A não ser que se tenha eliminado o racismo, deve-se apoiar mudanças que ajudem a redefinir o que é ser humano, afirmou nesta tarde, em conferência no auditório da Reitoria, o cientista social e documentarista norte-americano Tukufu Zuberi. Professor da Universidade da Pensilvânia (EUA), Zuberi defendeu a importância de estudos científicos sobre as populações, a necessidade de considerar a questão racial como um caso de identidade humana e exaltou os movimentos negros. Professor de sociologia e estudos africanos, Tukufu Zuberi foi professor visitante em instituições de Uganda e Tanzânia. Fundou o Centro de Estudos Africanos da Universidade da Pensilvânia, é autor de livros, curador de exposições e coprodutor e apresentador da série de TV History detectives, da rede PBS. Dirigiu o documentário African independence. Está na UFMG desde o início de agosto como convidado do programa Cátedras Ieat/Fundep, do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares. Estes são alguns dos pontos abordados por Zuberi na conferência: Desde sempre Ciência contra dominação Colonialismo e ciência Ilusão Zuberi afirmou que é necessário redefinir o conceito de pessoa humana, não apenas o de negro, branco ou indígena. “Só transformaremos a situação social à medida que mudarmos o sentido dessas noções. Raça é uma ilusão socialmente construída”, ele disse. Números e imagens Mais negros nos censos Pan-africanismo Movimentos negros Ações afirmativas
O africanos ocuparam todos os continentes, desde sempre, lembrou Zuberi. Antropólogos, arqueólogos, paleontólogos e geneticistas afirmam a origem monogenética da humanidade. E a África nunca esteve isolada do resto do mundo, como já defenderam teorias “sem qualquer base”. “Essa conexão já exista antes do Islã e do Cristianismo”, ele disse.
Uma questão importante, segundo o pesquisador, é: podemos contar com estudos científicos das populações? Ele afirma que compila dados demográficos e que é necessário oferecer estatísticas para não se sujeitar à dominação de “ideologias de ocasião”.
O colonialismo sempre esteve relacionado à raça, e a escravidão foi justificada por essa relação equivocada. “A ciência tem responsabilidade nisso, os cientistas não estiveram fora desse processo", ressaltou Zuberi.
Olhar para a escravidão moderna (do século 16 ao fim do século 19) é fundamental para entender a vida humana. Ambiente, gênero e classe são importantes, mas é preciso entender a questão da raça para compreender vários fenômenos relacionados à identidade humana. “Meu trabalho tem foco na raça como problema de identidade humana, e assumo postura agressiva, porque acredito que só vale a pena me engajar numa ciência que se preocupa com as pessoas.”
Pesquisas sem negros
Houve casos de pesquisas demográficas nos Estados Unidos que excluíram a população negra, com a justificativa de que não se queria lidar com a questão racial. Ou de que os afrodescendentes morriam mais cedo, eram menos educados e tinham muitos filhos. “Eles não viam problema em ignorar grupo tão relevante. A lógica desse tipo de atitude é a da eugenia, da ideia de inferioridade, a mesma que impede a migração e prega controle de natalidade para certos grupos”, afirmou o professor.
“Trabalho com imagens porque elas são a forma de representar o mundo moderno. Isso influencia a maneira como percebemos o que acontece no mundo. Uso sempre imagens e números para mirar as diferentes dimensões e questionar sempre.”
Zuberi exibiu números para mostrar que, em países como o Brasil, nos últimos 15 anos, mudou-se a consciência do que é ser afrodescendente. Muito mais pessoas se autodeclaram negras nos censos demográficos. “Não nasceram mais bebês em famílias afrodescendentes, nem chegaram mais africanos aos países americanos”, ele disse. E os percentuais ainda devem crescer, já que algumas pesquisas de países sul-americanos, segundo o professor, ainda excluem regiões onde se considera que não existem negros. Ele destacou que as mudanças nos resultados de censos levam a mudanças nas leis, têm implicações práticas fundamentais para a vida não apenas de negros, mas de toda a sociedade.
Os africanos começaram a se unir e se organizar em 1960, quando grande número de países se tornaram independentes. “Ainda não há união militar ou monetária, e persistem intervenções e conflitos que são resquícios da antiga guerra fria e que buscam a consolidação de nações. Mas é preciso continuar pensando em termos de pan-africanismo”, afirmou Zuberi. “A África tem problemas que soluções nacionais não podem resolver.”
Os movimentos negros têm grande poder de conscientização, afirmou Tukufu Zuberi, que cresceu envolvido com esses movimentos, na Califórnia (EUA). “Os afrodescendentes nas Américas se recusam a aceitar uma história de 500 anos de falta de humanidade, um legado de degradação do que é ser humano. Os movimentos desafiam-nos a pensar em quem somos e são um sucesso em vários países. É natural que, se algo não funciona, nós queiramos nos juntar a um movimento para mudar isso. Para promover mais acesso, justiça e igualdade por um mundo melhor.”
“Reclamar de ações afirmativas é tolo do ponto de vista histórico”, afirmou o pesquisador. “Foram 500 anos de preferência para os brancos na educação, na circulação pelas cidades, no mercado de trabalho. O racismo tem sido uma ação afirmativa branca. Portanto, a não ser que se tenha eliminado o racismo, o mínimo que se deve fazer é ser a favor do senso de justiça histórico, apoiar esforços por mudanças, movimentos fundamentais para a humanidade.”