Universidade Federal de Minas Gerais

Ewerton Martins Ribeiro/UFMG
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Silviano Santiago: 'A literatura brasileira precisa superar o paradigma da formação e entrar no da inserção'

terça-feira, 10 de março de 2015, às 6h49

Na tarde desta terça-feira, 10, Silviano Santiago ministrará a aula inaugural do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras. Ainda no Rio de Janeiro, onde reside, o crítico literário conversou com o Portal UFMG sobre o tema da sua comunicação.

Em A literatura brasileira da perspectiva pós-colonial – um depoimento, Silviano vai rastrear os principais pontos da tese que vem formulando desde os anos 1970 sobre a necessidade de se superar o paradigma da “formação”, que pautou a reflexão científica do século 20, para que se desenvolva um novo paradigma, o da “inserção”.

“É preciso pensar profundamente esse campo semântico, que está em aberto, propor outro paradigma. Que precisa ser pensado em literatura, em economia, em política, em sociologia. Neste século 21, precisamos fazer com o conceito de ‘inserção’ o que Antonio Candido fez com o de ‘formação’ no século 20.”

Na entrevista abaixo, o crítico delineia o fio condutor dessa sua tese, tendo em vista a inserção da “linguagem Brasil” no mundo, aborda a crise da Petrobras (como exemplo do paradigma da inserção), a pesquisa acadêmica em literatura e o livro Mil rosas roubadas, seu último romance, que tem Belo Horizonte como lócus dramático.

A aula inaugural do Pós-lit não demanda inscrição e será aberta à comunidade acadêmica. O evento começa às 14h e será realizado no auditório 1007 da Faculdade de Letras.

Confira os principais trechos:

Historiografia da literatura
Começo recuperando a questão da historiografia literária da literatura brasileira, que está parada em 1959. Naquele ano, Antonio Candido publica A formação da literatura brasileira, e Afrânio Coutinho, Introdução à literatura no Brasil. São os dois últimos grandes exemplos. Depois tem o resumo do [Alfredo] Bosi [História concisa da literatura brasileira], mas este eu vou deixar de lado. Há também a História da inteligência brasileira, do Wilson Martins. Mas sobre a história da literatura não há mais referências.

Sobre o adjetivo “brasileira” da literatura
O Afrânio Coutinho fez um jogo esperto. Ele fala de uma literatura “no” Brasil, e não da literatura “do” Brasil. Nesse sentido, interessa-me pensar sobre quando você pode usar o adjetivo “brasileiro” para qualificar a literatura. Por isso, o livro do Candido me interessa mais. É a primeira obra da história da literatura brasileira em que se discute quando se pode usar o adjetivo brasileiro para falar da literatura. Porque a literatura, em si, é tudo, menos brasileira; que se trata de um adjetivo extremamente restritivo.

Teórica e metodologicamente, o Cândido teve uma atitude que, para aquele momento, foi irrepreensível, ao usar o conceito de “formação”: ali, ele teria de trabalhar necessária e obrigatoriamente com o conceito de formação, assim como, depois, todos acabaram tendo de trabalhar.

O conceito de formação
Pensemos no vocábulo e no conceito. Em primeiro lugar, o vocábulo: ele tem um sentido bastante específico. No Brasil, ele trata do momento em que o jovem entra para a universidade e define a sua formação. É praxe: eu lhe pergunto “você é formado em quê?”; você me pergunta em que eu sou formado. Trata-se de uma escolha feita por volta dos 18 anos, mais ou menos no mesmo momento em que se alcança a maioridade. De forma que há uma conjunção de coisas aí, o que, a meu ver, já foi abordado de maneira extraordinária por Joaquim Nabuco em Minha formação, em 1900.

O século 20 vai ser dominado por esse vocábulo. Minha formação, do Joaquim Nabuco, é exatamente isso: “em que momento eu me formei e me tornei o que eu sou?” Então esse é um primeiro sentido de formação. O segundo sentido a que me referi é aquele em que o vocábulo vira um conceito. Em que momento, por exemplo, a literatura se torna “brasileira”? Em que momento, ela se forma, ganha maioridade? Em que momento eu posso usar esse adjetivo sem estar cometendo um equívoco? Essa é a reflexão que faço, num trabalho de desconstrução. Mas é um trabalho lento, não é um negócio feito à la diable [de qualquer jeito]; não é algo contra o Candido.

Paradigma de leitura do século
A ideia de formação é pertinente a todo o século 20 brasileiro. Começa com Minha formação, do Joaquim Nabuco; passa por Caio Prado Jr., com Formação do Brasil contemporâneo; depois vem o Candido, com A formação da literatura brasileira, e a seguir o Celso Furtado, com Formação econômica do Brasil. Por fim, vem o Paulo Arantes, com a formação da filosofia uspiana. É nesse sentido que a ideia de formação passa a ser, em minha opinião, o paradigma de leitura do século 20 brasileiro. Ali, estão os interessados no processo de formação do Brasil. É um campo epistemológico em que todos trabalham.

Tempo de um novo paradigma
Mais que um condutor da reflexão, “formação” é um campo semântico: se quiser falar sobre século 20, seja em qual campo for, você acabará usando esse conceito. A minha tese básica é que devemos sair desse paradigma e entrar no paradigma da “inserção”. É pensar que já estamos adultos, já estamos maiores, e que tudo chegou à sua maioridade. E então começar uma reflexão sobre como você encara essa maioridade.

O paradigma da inserção
Falei sobre a aplicação do uso do adjetivo “brasileiro”. Agora, entrando nesse paradigma do século 21, a questão seria como se dará a inserção dessa “linguagem Brasil” no mundo; a inserção desse adjetivo “brasileiro” no mundo. A ideia de “linguagem Brasil” é do Hélio Oiticica, ele usa no Brasil diarreia.

A perspectiva pós-colonial
Contudo, ao tentar fazer esse salto da formação para a inserção, trombei com um problema muito sério em termos literários. Em virtude da boa metodologia que estabeleceu, Candido foi levado a fazer um corte muito violento na literatura brasileira. Ele dividiu e rejeitou (para usar os conceitos de Foucault) a produção textual em duas partes, sendo uma delas a que seria nobre, literária, sublime e que teria começado em 1868. O que aconteceu então? Houve uma rejeição do Brasil Colônia. Daí a minha ideia de propor uma visão da literatura pós-colonial da literatura brasileira.

Para o recalque passar longe
A primeira frase do primeiro volume do Wilson Martins, por exemplo, é algo assim: “A inteligência brasileira começa no momento em que se fundam colégios jesuítas em 1550”. Ou seja, não se está falando aqui da história da inteligência brasileira: está-se falando na história do transplante da inteligência da Europa para os trópicos. Então é isso que estou discutindo. Cabe pensar no que está sendo recalcado. Wilson recalca o que havia antes, o que está lá atrás. O fato de que existia uma inteligência. Que não era “brasileira”, tudo bem, mas que era alguma coisa. E aí a esperteza do Afrânio Coutinho em dizer “no Brasil”, em vez de “do Brasil”; ele pensa no lugar e pronto.

Candido também recalca o que está lá atrás. Mas ele, com sua metodologia, tem toda a razão de recalcar, claro, porque naquele momento a questão era outra, o paradigma era outro. Agora, contudo, me parece ser o tempo de um novo paradigma. De forma que o meu trabalho é o de desconstrução. Não estou dizendo que eles estavam errados; eles não estavam errados, de forma nenhuma. Mas agora é hora de um novo paradigma.

A encruzilhada da academia
Em certo momento, o conceito de formação foi indispensável, mas chega um momento em que se precisa desconstruir para seguir adiante. Nenhum sistema é autoimune. Então temos de começar a questionar o conceito de formação, desconstruí-lo. A não ser que não se queira seguir adiante: aí é só continuar falando de formação por séculos e séculos.

Isso não significa que o trabalho com formação acabou. Estou dizendo apenas é que a pesquisa em formação esgotou-se. A verdade é que eu já não aguento mais essas teses que não saem do rame-rame da formação. Claro, vai continuar havendo meninos de 18 anos que precisam passar pela perspectiva da formação. Mas é ridículo continuar fazendo manuais para essas pessoas. Os manuais já existem.

Luz sobre o colonialismo
Houve a grande reviravolta a partir dos anos 50 dos países africanos, que aparentemente não tem nada a ver conosco. Mas tem. Surge uma luz sobre a questão do colonialismo, algo que chega até os dias atuais e coloca em xeque a forma como vínhamos analisando as coisas; que nos mostra como escondemos o passado. Daí eu uso, em certo momento, a palavra vírus. Há uma espécie de vírus que contaminou o adjetivo “brasileiro”, fazendo com que, sobre certas coisas, se diga que “isso não nos interessa”. Pois tudo isso nos sugere escrever essa história de outra maneira. De certa forma, minha proposta é essa: trabalhar o modo como a literatura brasileira foi infectada pelo vírus colonial português. Nesse sentido, terei de analisar com muito cuidado os textos anteriores a 1868.

A primeira carta
Eu começo essa minha reflexão em um artigo que publico na revista Barroco, do Affonso Ávila, nos anos 70, que se chama Palavra de Deus. Eu passo a analisar a literatura brasileira a partir de textos, e o primeiro que eu privilegio é a carta de Pero Vaz de Caminha. Mas não à maneira do historiador. Se eu a leio à maneira do historiador, caio num engodo. Eu vou ler através das metáforas de que Caminha se vale. Essas metáforas é que me ajudam a desconstruir o eurocentrismo que impregnou a literatura, a produção literária brasileira, de forma a que ela assuma de vez a sua condição eurocêntrica.

Perspectiva global
No novo paradigma da inserção, a ideia básica é que você tem de passar para um pensamento de tipo cosmopolita. Como é que você insere essa “linguagem Brasil” sobre indianismo no mundo? E a questão negra? A questão diaspórica? Essa é a grande questão do século 21, a questão da diáspora. E não estamos falando “isso é parte da nossa formação”, porque hoje já está claro que “isso é parte da nossa formação”. E ponto. Agora, o que nos interessa é olhar como o jogo acontece.

Mas não é algo simples. Penso que é algo dificílimo de fazer. Estou falando de fazer, com o paradigma da inserção, como Candido fez em determinado momento com o paradigma da formação. Pensar profundamente esse campo semântico da inserção, que está em aberto. E aqui não estou falando especificamente de literatura, claro. Estamos falando no aspecto geral, de outro paradigma, mesmo. Que precisa ser pensado em literatura, em economia, em política, em sociologia. Neste século 21, precisamos fazer com o conceito de "inserção" o que Antonio Candido fez com o conceito de "formação" no século 20 – e maravilhosamente bem.

O paradigma da inserção e a política
Um exemplo claro é o da Petrobras; a maneira equivocada por meio da qual a empresa se inseriu no mundo. Trata-se de um caso exemplar: o Brasil não soube inserir o projeto Petrobras – que é um projeto lindíssimo, maravilhoso, sensacional, de autonomia brasileira – no mundo. Como inseriu? Da pior maneira possível. Quero dizer, o que é esse projeto nacionalista da Petrobras? Faltou um mínimo de reflexão para a sua inserção – raciocínio que também é válido para o próprio processo de inserção do Brasil no Haiti ou na África; a inserção da Petrobras na África é um desastre. É isso que a gente tem de começar a discutir de maneira aberta, em vez de reduzir tudo para um nacionalismo estreito. Porque essas coisas não se dão mais no plano nacional. E não estou dizendo que você tem de vender a Petrobras para a Esso. Mas é preciso se dar conta que, se fizer bobagem, a Esso vai comprar.

As Olimpíadas são outro exemplo. Quer fazer Olimpíadas? Quer fazer Copa do Mundo? Ótimo. São projetos maravilhosos de inserção do Brasil. Mas que esporte brasileiro – e aí de novo volta a questão do adjetivo – você vai apresentar? “Sete a um”? Se você não discute essa questão da inserção de forma ampla, eventos como esse acabam sendo um fracasso.

'Mil rosas roubadas'
Meu interesse básico com esse livro foi o de criar personagens que, por circunstâncias muito pessoais, abandonam a guarida da família, abandonam a proteção da educação na saída da adolescência para viver com certa intensidade as possibilidades culturais de uma cidade. Trata-se de descobrir que a pessoa não se define pela família nem pela escola, mas pela cultura; pela arte. E aí você entra num corpo a corpo com a cidade. Sem o corpo a corpo com a cidade, você é obrigado a voltar à família e à escola. Nesse sentido, eu tentei apresentar a cidade como o lócus dramático do livro; nem a família, nem o colégio, mas, sim, a cidade. Nessa perspectiva, a cidade se agiganta, porque é por meio dela que se estabelecem os relacionamentos de caráteres pessoal, amoroso e profissional. A cidade é o inevitável palco onde esses dramas transcorrem.

Cidade que conforma
O livro tem uma parte descritiva da geometria da cidade, da planta da cidade, que é muito importante. Belo Horizonte é uma cidade preestabelecida, cidade com planta, que segue modelo, que segue linhas retas; eventualmente, círculos. É uma cidade antes de mais nada geométrica. Estamos falando da Belo Horizonte de 1950, uma cidade de 350 mil habitantes conformada pela Avenida do Contorno. Isso me fascinou e me levou a pensar vidas como necessariamente um pouco geométricas, um pouco circulares. Nesse sentido, o próprio movimento dos personagens se dá ou em linha reta ou em círculos.

Perfil
Mineiro de Formiga, Silviano Santiago formou-se na UFMG nos anos 50. Pela Editora UFMG, publicou quatro livros: Jano, Janeiro, que reúne ensaios produzidos na década de 1960 sobre Machado de Assis; A vida como literatura: O Amanuense Belmiro, uma análise da obra-prima de Cyro dos Anjos; Ora (direis) puxar conversa, livro de ensaios sobre Mário de Andrade, Clarice Lispector, entre outros autores; e O cosmopolitismo do pobre, obra sobre globalização, localismo e identidade na cultura brasileira.

A Editora UFMG também lançou Leituras críticas sobre Silviano Santiago, livro organizado por Eneida Leal Cunha que reúne ensaios sobre o intelectual. Em 2001, a Universidade concedeu-lhe a Medalha de Honra UFMG, condecoração para ex-alunos de destaque.

(Ewerton Martins Ribeiro)

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