idosos e estudantes. E quem paga o transporte dos trabalhadores [no deslocamento para o trabalho] são as empresas. Mas não podemos continuar tratando o transporte público como um negócio privado. Ele tem de ser gerido pelo governo e deve ser subsidiado.

A ideia de transporte subsidiado parece ser uma vertente de uma mudança de postura mais ampla, que diz respeito a um esforço de inclusão e mais justiça social...
A proposta de tarifa zero está se tornando uma questão completamente central na sociedade contemporânea, refletindo um movimento mundial pelo direito à cidade. O direito à cidadania, ao poder, à festa, à riqueza coletiva. E por uma realidade mais equitativa e justa. Acho que, em algumas partes do mundo, está se caminhando nessa direção. O recente caso do IPTU de São Paulo trata disso. [No município, foi instaurada uma política de progressividade do IPTU que se refletiu em isenção para moradias populares e aumento do imposto para bairros de alto padrão]. A recente eleição do prefeito Bill de Blasio, em Nova York, também. Ele se elegeu com um discurso de cobrar dos mais ricos, de aumentar os impostos dos mais ricos, que historicamente foram subsidiados de diversas maneiras. [Bill de Blasio é primeiro democrata a governar Nova York depois de 20 anos de hegemonia republicana. De esquerda, elegeu-se com um discurso crítico às desigualdades existentes na cidade. Propôs, por exemplo, aumentar os impostos dos nova-iorquinos mais ricos e tem feito denúncias relativas à postura da polícia da cidade, que foca em negros e hispânicos em suas abordagens]. Aqui no Brasil, no entanto, caminhamos em muitos casos na contramão dessa postura de inclusão e justiça social e de subsídio coletivo para os serviços públicos. O uso da internet é um exemplo. Atualmente, na pauta do Marco Civil da Internet, o Congresso discute a possibilidade de a internet passar a ser paga na medida do uso, o que restringiria o acesso dos mais pobres.

Explique melhor como o cidadão mais pobre é penalizado com o atual modelo de transporte.
A verdade é que os mais ricos usufruem, historicamente, de vários subsídios. Subsídios na gasolina com que abastecem seus carros; no álcool de que dispõem como opção de combustível; subsídios para o transporte individual. E são inúmeros subsídios, que, embutidos em serviços, não são contabilizados. No bairro Sagrada Família, por exemplo, onde eu moro, não se coleta o lixo todo dia, mas de dois em dois dias. Já no São Bento, área mais nobre, a coleta é diária. O que explica isso? A coleta de lixo não é cobrada por serviço. É algo pago via impostos. E aí cabe pensar: como é a coleta de lixo nos bairros bem mais pobres? Trata-se desse subsídio aos mais ricos de que falei, que está embutido nos serviços. É só pegar o asfaltamento do bairro rico e o asfaltamento da periferia que fica clara a questão. Então o que precisamos é de maior inclusão social, no sentido de melhor oferta de subsídios e serviços para os mais pobres e de distribuição dos custos conforme a renda. No que diz respeito ao transporte, em si, é preciso salientar que se trata de uma questão primariamente ideológica: há no Brasil uma ideia arraigada de que o transporte público tem de ser pago. É uma questão ideológica. Mas não precisa ser necessariamente assim. Nesse sentido, “tirar dos ricos e passar para os pobres” certamente é fundamental.

A dificuldade é mais política do que técnica, então?
Há, claro, toda uma questão técnica. Para uma mudança como essa, é preciso uma gestão efetiva do Estado. Mas, ao mesmo tempo, haveria [com a implantação do transporte subsidiado e da integração tarifária e intermodal] um grande ganho de articulação. Um problema político são as empresas cartelizadas, que controlam todo o sistema.

O sistema faliu? Nem os mais ricos conseguem mais se locomover com os seus carros...
Agora a classe média começa a sofrer algum impacto pelos congestionamentos, fruto do aumento brutal no uso de automóveis. A indústria automobilística é um desses exemplos de como os mais ricos são fortemente subsidiados. Ela é uma das indústrias mais subsidiadas no Brasil. Ela sempre foi uma indústria motriz, chave no mundo. E aqui ela ainda tem papel muito significativo na economia, na política, com impactos sobre vários outros setores. Seu papel, ao lado da construção civil, foi muito importante para que escapássemos do impacto mais forte da última crise internacional. Mas é preciso não desconsiderar a lógica dos subsídios que está por trás disso tudo. Historicamente, nós oferecemos grandes subsídios a essa indústria na forma de isenção de impostos e de facilitação de financiamentos. E isso tem consequências. Por exemplo: tornou-se mais barato para um grupo de trabalhadores, para um grupo de quatro pedreiros, por exemplo, andar de carro; ir para o trabalho de carro, pois com isso gastam menos que andando de ônibus. Isso é fruto dos subsídios ao automóvel. Se você não tem subsídio para o sistema de transporte público, a solução do ponto de vista econômico acaba sendo o automóvel. E isso resulta no cenário caótico que temos hoje. Está mais do que hora de adotarmos nova postura em relação ao transporte coletivo. E talvez valha fazer uma inversão: passar agora a penalizar o transporte individual na oferta de subsídios, focando no transporte coletivo.

Como consequência, poderia haver maior frequência de veículos coletivos, por exemplo, já que o sistema não seria regido por leis de mercado. Valeria a pena também centrar em maior diversidade modal. Tudo isso colaboraria para reduzir o impacto do trânsito nas áreas centrais. Assim, só mesmo os bairros de padrão financeiro muito alto teriam o carro como base da mobilidade. É preciso entender que o sistema de transporte não tem solução em si mesmo. Ele é um meio para fins. Ninguém sai de casa apenas para andar de ônibus. Nesse sentido, a reflexão passa inclusive por se pensar em medidas para possibilitar que as pessoas não tenham de fazer tantas viagens para coisas mínimas. É uma questão que passa pela reflexão sobre a cidade. São aspectos que demonstram que o transporte público não pode ser tratado como negócio privado. Ele tem de ser gerido pelo governo e deve ser subsidiado. Felizmente, uma parcela cada vez maior da classe média está tomando consciência disso, já que, mesmo de carro, também está sentindo os efeitos do problema no trânsito. Estamos caminhando no sentido de assumir de fato a importância central das condições de vida e de participação coletiva como marca da sociedade urbana contemporânea. Uma questão mais ampla e importante é essa grande mobilização que surge sobre a necessária melhoria da vida na cidade. A necessidade de mais racionalidade de gestão das cidades, algo que escape das tradicionais políticas públicas enviesadas. Levantar essa agenda é fundamental.

O senhor falou sobre a importância de se investir em um sistema multimodal...
Transporte coletivo é fundamental, mas sozinho ele não vai resolver. Precisamos também de outras medidas, e também do transporte individual. Nesse sentido, é preciso pensar de forma mais abrangente. Há experiências interessantes mundo afora. O carro elétrico; o carro de aluguel; o carro que você pega e deixa ali na frente. A bicicleta. Alternativas que poderiam atender melhor, por exemplo, a periferia. E a verdade é que, em Belo Horizonte, estamos muito longe de onde deveríamos estar. A Avenida Cristiano Machado e a Linha Verde já estão estranguladas. Hoje, dependendo do horário, gastam-se horas para sair da Linha Verde, horas para sair do aeroporto. E isso tende a acontecer cada vez mais. Quando se fazem investimentos desse porte em uma única região, a demanda se desloca. A Linha Verde tem esse foco específico: “vetor norte”, Cidade Administrativa, aeroporto, indústrias indo para a região. Deu no que deu. Não estou querendo dizer que esse tipo de solução viária não deva ser feito. O que estou dizendo é que é insuficiente – e que às vezes tem um impacto pernicioso. O caso do BRT, por exemplo: tenho muitas dúvidas. Um primeiro problema que já aparece é a redução ainda maior do espaço de tráfego dos carros. Porque, ao que me parece, estão criando corredores de ônibus paralelos aos corredores do BRT, sobrando poucas faixas para os carros. Fica claro que, sem um transporte sobre trilhos, a solução é paliativa. Todos os investimentos grandes que têm sido feitos são paliativos. Têm data marcada para se tornarem obsoletos. Assim, a diversificação do transporte é uma questão fundamental. Mas o pessoal da área de transporte não dá importância a essa diversificação. Vans, táxis. Seria fundamental investir nisso.

Por que os políticos têm tanta resistência e dificuldade em aplicar as conclusões da reflexão acadêmica nas decisões que tomam?
Bem, o conhecimento e a discussão acadêmica andam na frente, buscam se articular cada vez mais com as necessidades da população; ouvir o conhecimento popular e a partir dele pensar cientificamente possíveis soluções. Mas transformar essa reflexão em política pública é um longo processo. Depende da conscientização e da mudança de atitude dos gestores públicos. Hoje, no Brasil, há uma postura tecnocrática, que acredita nas decisões de gabinete. Isso é pernicioso. Outra questão é que aquilo que o conhecimento acadêmico demonstra ser o adequado muitas vezes contraria interesses comerciais. Mesmo sabendo tudo o que sabemos sobre o carro elétrico, não se consegue de forma alguma baixar uma resolução obrigando o carro elétrico. O lobby é muito forte. O interesse empresarial financia as campanhas, e tem muita capacidade de influenciar os políticos. O que tentamos fazer é ao menos colocar a pauta na agenda pública. Para que, no mínimo, se faça a discussão dessa possibilidade de mudança. Apesar disso, penso que estamos conseguindo uma mudança relativamente rápida. Porque estamos historicamente acostumados a uma pequena participação da população em causas públicas, e a uma grande manipulação do setor político em cima disso. Mas a politização do povo está crescendo muito.

Estuda-se em Belo Horizonte a criação de um Fundo Municipal de Mobilidade Urbana. Como o senhor vê a ideia?
Trata-se de uma decisão política capaz de viabilizar economicamente esse novo modo de transporte. Um fundo parece ser uma das ideias mais profícuas, pois permite reunir diversas fontes de financiamento, não apenas os recursos públicos. É muito importante canalizar isso para um único fundo, de forma a favorecer o controle popular.

(Ewerton Martins Ribeiro)

05/set, 13h24 - Coral da OAP se apresenta no Conservatório, nesta quarta

05/set, 13h12 - Grupo de 'drag queens' evoca universo LGBT em show amanhã, na Praça de Serviços

05/set, 12h48 - 'Domingo no campus': décima edição em galeria de fotos

05/set, 9h24 - Faculdade de Medicina promove semana de prevenção ao suicídio

05/set, 9h18 - Pesquisador francês fará conferência sobre processos criativos na próxima semana

05/set, 9h01 - Encontro reunirá pesquisadores da memória e da história da UFMG

05/set, 8h17 - Sessões do CineCentro em setembro têm musical, comédia e ficção científica

05/set, 8h10 - Concerto 'Jovens e apaixonados' reúne obras de Mozart nesta noite, no Conservatório

04/set, 11h40 - Adriana Bogliolo toma posse como vice-diretora da Ciência da Informação

04/set, 8h45 - Nova edição do Boletim é dedicada aos 90 anos da UFMG

04/set, 8h34 - Pesquisador francês aborda diagnóstico de pressão intracraniana por meio de teste audiológico em palestra na Medicina

04/set, 8h30 - Acesso à justiça e direito infantojuvenil reúnem especialistas na UFMG neste mês

04/set, 7h18 - No mês de seu aniversário, Rádio UFMG Educativa tem programação especial

04/set, 7h11 - UFMG seleciona candidatos para cursos semipresenciais em gestão pública

04/set, 7h04 - Ensino e inclusão de pessoas com deficiência no meio educacional serão discutidos em congresso

Classificar por categorias (30 textos mais recentes de cada):
Artigos
Calouradas
Conferência das Humanidades
Destaques
Domingo no Campus
Eleições Reitoria
Encontro da AULP
Entrevistas
Eschwege 50 anos
Estudante
Eventos
Festival de Inverno
Festival de Verão
Gripe Suína
Jornada Africana
Libras
Matrícula
Mostra das Profissões
Mostra das Profissões 2009
Mostra das Profissões e UFMG Jovem
Mostra Virtual das Profissões
Notas à Comunidade
Notícias
O dia no Campus
Participa UFMG
Pesquisa
Pesquisa e Inovação
Residência Artística Internacional
Reuni
Reunião da SBPC
Semana de Saúde Mental
Semana do Conhecimento
Semana do Servidor
Seminário de Diamantina
Sisu
Sisu e Vestibular
Sisu e Vestibular 2016
UFMG 85 Anos
UFMG 90 anos
UFMG, meu lugar
Vestibular
Volta às aulas

Arquivos mensais:
outubro de 2017 (1)
setembro de 2017 (33)
agosto de 2017 (206)
julho de 2017 (127)
junho de 2017 (171)
maio de 2017 (192)
abril de 2017 (133)
março de 2017 (205)
fevereiro de 2017 (142)
janeiro de 2017 (109)
dezembro de 2016 (108)
novembro de 2016 (141)
outubro de 2016 (229)
setembro de 2016 (219)
agosto de 2016 (188)
julho de 2016 (176)
junho de 2016 (213)
maio de 2016 (208)
abril de 2016 (177)
março de 2016 (236)
fevereiro de 2016 (138)
janeiro de 2016 (131)
dezembro de 2015 (148)
novembro de 2015 (214)
outubro de 2015 (256)
setembro de 2015 (195)
agosto de 2015 (209)
julho de 2015 (184)
junho de 2015 (225)
maio de 2015 (248)
abril de 2015 (215)
março de 2015 (224)
fevereiro de 2015 (170)

Expediente