Universidade Federal de Minas Gerais

Luis Fernando Assis/UFMG
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Peter Burke: "Vivemos a era do conhecimento em explosão"

'Lamentaria muito se os livros em papel desaparecessem', diz Peter Burke, historiador do conhecimento

quarta-feira, 26 de novembro de 2014, às 5h56

Autor de duas obras seminais da historiografia social do conhecimento, que cobrem da invenção da imprensa, no século 15, até o advento da Wikipédia, o inglês Peter Burke pretende voltar suas atenções para um tema menos abrangente, mas certamente original: o papel dos intelectuais refugiados.

“Normalmente, eles têm a experiência de lidar com dois sistemas de conhecimento diferentes”, diz Burke, exemplificando seu raciocínio com o que chama de “hibridismo” resultante da tradição teórica dos alemães com o viés empirista dos ingleses.

Burke fez a conferência de abertura do Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias, organizado na semana passada pelo Sistema de Bibliotecas da UFMG. Em sua passagem por Belo Horizonte, concedeu esta entrevista ao Portal UFMG, na qual aborda o papel dos bibliotecários na organização do conhecimento, fala com otimismo da possibilidade de coexistência do livro físico com os arquivos digitais, elogia o caráter colaborativo e democrático da Wikipédia e defende a preservação do sábio, uma espécie de intelectual ameaçada de extinção. “Esse tipo de pessoa é capaz de conectar os diferentes assuntos de uma maneira mais profunda do que um grupo de 10 ou 15 acadêmicos especialistas trocando ideias ao redor de uma mesa”, argumenta o historiador.

Que papel os bibliotecários desempenham na evolução do conhecimento?
As bibliotecas e os bibliotecários têm exercido muitos papéis na história do conhecimento, em especial, o papel prático. Uma importante função intelectual desses profissionais atualmente, e talvez a mais necessária, é a classificação dos livros. Estamos vivendo a era do que chamo de explosão do conhecimento. Explosão no sentido de expansão. O que é bom porque conhecemos mais do que antes, mas a explosão também significa fragmentação. Nesse contexto, precisamos de profissionais da informação que reordenem o “todo” e relacionem um tipo de conhecimento aos outros, classificando-os. E os bibliotecários – não somente eles, mas juntamente com acadêmicos –, têm papel importante nesse processo.

Como vislumbra o futuro das bibliotecas e dos livros impressos nesse contexto de fragmentação do conhecimento e crescente inovação tecnológica?
Eu amo ler livros em papel. Aliás, eu cresci em uma livraria. Lamentaria muito se todos eles desaparecessem. Sou um otimista diferenciado porque acredito na coexistência do livro impresso – e até mesmo as revistas e jornais impressos, que estão mais ameaçados – com os arquivos digitais. Como historiador, gosto de fazer comparações, e a situação de hoje me remete ao século 15, quando a imprensa foi inventada. Os copistas acreditavam que os livros impressos eliminariam os manuscritos e que eles perderiam seu sustento. Isso não aconteceu. Houve uma coexistência entre impresso e manuscrito, que passou a ser utilizado pela elite para manter determinados conhecimentos restritos, não permitindo que chegassem ao grande público. Acredito, pois, que haverá essa coexistência entre o livro impresso, que servirá melhor para alguns propósitos, e os digitais, para outras finalidades.

De que forma as bibliotecas e os bibliotecários podem se beneficiar dos exemplos da história do conhecimento?
Acredito que alguns poucos bibliotecários têm sido, de fato, criativos, e seria interessante se suas ações fossem copiadas em todo o mundo. Minha biblioteca favorita é a do Warburg Institute, em Londres, cujo primeiro bibliotecário, o austríaco Fritz Saxl, era especialista em História da Arte. Ele acreditava que a biblioteca deveria ser organizada de acordo com a lei da “boa vizinhança”, ou seja, os livros vizinhos deveriam tratar exatamente do mesmo assunto, instigando os leitores a, além de levar o livro que estavam procurando, pesquisar também nas outras obras disponíveis na estante. Esse tipo de biblioteca deve ser organizada por tópicos e não por grandes categorias como “História” ou “Geografia”. Existem tópicos incríveis no mundo das bibliotecas. Eu me lembro de um, intitulado O retorno do último imperador do mundo. Há apenas cinco ou seis estudos sobre isso e estão todos juntos. Portanto, o sistema de vizinhança funciona muito bem. Para fazer a classificação das obras por lógica, é necessário ter bibliotecários acadêmicos, pois não se pode classificar o livro apenas pelo título, mas pela obra inteira. É fundamental lê-la por inteiro. Somente assim sabe-se exatamente onde colocá-lo na estante. O Warburg Institute teve uma sequência de bibliotecários acadêmicos – durante meio período eles trabalhavam como bibliotecários e na outra parte como professores nas universidades. Que eu saiba, esse sistema ainda não foi imitado, mas seria maravilhoso se o fosse.

Seus livros e pesquisas são marcados pela interdisciplinaridade. Qual a importância de se manter esse diálogo entre diferentes áreas do saber?
Pessoas que trabalham com diferentes assuntos, às vezes, estudam questões similares, mas não conhecem as pesquisas uns dos outros e se debruçam sobre essas questões, algumas vezes, de perspectivas diferentes, por utilizarem disciplinas com tradições distintas. Isso nos leva de volta para o Warburg Institute, originalmente a biblioteca privada do acadêmico Aby Warburg. Ele não precisava trabalhar porque era filho de banqueiro. Por isso, podia explorar livremente várias áreas do conhecimento. Aby transgredia as fronteiras das disciplinas e alternava entre as artes, história, antropologia e outras áreas. Isso é algo muito importante na inovação e na descoberta de conhecimentos. Essa interdisciplinaridade pode acontecer de duas maneiras. Primeiro, pela união de pessoas que se especializaram em diferentes disciplinas em uma pequena conferência, digamos, trocando ideias. É um bom começo, mas não é o suficiente. Acredito também ser importante manter viva uma rara espécie intelectual, que agora definitivamente está ameaçada: o sábio. Aquele que sabe muito sobre várias disciplinas e estuda a fundo história, antropologia, sociologia, matemática, geografia. Esse tipo de pessoa é capaz de conectar os diferentes assuntos de uma maneira mais profunda do que um grupo de 10 ou 15 acadêmicos especialistas trocando ideias ao redor de uma mesa. Restam pouquíssimos indivíduos assim. É muito importante manter um ambiente em que essas espécies intelectuais possam florescer. Dou um exemplo: o pesquisador [norte-americano] Jared Diamond. Ele começou sua vida intelectual como fisiologista. Depois, se interessou por ornitologia e, em seguida, foi estudar alguns pássaros na Nova Guiné. Lá, envolveu-se com a linguística por estar em um lugar com centenas de línguas e também se interessou por antropologia, porque era uma sociedade muito diferente da dos Estados Unidos, onde cresceu. Resultado: aprendeu todas essas disciplinas e decidiu também estudar história. Foi quando escreveu três livros famosos nos quais mesclou conhecimento científico ao histórico e produziu interessantes teorias. Jared Diamond é um exemplo vivo da interdisciplinaridade que, eu espero, não desaparecerá nas próximas gerações.

Falando agora sobre internet e Wikipédia: como o senhor avalia o fácil acesso à informação no processo de construção e validação do conhecimento?
É importante, de início, fazer uma distinção entre “buscar” e “pesquisar” uma informação. “Buscar” significa procurar por uma informação rapidamente em lugares que favorecem essa agilidade. Nesse aspecto, a internet é maravilhosa e a Wikipédia tem seu espaço. “Pesquisar”, por sua vez, significa voltar aos recursos originais. Talvez, em algum momento no futuro, seja possível, ao ler um artigo na internet, ser levado, por meio de cliques, de uma fonte à outra, de um dado a outro. Atualmente, o melhor que se pode fazer é escrever uma nota de rodapé na Wikipédia com a referência de um determinado livro. Eu gosto da Wikipédia por várias razões. A primeira é o fato de possibilitar uma experiência democrática e de escrita colaborativa. Em segundo lugar, gosto do que eu chamo de “advertências para a saúde intelectual”, porque os conteúdos trazem mensagens do tipo: “esse artigo pode ser melhorado” ou “esse artigo não possui fontes suficientes” e convida os leitores a aperfeiçoá-los. Nas enciclopédias impressas isso não era possível. Além disso, elas eram atualizadas a cada 10 anos; a online é atualizada diariamente. Por fim, há também a vantagem de se poder expandir as enciclopédias virtuais, o que nas impressas causaria aumento dos custos de produção. Nas enciclopédias tradicionais, quando se acrescentava uma informação, as ultrapassadas eram retiradas. Seria interessante estudar o que foi mantido nessas enciclopédias, ao longo dos anos, porque mostra como sucessivas gerações têm diferentes avaliações da importância de determinados tipos de conhecimento. Na Wikipédia, pelo menos a princípio, pode-se manter tudo, porque está na “nuvem”, onde parece haver muito espaço. Para buscar informações, ela é maravilhosa e, às vezes, podemos utilizar a Wikipédia até mesmo para pesquisar. No entanto, na maioria das vezes, para tal finalidade, ainda utilizamos livros impressos e preservamos, até mesmo, os manuscritos, em milhares de arquivos ao redor do mundo.

O senhor escreveu livros fundamentais sobre a história do conhecimento. Tem alguma nova obra em mente?
Confesso que fiquei viciado na história do conhecimento e escrevi livros gerais sobre esse assunto. Agora, creio que posso focar em um tópico específico. Estou interessado no papel dos exilados, refugiados e expatriados na história do conhecimento, porque normalmente eles têm a experiência de lidar com dois sistemas de conhecimento diferentes, mesmo que deslocados apenas dentro da Europa. Pense, por exemplo, nos estudiosos judeus, que tiveram de deixar a Alemanha, em 1933, ou a Áustria, em 1938. Muitos deles foram para outros países europeus, como a Inglaterra, e acabaram nos Estados Unidos. Nesses lugares, encontraram diferentes culturas de conhecimento. Um fato interessante é que o inglês, sobretudo na década de 30, tinha certa aversão à teoria, devido à tradição do empirismo. Os estudiosos alemães, por sua vez, vieram de uma tradição em que a teoria era muito valorizada. Dessa forma, em um primeiro momento, houve mal-entendidos, mas a interação desses estudiosos resultou em certa hibridização do conhecimento. Definitivamente, alguns dos estudiosos ingleses jovens desenvolveram interesse pela teoria e vice-versa. Esse é um exemplo do importante impacto dos exilados, refugiados e repatriados no sistema de conhecimento do país no qual passaram a morar; alguns deles têm uma experiência duplicada. Essa situação de ser deslocado de pátria pode não ser muito confortável, mas tende a levar a novos insights. É isso que eu quero pesquisar.

(Carla Pedrosa/Assessoria de Comunicação do Sistema de Bibliotecas)

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