Universidade Federal de Minas Gerais

‘Sem a reforma política, os mensalões continuarão existindo com outros nomes’, afirma Luís Roberto Barroso, ministro do STF

quarta-feira, 5 de novembro de 2014, às 7h33

ministro%20barroso.bmp É com “urgência e aflição” que o ministro Luís Roberto Barroso [em foto de seu arquivo pessoal], do Supremo Tribunal Federal, vê a necessidade de realização de uma reforma política no país, que teria o objetivo, sobretudo, de baratear os custos das eleições.

“O financiamento eleitoral está por trás de boa parte dos casos graves de corrupção”, afirma Barroso nesta entrevista, na qual também falou sobre outra reforma que considera urgente – a previdenciária – e sobre o protagonismo do Supremo Tribunal Federal no estabelecimento de jurisprudência para matérias cruciais para o país.

Luís Roberto Barroso é um dos conferencistas do 1º Congresso de Direito Constitucional e Filosofia Política, realizado nesta semana pelos programas de pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG e da Escola Superior Dom Helder Câmara. Nesta sexta-feira, 7, às 10h30, ele abordará o tema A razão sem voto: O Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que o ministro concedeu por telefone ao Portal UFMG.

O senhor pode adiantar alguns pontos que serão tratados na sua conferência?
Vou discutir três aspectos centrais. No primeiro, a ascensão do poder judiciário dentro do direito constitucional e do mundo institucional contemporâneo. A segunda parte será dedicada ao que tem sido chamado de indeterminação do direito e discricionariedade judicial. E, em terceiro lugar, vou discutir a função representativa e majoritária do Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Brasileira de 1988 reuniu até hoje 83 emendas. É hora de se pensar em uma reformulação? O que ela pode significar em relação aos direitos individuais e à independência dos três poderes?
Não defendo uma reformulação da Constituição. Embora acredite que tenha muitos problemas pontuais, ela, em seu conjunto, tem servido bem à sociedade brasileira. Onde havia maiores complexidades, eu acho que a jurisprudência, inclusive e sobretudo do Supremo, arrumou as matérias adequadamente. Se a Constituição brasileira tem, até agora, 83 emendas, é porque, na verdade, tratou de matérias que eram questões ordinárias, que nem deveriam estar contidas nela. Isso me leva à parte final da sua pergunta. No que diz respeito aos direitos fundamentais e à independência dos três poderes, muito pouca coisa mudou. O elenco de direitos fundamentais é substancialmente o mesmo e não houve qualquer alteração mais substantiva no tocante à repartição dos poderes. Eu acho que a Constituição precisa de reformas pontuais.

Que tipo de reforma?
A reforma política, em alguma medida, tem de passar por uma mudança da Constituição, sobretudo porque o sistema brasileiro de eleição proporcional com lista aberta é muito ruim. Creio que teremos de enfrentar esse problema e, como a proporcionalidade está prevista na Constituição, possivelmente essa é uma norma que necessite ser modificada.

O senhor é favorável à lista fechada?
Sim, eu defendi a lista fechada em um trabalho doutrinário que escrevi algum tempo atrás.

Qual a melhor forma de conduzir a reforma política?
O ideal é que ela seja aprovada pelo Congresso. Porém, já se passou muito tempo sem que ele consiga produzir qualquer consenso mínimo sobre essa matéria. Talvez se justifique mais uma tentativa de aprovação no Congresso, já com a presidenta eleita empenhando seu peso político. Mas, se não se conseguir fazer isso no Congresso, sou plenamente a favor de um plebiscito, que, a meu ver, deverá enfrentar três questões principais. A primeira é sobre o sistema eleitoral e envolve três partes: manter o sistema tal como é hoje, puramente proporcional na eleição para a Câmara; implantar um sistema majoritário, como muitos propõem; ou adotar um sistema misto, combinando o proporcional com o majoritário, o chamado distrital misto. Outra pergunta importante diz respeito à natureza da lista: se ela deve ser aberta como é hoje, se deve ser pré-ordenada ou se a votação se daria em dois turnos, conforme propõe a OAB. No primeiro turno, o eleitor votaria em um partido e, no segundo, no candidato. E acredito que ainda deve haver uma pergunta sobre o financiamento eleitoral: se deve ser estritamente privado como é hoje, se deve ser estritamente público, ou se público e privado, sendo o privado limitado a pessoas físicas.

São muitas perguntas para um plebiscito...
É complexo fazer tudo isso por meio de plebiscito, mas se não houver alternativa... Eu não proponho perguntas definitivas; são ideias para sair da inércia. Em minha opinião, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] deve coordenar uma grande campanha, na qual cada uma das posições precisa ser explicada adequadamente para que a população possa entender. Considero prioritário a realização de uma reforma política capaz de atacar três pontos: é preciso, primeiro, baratear o custo das eleições. Isso é imprescindível, porque o financiamento eleitoral está por trás de boa parte dos casos graves de corrupção. A corrupção, certamente, será combatida com mais eficiência se minimizarmos a necessidade de financiamento, ou seja, se diminuirmos o peso do dinheiro nas eleições. Em segundo lugar, ela deve viabilizar a consolidação de um sistema que crie maiorias estáveis após o processo eleitoral para diminuir a negociação a cada votação importante, que produz o fisiologismo. E, em terceiro lugar, a reforma deve ser capaz de trazer um mínimo de autenticidade programática ao sistema partidário. Precisamos proibir coligações em eleições proporcionais, que é a melhor forma de se minimizar a atuação das legendas de aluguel.

Mas existem condições políticas para se fazer a reforma?
Bom, se não houver, acho que devem ser criadas. Numa democracia, política é gênero de primeira necessidade: precisamos de política de qualidade, com credibilidade. No momento, há um profundo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, o que oferece riscos democráticos. É preciso colocar a melhor energia inicial do novo governo em uma reforma política.

Que tipo de financiamento o senhor defende para as campanhas eleitorais?
Trata-se de uma decisão política que, a meu ver, cabe ao Congresso. Aqui no Supremo eu votei contra o financiamento eleitoral por empresas, mas não que eu ache que em qualquer caso seja inconstitucional a participação de empresas. No modelo brasileiro, considero inconstitucional porque não se trata de uma questão de liberdade de expressão; as empresas financiam todos os candidatos. Ou elas são achacadas para contribuir ou estão comprando benesses futuras. Como a legislação não restringe a contratação, logo depois das eleições, de empresas que financiaram a campanha, o candidato eleito acaba pagando com dinheiro público o valor privado que recebeu. Não é uma questão ideológica ou filosófica, e sim de decência política e moralidade administrativa. Pode até existir um modelo em que seja legítima a participação de empresas, mas ele deve limitar a contribuição a um dos candidatos e, sobretudo, impedir as empresas que contribuíram com o financiamento de serem contratadas pela administração pública logo depois da eleição.

Que outras reformas são necessárias?
Também considero inevitável uma reforma previdenciária. A questão da idade mínima para aposentadoria, mesmo na iniciativa privada, é crucial. Em minha visão, a melhor proposta é a que soma idade com tempo de contribuição: 95 para homens e 85 para as mulheres. A soma representa um critério mais justo, porque as pessoas humildes frequentemente começam a trabalhar aos 15 anos, e as pessoas mais abastadas, aos 25. Se ambas se aposentarem aos 65, pode-se criar uma desigualdade. A reforma da previdência terá de ser feita em breve. Caso contrário, criará uma injustiça intergeracional, sobrecarregando as próximas gerações.

Como o senhor avalia o papel do STF na defesa dos direitos fundamentais, explícitos ou não na Constituição, que geram questões como a legitimação da pesquisa com células-tronco embrionárias, a equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis convencionais e a legitimidade da interrupção da gestação de fetos anencefálicos?
O Supremo tem desempenhado papel importante na defesa de direitos fundamentais em questões como as uniões homoafetivas e a possibilidade de interrupção da gestação de fetos anencefálicos. Acho até que nessa matéria o Supremo avançou pouco. Ele deveria ter afirmado o direito fundamental da mulher à sua liberdade reprodutiva. Impor à mulher como regra uma gravidez que não deseja é, a meu ver, uma violação à dignidade da pessoa humana. Mas essa é uma discussão mais complexa, que precisa ser travada mais adiante. Acho que o Supremo fez muito bem ao legitimar as pesquisas com células-tronco embrionárias. A demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol foi também uma decisão importante. O Supremo assegurou o direito de greve no serviço público, sanando uma omissão de longa data. Em matéria penal, o STF tomou decisões importantes, assegurando, por exemplo, o direito dos condenados à individualização da pena, permitindo, inclusive, a progressão de regime em casos em que a legislação expressamente proibia. Houve também decisões importantes em favor dos consumidores nas relações com os bancos. Enfim, o Supremo tem prestado um bom serviço à causa dos direitos fundamentais.

O senhor sempre foi um entusiasta do ativismo judicial...
A expressão “ativismo judicial” perdeu um pouco o sentido. Houve com ela algo parecido com o que ocorreu com o termo “neoliberalismo”. Tenho evitado utilizar a expressão “ativismo judicial” porque ela ficou estigmatizada. O que defendo é o seguinte: como regra geral, decisão política deve ser tomada por quem tem voto. O Supremo deve ser deferente para com as escolhas políticas feitas pelo Congresso, quando este atua, mesmo em relação ao uso legítimo da discricionariedade administrativa pelo poder público em geral. Quando, no entanto, o Congresso não legisla em determinadas matérias que envolvem a efetivação dos direitos fundamentais ou questões morais relevantes que precisam de solução, aí, sim, o Supremo precisa atuar. Foi o que houve com as uniões homoafetivas e com a interrupção da gestação. Não foi o que ocorreu com pesquisas com células-tronco embrionárias – ali o Congresso legislou, e o Supremo não foi ativista. O Supremo foi autocontido e manteve a lei aprovada pelo Congresso. No caso da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, o Supremo não foi ativista. Também foi autocontido e manteve a demarcação aprovada pela Presidência da República. Portanto, nem sempre houve ativismo judicial em casos emblemáticos ou naqueles caracterizados pela judicialização. Mas sou, sim, um defensor da atuação pró-ativa do Supremo Tribunal Federal e mesmo do Judiciário sempre que exista um direito fundamental em jogo sem a correspondente atuação do Poder Legislativo.

O protagonismo judicial não ameaça o equilíbrio entre os poderes?
Sim e não. Quanto mais representativo e atuante for o Poder Legislativo, melhor. Eu prefiro mais legislativo e menos judiciário. Porém, sempre que existam demandas sociais relevantes não atendidas pelo legislativo ou pelo processo político majoritário, acho que o judiciário tem o dever de atuar.

O senhor chegou a declarar que o julgamento do Mensalão foi um "ponto fora da curva", uma vez que o STF teria "endurecido a jurisprudência" adotada até então...
De fato, em minha sabatina no Senado, eu falei que o Mensalão foi um ponto fora da curva. E isso significa duas coisas. A primeira: pessoas que normalmente não eram alcançadas pela justiça penal foram julgadas e condenadas. Segunda razão: o STF teve uma atuação mais dura do que a usual, atendendo a uma demanda da sociedade contra a impunidade. Portanto, foi nesse sentido que eu utilizei a expressão e continuo com o mesmo pensamento.

O episódio representa um divisor de águas na justiça brasileira? Ele indica que Supremo tenderá a ser mais duro em casos do gênero, ou foi um posicionamento isolado, talvez estimulado pela grande repercussão popular que o caso provocou?
O Mensalão foi um divisor de águas na medida em que, num país em que o direito penal como regra geral era apenas para os pobres, a Ação Penal 470 resultou na condenação de lideranças políticas ou empresariais. Foi, de fato, um marco contra a impunidade, embora, a meu ver, claramente insuficiente se não for complementado por uma reforma política e outras mudanças que eu acho que precisam ser feitas. A indignação da sociedade e a pressão social tiveram, sim, papel decisivo, mas não foi um julgamento político. Foi um julgamento técnico. A mobilização social fez o caso assumir uma prioridade e um timing que talvez não existiriam sem essa demanda social. O grande legado do Mensalão foi demonstrar que existe uma estreita correlação entre financiamento eleitoral e corrupção política. E ele deixou o seguinte alerta: é preciso fazer com urgência, com aflição, uma reforma política. Se ela não for feita, os “mensalões” continuarão existindo com outros nomes.

(Flávio de Almeida)

05/set, 13h24 - Coral da OAP se apresenta no Conservatório, nesta quarta

05/set, 13h12 - Grupo de 'drag queens' evoca universo LGBT em show amanhã, na Praça de Serviços

05/set, 12h48 - 'Domingo no campus': décima edição em galeria de fotos

05/set, 9h24 - Faculdade de Medicina promove semana de prevenção ao suicídio

05/set, 9h18 - Pesquisador francês fará conferência sobre processos criativos na próxima semana

05/set, 9h01 - Encontro reunirá pesquisadores da memória e da história da UFMG

05/set, 8h17 - Sessões do CineCentro em setembro têm musical, comédia e ficção científica

05/set, 8h10 - Concerto 'Jovens e apaixonados' reúne obras de Mozart nesta noite, no Conservatório

04/set, 11h40 - Adriana Bogliolo toma posse como vice-diretora da Ciência da Informação

04/set, 8h45 - Nova edição do Boletim é dedicada aos 90 anos da UFMG

04/set, 8h34 - Pesquisador francês aborda diagnóstico de pressão intracraniana por meio de teste audiológico em palestra na Medicina

04/set, 8h30 - Acesso à justiça e direito infantojuvenil reúnem especialistas na UFMG neste mês

04/set, 7h18 - No mês de seu aniversário, Rádio UFMG Educativa tem programação especial

04/set, 7h11 - UFMG seleciona candidatos para cursos semipresenciais em gestão pública

04/set, 7h04 - Ensino e inclusão de pessoas com deficiência no meio educacional serão discutidos em congresso

Classificar por categorias (30 textos mais recentes de cada):
Artigos
Calouradas
Conferência das Humanidades
Destaques
Domingo no Campus
Eleições Reitoria
Encontro da AULP
Entrevistas
Eschwege 50 anos
Estudante
Eventos
Festival de Inverno
Festival de Verão
Gripe Suína
Jornada Africana
Libras
Matrícula
Mostra das Profissões
Mostra das Profissões 2009
Mostra das Profissões e UFMG Jovem
Mostra Virtual das Profissões
Notas à Comunidade
Notícias
O dia no Campus
Participa UFMG
Pesquisa
Pesquisa e Inovação
Residência Artística Internacional
Reuni
Reunião da SBPC
Semana de Saúde Mental
Semana do Conhecimento
Semana do Servidor
Seminário de Diamantina
Sisu
Sisu e Vestibular
Sisu e Vestibular 2016
UFMG 85 Anos
UFMG 90 anos
UFMG, meu lugar
Vestibular
Volta às aulas

Arquivos mensais:
outubro de 2017 (1)
setembro de 2017 (33)
agosto de 2017 (206)
julho de 2017 (127)
junho de 2017 (171)
maio de 2017 (192)
abril de 2017 (133)
março de 2017 (205)
fevereiro de 2017 (142)
janeiro de 2017 (109)
dezembro de 2016 (108)
novembro de 2016 (141)
outubro de 2016 (229)
setembro de 2016 (219)
agosto de 2016 (188)
julho de 2016 (176)
junho de 2016 (213)
maio de 2016 (208)
abril de 2016 (177)
março de 2016 (236)
fevereiro de 2016 (138)
janeiro de 2016 (131)
dezembro de 2015 (148)
novembro de 2015 (214)
outubro de 2015 (256)
setembro de 2015 (195)
agosto de 2015 (209)
julho de 2015 (184)
junho de 2015 (225)
maio de 2015 (248)
abril de 2015 (215)
março de 2015 (224)
fevereiro de 2015 (170)

Expediente