Universidade Federal de Minas Gerais

Políticas de gestão das águas ainda desconsideram soluções apontadas pela ciência, avalia especialista da UFMG

quarta-feira, 2 de abril de 2014, às 5h58

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Disputas domésticas por fontes de água – a exemplo do episódio que envolve os estados de São Paulo e Rio de Janeiro em torno do rio Paraíba do Sul – são sintomas de uma preocupante realidade: aspectos já demonstrados pela ciência não são necessariamente levados em consideração pelos tomadores de decisão, afirma o professor Francisco Antônio Rodrigues Barbosa (em foto de Sarah Dutra/UFMG), do Departamento de Biologia Geral da UFMG.

“Uma seca tão prolongada como tivemos em São Paulo e outras regiões do país em que os reservatórios desceram a níveis nunca antes percebidos é certamente um alerta de que precisamos repensar as políticas públicas no sentido de cuidar dos mananciais de abastecimento”, avalia ele, destacando que “falta uma maior divulgação dos aspectos relacionados à governança da água”.

Em sua opinião, o conceito de governança é abrangente e deve envolver não apenas gestores, mas também o cidadão comum. Nesta entrevista ao Portal UFMG, Barbosa, que é o vice-coordenador do Instituto Nacional de Cência e Tecnologia Recursos Minerais, Água e Biodiversidade (INCT-Acqua), também fala sobre o papel da academia no uso correto da água.

Quais são hoje as maiores preocupações dos especialistas no que se refere à água?
Como já se previa, as questões ligadas à água estão cada vez mais se agudizando, e talvez possamos usar como exemplo a disputa entre São Paulo e Rio pelas águas do Paraíba do Sul. Vejo com muita apreensão que preocupações que a ciência já tinha apontado há tanto tempo não necessariamente tenham sido levados em consideração pelos tomadores de decisão. Claro que não é somente irreverência ou não consideração pelos estudos que tenham sido feitos, de forma alguma. Falta uma maior divulgação dos aspectos relacionados à governança da água.

Poderia citar alguns desses pontos que não recebem a devida atenção de nossos gestores?
Ainda temos abuso na utilização da água. Isso vai desde o cidadão isoladamente, na medida em que ainda é comum vermos pessoas “varrendo” calçada com água e lavando carro com muita frequência, até o setor industrial – embora este setor já tenha avançado consideravelmente na economia, na reciclagem e no reuso de água, mas ainda é muito pouco, precisaríamos ter mais ações nesse sentido.

A agricultura gasta uma quantidade imensa de água. No Brasil, ainda é comum o uso de pivô central, ou seja, grandes aspersores, cuja perda pode ser superior a 50%, em vez de se optar pelo gotejamento como forma de irrigar. Os processos cujas perdas ultrapassem 50%, 60% deviam ser abolidos. O gotejamento é muito eficiente, o consumo é muito cuidadoso. Há projetos computadorizados que determinam que só se leve a água ao pé da planta no momento em que ela precisa. Essas coisas existem e fazem parte da grande ideia de governança da água, que significa não só pensar em economia, mas não esquecer, por exemplo, que água e esgoto são duas faces da mesma moeda.

O saneamento básico é outro desses aspectos que a gestão pública não trata adequadamente?
Sim, o Brasil ainda trata muito pouco esgoto, porque acreditamos que temos muita água. Isso é um problema de grandes consequências, por exemplo, para a saúde pública. Possivelmente mais de 60% das internações hospitalares no país são provocadas por doenças de veiculação hídrica. Nossas crianças ainda morrem de diarreia, doença típica de país subdesenvolvido. Chega a ser constrangedor para o Brasil, um país com uma quantidade e qualidade de água tão expressivas, não ter preocupação com tratamento de esgoto. Existem as tecnologias, mas isso não é uma exigência. É mais um daqueles pontos que precisam ser considerados no que se chama hoje, mais modernamente, de governança. Ou seja, não se trata apenas de tratamento e distribuição de água.

É possível prever que esse tipo de disputa doméstica por água vá se aguçar?
O Brasil é muito bem aquinhoado – tem no mínimo 12% da água doce do planeta – mas a distribuição dessa água é muito irregular. Temos algumas regiões com muita água, enquanto o Norte, o Nordeste e parte do Norte de Minas estão no chamado Polígono das Secas, nas quais, em algumas épocas, chove menos do que o necessário. Nessas regiões, a chance de aumentar as disputas pela água é uma certeza. O que foi uma surpresa foi a forma como São Paulo e Rio reagiram a essa questão, que é séria, complexa.

A própria legislação brasileira diz claramente que nenhuma pessoa é dona da água; ela é propriedade do Estado. A Constituição brasileira garante a todos o abastecimento de água. Esse é o seu uso mais nobre, e é assim no mundo inteiro. Devemos repensar as políticas de água que temos no país, se estamos investindo adequadamente tempo, recursos, conhecimento, nos processos de tratamento de água, para que possamos garantir que as demandas sejam atendidas. Estamos possivelmente diante de um quadro com uma sequência de mudanças climáticas numa escala maior. Uma seca tão prolongada como tivemos em São Paulo e outras regiões do país em que os reservatórios desceram a níveis nunca antes percebidos é certamente um alerta de que precisamos repensar as políticas públicas no sentido de cuidar dos mananciais de abastecimento.

As cidades recebem a água que vem de fora, por isso há a ideia da pegada hídrica, da pegada ecológica: se desmatamos, não cuidamos de nascentes e não protegemos os recursos hídricos fora da cidade, certamente teremos problemas dentro delas. Essas coisas estão todas interligadas, uma cidade não pode crescer independentemente de recursos naturais. E as população de cidades gigantes como São Paulo e Rio precisam se lembrar de água é sempre ponto crítico.

Nova York, que é uma megacidade, conseguiu resolver boa parte dos seus problemas de abastecimento cuidando das fontes fora da cidade, garantindo que as nascentes não fossem afetadas pelo crescimento urbano desordenado, e a gente não vê isso no Brasil.

A disputa pela água não é algo novo numa escala mundial. Para mim, boa parte das disputas entre Israel e os estados árabes têm a ver com água, com solo fértil. Nada a ver com questões religiosas, mas com recursos naturais, sem os quais as pessoas não podem viver. E dos recursos naturais, sem dúvida, a água é o principal. Além da questão entre São Paulo e Rio de Janeiro, numa escala menor essas disputas já acontecem, particularmente dentro do Polígono das Secas.

Como a academia pode ajudar a minimizar esse problema?
A academia já há algum tempo tem procurado se adequar às demandas mais focadas da sociedade. Para citar o exemplo do INCT Acqua: nosso projeto está relacionado a recursos minerais, água e biodiversidade. Uma das primeiras coisas que nos comprometemos a fazer, junto com o setor mineral, foi discutir alternativas para a mineração. Isso significa contribuir para fazer mudanças concretas na forma de minerar, eventualmente levando à preservação de áreas.

O próprio nome do INCT – Instituto Nacional Recursos Minerais, Água e Biodiversidade – chama a atenção para o fato de que a água não pode ser vista pelo setor de mineração apenas como um insumo sem o qual não é possível minerar. É lógico que não é possível fazer mineração sem água, mas queremos dizer que é preciso ter água, e de boa qualidade, para a sociedade como um todo. E aí vem o terceiro braço do nosso Instituto, que é a biodiversidade existente nessas áreas. Queremos demonstrar com dados que essas áreas são importantes, que existe ali uma biodiversidade que merece ser conhecida e preservada.

Usando o exemplo do INCT – claro que generalizando – a academia como um todo tem procurado responder a questões mais específicas relacionadas à água. E temos inúmeras iniciativas nessa área, por vários outros grupos de pesquisa no país. Mas é preciso lembrar que precisamos investir, por exemplo, em saneamento básico – se nos permitimos, só porque temos muita água no país, não dar prioridade ao tratamento de esgoto, as consequências serão desperdício e doenças de veiculação ligadas à água.

Diferentes grupos na academia têm feito boa parte das pesquisas para atender demandas – investigando e investindo tempo e conhecimento, por exemplo, em reaproveitamento de água. O que eu temo é que a sociedade como um todo não perceba que não podemos ser perdulários no uso de recursos naturais e particularmente da água. Causa-me estranheza ver que é comum pessoas lavarem calçadas com a chamada vassoura hidráulica, uma amostra clara do desinteresse na conservação dos recursos naturais. Estamos falando de educação dentro dessa ideia do uso sustentável dos recursos, e isso não pode continuar sendo apenas um “papo de ecólogos ou de biólogos”. Isso tem que ser parte da educação formal do cidadão consciente, e é outra forma em que a academia tem contribuído: para mudar comportamentos e hábitos que antigamente não eram considerados importantes, mas agora somos quase 200 milhões de pessoas nesse país, usando os mesmos recursos que existiam. O mundo tem mais de 7 bilhões de pessoas. Até quando vamos achar que podemos usar os mesmos recursos da mesma forma? Tudo isso faz parte de um conjunto de fatores que eu colocaria dentro das necessidades da governança da água. Não é só para governador, prefeitos. O cidadão precisa entender o seu papel dentro da governança da água, acho que é isso o que está faltando.

A produção de energia pela água é um problema?
Tecnicamente falando, a produção de energia pela água está dentro do chamado uso não consuntivo, ou seja, o ato de produzir energia não reduz a água. Mas nem por isso podemos imaginar que o negócio é simplesmente aumentar indiscriminadamente a geração de energia através de hidrelétricas, pois os impactos ambientais da simples construção de barragens são muito importantes. Outras formas de produção de energia existem hoje e precisam ser exploradas, até para diminuir a pressão sobre a possibilidade de geração de energia na forma hidrelétrica, como a geração pela via eólica ou solar. Enfim,existem vários projetos em escala mundial buscando alternativas.

O Brasil tem avançado muito pouco nisso. Estive recentemente em Fortaleza (Ceará) e fiquei mais esperançoso de que a geração de energia eólica talvez naquele estado possa ser uma fonte para diminuir a pressão sobre os recursos hídricos. Mas temos outras áreas no país em que isso poderia ocorrer e não necessariamente está sendo feito. O certo é que querer resolver o problema da carência de energia usando termelétricas não se justifica, tanto pelo lado dos custos – que são muito mais elevados – quanto pela questão ambiental.

A ideia das termelétricas era que fossem usadas nas horas de pico, mas deveríamos ter esse mesmo sistema para suprir carências com outras possibilidades de geração, e isso não temos. É preciso repensar a governança da água. Os diferentes segmentos precisam conversar entre si e achar possibilidades de resolver de forma mais amigável, ambientalmente falando, a questão da energia. O mundo precisa dela, mas não sei se ela precisa ser gerada a qualquer custo, como eventualmente tem ocorrido.

(Ana Rita Araújo)

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