Universidade Federal de Minas Gerais

Ewerton Martins Ribeiro/UFMG
_20150327_123750%20%28corrigida%29.jpg
Professor residente no Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG entre 2013 e 2014, Antonio Lucio Teixeira apresentou resultados de suas investigações no Seminário Ieat 2015

Pesquisas na Faculdade de Medicina ajudam a desvendar papel do sistema imunológico no combate à depressão

sexta-feira, 10 de abril de 2015, às 11h34

Até pouco tempo atrás, pensava-se que a função do sistema imune se restringia à defesa do corpo humano contra micro-organismos patogênicos como vírus, bactérias e parasitas. Essa concepção fora adotada no decorrer do século 19, face aos avanços científicos alcançados no campo da vacinação por nomes como Louis Pasteur, e vigorara até então.

Nas últimas décadas, contudo, o sistema imune vem sendo repensado como um complexo fisiológico responsável não apenas por combater as infecções, mas principalmente por garantir a homeostase do organismo (o equilíbrio em relação à sua ampla rede de interações celulares e moleculares). Antes, essa tarefa era entendida como prerrogativa do sistema neuroendócrino.

Essa redefinição conceitual inaugurou uma profícua investigação sobre as múltiplas formas de interação entre os sistemas nervoso e imune na busca pela homeostase do organismo. Na esteira dessas reflexões, uma série de pesquisas realizadas na Faculdade de Medicina da UFMG está contribuindo para se pensar sobre as possibilidades de tratamento para transtornos psiquiátricos como o transtorno bipolar e a depressão maior.

“O que se descobriu é que os transtornos de humor estão diretamente relacionados a uma série de alterações imunes, de perfil pró-inflamatório, e não apenas a disfunções do sistema nervoso. Percebemos que o sistema imune tem papel na fisiologia do sistema nervoso, influenciando o comportamento”, diz o professor Antonio Lucio Teixeira, do Departamento de Clínica Médica. “Estamos investigando como os leucócitos e seus produtos (as citocinas) podem influenciar as atividades do cérebro e, consequentemente, o comportamento humano”, acrescenta.

Essa frente de investigação sugere que o sistema imune pode fornecer biomarcadores indicativos do que se passa no sistema nervoso central e, consequentemente, pode ser tomado como foco para o tratamento de transtornos psiquiátricos. “Usar estratégias anti-inflamatórias no combate a esses transtornos pode beneficiar o indivíduo que até então respondia mal, ou apenas parcialmente, ao tratamento convencional”, diz o pesquisador.

As novas pesquisas podem influenciar as formas de tratamento dos transtornos do humor, como o transtorno bipolar, o qual se caracteriza pela oscilação entre polos de mania/euforia patológica e depressão maior. Com alguma dose de otimismo, pode-se imaginar um futuro em que transtornos como a depressão sejam tratados não somente com os tradicionais antidepressivos, focados nos neurotransmissores, mas com estratégias direcionadas ao sistema imune.

Modelo esgotado
Até hoje, a maior parte das estratégias desenvolvidas para o tratamento de transtornos psiquiátricos como a depressão maior, classicamente denominada “melancolia” [leia sobre o uso do termo no texto ao final da matéria], estão focadas nos neurotransmissores do sistema nervoso central – em especial, a serotonina, a dopamina e a noradrenalina.

Entretanto, já há alguns anos, o modelo vem dando sinais de esgotamento ao não apresentar resultados satisfatórios no combate à complexidade das enfermidades existentes – em especial as mais graves, como a depressão maior, transtorno bipolar e esquizofrenia. Esse esgotamento, contudo, também se explica por uma perspectiva menos inocente: a mercadológica. Nos últimos anos, a indústria farmacêutica já não investe tanto na pesquisa e no desenvolvimento de novos medicamentos focados no tratamento de transtornos psiquiátricos.

Antonio Lucio explica essa mudança de cenário. “Os estudos já não estavam mais gerando os resultados esperados pelas empresas. Esta é uma área em que o custo da pesquisa é muito elevado, e o retorno que a cadeia farmacêutica vinha obtendo não era o esperado. Com isso, a grande indústria deixou de ter interesse comercial nesse tipo de estudo, o que esvaziou as pesquisas sobre estratégias de tratamento baseadas em neurotransmissores”, conta.

As limitações, no entanto, são intrínsecas ao próprio modelo. “A nossa tentativa de compreender toda a complexidade dos transtornos mentais por meio das alterações que acontecem nos neurotransmissores chegou a um impasse”, avalia o pesquisador da Faculdade de Medicina. Segundo ele, os estudos desenvolvidos pela UFMG em parceria com outros grupos de pesquisa vão potencializar a descoberta de estratégias terapêuticas alternativas, com foco no sistema imune, não mais somente nos neurotransmissores.

“Um grupo parceiro nosso já alcançou resultados com esse tipo de iniciativa. Eles usaram no tratamento do transtorno bipolar um anti-inflamatório que é tradicionalmente empregado no tratamento de artrite. Isso foi feito de forma associada à terapêutica clássica, com potencialização do tratamento”, diz Antonio Teixeira.

Para sair do escuro
O professor explica que o desafio agora é descobrir quais alterações do sistema imune estariam relacionadas aos transtornos de humor: “Um grupo norte-americano está propondo um painel com nove moléculas do sangue que, ao que tudo indica, seria capaz de marcar com razoável segurança os indivíduos com depressão maior. É um passo importante para sabermos onde especificamente atuar no sistema imune. Contudo, até o momento não temos como afirmar nenhuma molécula em especial como associada à resposta terapêutica dos indivíduos – embora já tenhamos percebido que algumas delas estão diretamente relacionadas com o desempenho dos indivíduos do ponto de vista cognitivo”, afirma. Nesse contexto, a estratégia adotada pelos pesquisadores é a de tentar identificar as moléculas ou grupos de moléculas do sistema imune que atuam como biomarcadores.

Em última instância, as pesquisas desenvolvidas pelo grupo do professor Antonio Lucio podem possibilitar que doenças como a depressão maior e o transtorno bipolar sejam categorizadas por meio de um exame laboratorial de sangue, capaz de identificar alterações no sistema imunológico que, por sua vez, refletiriam o estado subjetivo patológico do indivíduo. No entanto, os ganhos concernentes a esse tipo de abordagem vão além do simples diagnóstico. “A questão mais relevante é o prognóstico. Se conseguirmos mapear os painéis de moléculas relacionados aos transtornos, poderemos tipificar os perfis inflamatórios e escolher as estratégias terapêuticas mais racionais para cada subtipo de transtorno”, diz.

Nessa perspectiva, cada caso poderia ser avaliado para se estabelecer as melhores estratégias farmacológicas de tratamento, que poderiam se restringir a um dos modelos ou combinar os dois – e até mesmo mobilizar condutas predominantemente comportamentais e/ou psicoterapia. “No atual cenário, o tratamento ainda é muito empírico. Você não tem muitas diretrizes claras, a priori, de por que usar x ou y. A não ser que o indivíduo já tenha histórico com certa estratégia terapêutica. Nesse sentido, toda essa reflexão é uma tentativa de avançar principalmente na seleção de estratégias de tratamento.”

Depressão acelera envelhecimento
O professor Antonio Lucio lista indicativos da relação entre o sistema imune e os transtornos psiquiátricos. O médico explica, por exemplo, que já existem evidências de que indivíduos com transtorno bipolar grave envelhecem mais cedo do ponto de vista biológico e têm uma mortalidade precoce em relação aos indivíduos não doentes. Assim, o envelhecimento precoce estaria relacionado à persistente hiperatividade imune a que esses indivíduos estariam sujeitos. “O processo inflamatório relacionado ao transtorno bipolar colabora para o desenvolvimento de doenças com componente inflamatório, como diabetes, síndrome metabólica e obesidade. Isso ajuda a explicar o índice elevado de mortalidade desse grupo, significativo mesmo quando desconsideramos da amostra os casos de suicídio, que acontecem com mais frequência”, analisa.

O professor apresenta outras evidências de como o sistema imune pode influenciar o sistema nervoso central. “A primeira delas é quase intuitiva. Diante de processos inflamatórios ou infecciosos, por exemplo, como uma gripe, todos simulamos algo como uma ‘pequena depressão’. Ficamos mais desanimados, alteramos o nosso padrão de sono e de apetite, ficamos mais irritados e com dificuldade de concentração. Isso tem uma superposição fenotípica com aquilo que convencionamos chamar de depressão maior ou, conforme os textos clássicos, melancolia. Curiosamente, quando nos curamos da infecção, não voltamos imediatamente ao nosso estado natural. Seguimos levemente desanimados por um tempo. Há uma latência”, compara.

Outra evidência citada pelo professor foi constatada em estudos experimentais. Camundongos foram privados de determinadas moléculas do seu sistema imune e, em razão disso, desenvolveram comportamentos tipo-depressivo, inclusive com correlatos estruturais específicos no hipocampo, estrutura importante na regulação de aspectos emocionais.

“Também se detectou essa relação entre os sistemas imune e nervoso no tratamento da Hepatite C, que é feito por meio do Interferon, uma das moléculas-chave do sistema imune. Cerca de 30% dos pacientes tratados com esse medicamento se deprimem – muitos com ideações suicidas. São casos de depressões graves e que se configuram em consequência de uma alteração no sistema imune”, afirma o professor Antonio Lucio Teixeira.

Melancolia nos textos clássicos
Antes de Hipócrates, na Grécia clássica, as variações da saúde tendiam a ser atribuídas a causas transcendentais, como a influência de anjos e demônios sobre os homens. Foi no século 4 a.C que o “pai da medicina” estabeleceu uma primeira teoria que tentava explicar essas variações pela perspectiva naturalista. Hipócrates considerava a existência de quatro “humores”: o sangue, a flegma, a bílis amarela e a bílis negra, a última responsável pela melancolia.

“O que Hipócrates chamava de bile amarela seria o produto da vesícula biliar. A bile negra, contudo, não tinha qualquer correlato biológico até há pouco tempo”, conta o professor. No entanto, como remete à depressão maior, a melancolia começou a ser associada aos neurotransmissores, sobretudo, no século 20. As novas descobertas sugerem que a bile negra se aproxima não apenas dos neurotransmissores, mas também do sistema imune e de suas moléculas.

Conheça algumas das pesquisas desenvolvidas na UFMG sobre o tema:

- Cytokines in Bipolar Disorder: Paving the Way for Neuroprogression.

- The Immunology of Bipolar Disorder.

(Ewerton Martins Ribeiro)

05/set, 13h24 - Coral da OAP se apresenta no Conservatório, nesta quarta

05/set, 13h12 - Grupo de 'drag queens' evoca universo LGBT em show amanhã, na Praça de Serviços

05/set, 12h48 - 'Domingo no campus': décima edição em galeria de fotos

05/set, 9h24 - Faculdade de Medicina promove semana de prevenção ao suicídio

05/set, 9h18 - Pesquisador francês fará conferência sobre processos criativos na próxima semana

05/set, 9h01 - Encontro reunirá pesquisadores da memória e da história da UFMG

05/set, 8h17 - Sessões do CineCentro em setembro têm musical, comédia e ficção científica

05/set, 8h10 - Concerto 'Jovens e apaixonados' reúne obras de Mozart nesta noite, no Conservatório

04/set, 11h40 - Adriana Bogliolo toma posse como vice-diretora da Ciência da Informação

04/set, 8h45 - Nova edição do Boletim é dedicada aos 90 anos da UFMG

04/set, 8h34 - Pesquisador francês aborda diagnóstico de pressão intracraniana por meio de teste audiológico em palestra na Medicina

04/set, 8h30 - Acesso à justiça e direito infantojuvenil reúnem especialistas na UFMG neste mês

04/set, 7h18 - No mês de seu aniversário, Rádio UFMG Educativa tem programação especial

04/set, 7h11 - UFMG seleciona candidatos para cursos semipresenciais em gestão pública

04/set, 7h04 - Ensino e inclusão de pessoas com deficiência no meio educacional serão discutidos em congresso

Classificar por categorias (30 textos mais recentes de cada):
Artigos
Calouradas
Conferência das Humanidades
Destaques
Domingo no Campus
Eleições Reitoria
Encontro da AULP
Entrevistas
Eschwege 50 anos
Estudante
Eventos
Festival de Inverno
Festival de Verão
Gripe Suína
Jornada Africana
Libras
Matrícula
Mostra das Profissões
Mostra das Profissões 2009
Mostra das Profissões e UFMG Jovem
Mostra Virtual das Profissões
Notas à Comunidade
Notícias
O dia no Campus
Participa UFMG
Pesquisa
Pesquisa e Inovação
Residência Artística Internacional
Reuni
Reunião da SBPC
Semana de Saúde Mental
Semana do Conhecimento
Semana do Servidor
Seminário de Diamantina
Sisu
Sisu e Vestibular
Sisu e Vestibular 2016
UFMG 85 Anos
UFMG 90 anos
UFMG, meu lugar
Vestibular
Volta às aulas

Arquivos mensais:
outubro de 2017 (1)
setembro de 2017 (33)
agosto de 2017 (206)
julho de 2017 (127)
junho de 2017 (171)
maio de 2017 (192)
abril de 2017 (133)
março de 2017 (205)
fevereiro de 2017 (142)
janeiro de 2017 (109)
dezembro de 2016 (108)
novembro de 2016 (141)
outubro de 2016 (229)
setembro de 2016 (219)
agosto de 2016 (188)
julho de 2016 (176)
junho de 2016 (213)
maio de 2016 (208)
abril de 2016 (177)
março de 2016 (236)
fevereiro de 2016 (138)
janeiro de 2016 (131)
dezembro de 2015 (148)
novembro de 2015 (214)
outubro de 2015 (256)
setembro de 2015 (195)
agosto de 2015 (209)
julho de 2015 (184)
junho de 2015 (225)
maio de 2015 (248)
abril de 2015 (215)
março de 2015 (224)
fevereiro de 2015 (170)

Expediente