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‘Brasil explodiria se não houvesse inclusão social’, diz Franklin Martins, com base em pesquisa sobre como a música popular reflete a política brasileira

quarta-feira, 14 de outubro de 2015, às 11h55

Durante 14 anos, paralelamente a suas atividades profissionais, o jornalista Franklin Martins coletou e organizou mais de 1100 canções de diversos gêneros, gravadas entre 1902 e 2002. Esse trabalho resultou em um site e no livro Quem foi que inventou o Brasil – A música popular conta a história da República, em três volumes.

Nesta entrevista ao Portal UFMG, o autor – que oferece um curso sobre o tema a partir de hoje, na Fafich – fala do processo da pesquisa, das surpresas, da vocação brasileira para a crônica musical permanente. E admite que a música feita na periferia ao longo dos anos 1990 revela uma situação que não se mostrara inteiramente em sua rotina de repórter político em Brasília.

“Ficou muito claro que o Brasil explodiria se não tivesse havido uma inflexão de inclusão social. Porque a música que vem da periferia, das quebradas, dos guetos, não é uma coisa isolada. É uma coisa generalizada, pegando os gêneros mais em voga, o rap, funk, o samba reggae, mas também música sertaneja, samba, porque teve o caráter de uma bronca social extremamente forte, uma revolta política muito intensa”, diz Franklin Martins.

Conte, por favor, como surgiu e se desenvolveu a pesquisa.
Não houve nada preconcebido, nenhum projeto. Eu tinha um site de política, inseria textos sobre a história do Brasil que considerava relevantes, trechos de discursos de lideranças políticas, para as pessoas conhecerem a voz desses líderes, a oratória deles. E comecei a botar músicas sem maior planejamento. Os amigos foram me indicando canções, como Fala, meu louro, da década de 1920, uma brincadeira com Ruy Barbosa. Com o tempo fui me dando conta de que tinha uma riqueza extraordinária de produção musical sobre política. E as pessoas não tinham ideia dessa produção, a gente pensava mais na ditadura, mas havia muita coisa para trás também. Então comecei a pesquisar, de início de modo diletante, depois como hobby, depois virou um trabalho que era uma cachaça. Comecei a produzir mais rigorosamente, a ler, estudar, entrevistar pessoas, conversar com especialistas. Então, é um trabalho que nasceu de forma espontânea, sem qualquer planejamento. São catorze anos de trabalho – quando estava no governo não mexi nisso –, foi muita pesquisa e muita conversa. E só consegui fazer porque existe a internet, já que não tinha como me dedicar de forma exclusiva. Pude pesquisar muita coisa a distância, bases de dados importantíssimas que estão digitalizadas. Como a discografia brasileira de 78 rotações, o que foi gravado no Brasil, ou 90% disso, de 1902 a 1964. O Instituto Moreira Salles tem os áudios de 11 ou 12 mil músicas. Além disso, a Internet me permitiu entrar em contato com muita gente que eu sequer conhecia. E que me indicava outras pessoas. Assim fui construindo uma rede de colaboradores, pessoas que se interessaram pela pesquisa e que me facilitaram muita coisa. Não sou especialista em música, mas a embocadura política me ajudava a perceber muita coisa que os musicólogos não percebiam. E muitas vezes eles também me alertavam sobre algum aspecto.

É possível imaginar que foi estimulante trabalhar com um tema familiar a sua atuação cotidiana como jornalista, mas com uma matéria-prima diferente.
Coisas que vêm de fora são importantes para o jornalista se reoxigenar. Um dos períodos mais interessantes da minha vida profissional foi o de correspondente na Inglaterra, porque precisava escrever sobre política, mas também sobre botânica, medicina, comportamento, sobre tudo. Isso me tirava um pouco da especialização, que com o tempo pode ser frustrante. Além disso, sempre gostei de música. Sou de uma geração para a qual a música sempre teve uma importância política. No caso da ditadura militar, a resistência cultural foi muito forte, especialmente na música. A música não me é estranha, e nós somos um povo muito musical, e isso pesa.

Coletar e organizar essas canções revelou coisas que você não tinha percebido em outras épocas, mesmo na fase de sua atuação intensa na militância pós-64?
Quanto ao período da ditadura, não houve grandes surpresas. Algumas coisas como uma música do Nelson Ferreira saudando os militares que deram o golpe em 64. Aquilo me chocou, porque tinha grande admiração por ele. Aliás, não há músicas saudando o golpe, você tem outras que celebram o milagre brasileiro, o boom da economia, algumas encomendadas, outras não. Mas saudando o golpe, só essa. E depois parece que ele se arrependeu, porque foi só uma bolacha que ele gravou, e nunca entrou em nenhum LP ou CD, nenhuma coletânea dele.

Me surpreendeu, especialmente, o período do início da década de 90 até 2002. Eu cobria política nessa época, mas ficou agora muito claro que o Brasil ia explodir se não tivesse havido uma mudança, uma inflexão, de inclusão social. Porque a música que vem da periferia, das quebradas, dos guetos, não é uma coisa isolada. É uma coisa generalizada, nacional, em todos os estados, pegando os gêneros mais em voga, o rap, funk, o samba reggae, mas também música sertaneja, samba, porque teve o caráter de uma bronca social extremamente forte, uma revolta política muito intensa. A gente sabia disso meio teoricamente – eu era repórter em Brasília, tinha uma visão geral –, mas não tinha ideia da força do fenômeno. Isso me impressionou.


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E com relação às diferenças de abordagem de um gênero para outro, de um período pra outro?
Eu diria que todos os gêneros trataram de política, salvo a bossa nova, que foi um período muito curtinho. Várias pessoas que participaram da bossa nova fizeram música sobre política, mas de outros gêneros. Vinicius de Moraes, Sergio Ricardo, Nara Leão – mas já não estavam mais fazendo bossa nova. Todos os gêneros fizeram, cada um no seu estilo, para seu público, com seu viés. De um modo geral, a música sobre política não aponta caminhos, não é uma vanguarda que diz pra onde o mundo tem que ir. Não é isso. São composições que refletem estados de espírito, espelham opiniões da sociedade ou de parte dela naquele momento. Nós temos uma crônica musical da vida política brasileira como eu não conheço em nenhum outro país. Em muitos outros países você tem uma relação intensa entre política e música, mas em momentos determinados. Revolução Francesa, Comuna de Paris, guerra civil espanhola, revolução mexicana, o governo do Allende no Chile. Depois que o conflito é resolvido, com a vitória de um dos dois lados, essa música, que tem um caráter muito militante, cede e fica meio em hibernação.

No Brasil, temos uma tradição de crônica permanente, sobre todos os fatos. Eu diria que praticamente não há fato político relevante na história da República depois de 1900 e pouquinho, quando veio a indústria fonográfica, que não tenha inspirado músicas. A não ser a greve de 1917, não achei uma música sobre a greve de 17. Há músicas sobre todos os outros fatos importantes, políticos, econômicos, sociais. Às vezes não é naquele mês, porque tinha a censura, como foi no Estado Novo e em dado período da ditadura militar, mas logo depois a música aparece. Acho que isso tem a ver com nossas características culturais, com nossa tradição de uma poesia muito sarcástica, debochada. Exemplos são Gregório de Matos, Tomás Antonio Gonzaga, depois as quadrinhas e os poetas no século 19, o teatro de revista, as cançonetas, os chopes-berrantes e cafés-dançantes. E isso tudo vai desaguar no carnaval, quando o carnaval deixa de ser uma festa bailada e passa a ser uma festa brincada. Deixa de ser um desfile para ser uma festa cantada. Mais ou menos a partir de 1917, com o samba Pelo telefone, as marchinhas. O carnaval é um teatro de revista, ele passa em revista o ano anterior, relatando o que aconteceu na área dos costumes, na cultura, nas áreas da economia e da política. Você não tem uma divisão de palco e plateia, de atores e espectadores, é uma bagunça, mas o caráter de revista ele mantém. Criou uma tradição de crônica musical muito intensa, que se manifesta na política e também nas outras áreas.

Você teve a colaboração de pesquisadores da academia?
Bom, é difícil você dizer o que é acadêmico e o que não é. Pesquisa acadêmica seria de boa qualidade? Temos pesquisa de extraordinária qualidade que não é feita dentro da universidade. Um pesquisador como o [crítico musical José Ramos] Tinhorão tem um trabalho excepcional. E outros. Muitos deles são jornalistas de origem, são pessoas rigorosíssimas. E você tem boa pesquisa também na academia. Da mesma forma que nós somos um povo musicalmente muito forte, temos uma pesquisa musical muito forte no Brasil, debate, busca de raízes. Curiosamente, embora o assunto política apareça aqui e ali, não havia um trabalho de pesquisa sistemático nesse sentido. Isso me atraiu. Será que só eu percebi com essa intensidade? Conversando com vários pesquisadores de dentro e fora da universidade, eles concordaram que a gente não se dá conta da música com a política. A gente convive com aquilo o tempo todo e não percebe que ali existe uma excepcionalidade.

Algo chama a sua atenção no período pós-2002, que não entra na sua pesquisa sistemática?
Interrompi em 2002 por várias razões. Cem anos de pesquisa era uma coisa colossal, e era simbólico completar um século. E também porque achava que era necessária uma certa distância. Se não, você passa a não contar uma história, você fala sobre a atualidade. Mas posso dizer que se continua a fazer música sobre política no Brasil em quantidade. Sobre o mensalão, sobre o incômodo de setores da classe média com os direitos das empregadas domésticas. O Juca Chaves fez uma música sobre a [Operação] Lava-jato. O que tem de muito marcante é que cada vez mais a música é feita na periferia, embora tenha gente também da classe média fazendo música sobre política.

Você pode contar outros casos interessantes saídos da sua pesquisa?
Houve descobertas casuais, como uma música sobre o Dutra [Eurico Gaspar Dutra, presidente da República entre 1946 e 1951]. Estava muito incomodado porque não achava nada sobre ele. Conversando com o Nirez [o jornalista cearense Miguel Ângelo de Azevedo], que é um dos maiores pesquisadores de música do Brasil, ele disse que conhecia uma, que brinca com a troca que o Dutra fazia do som do esse pelo som do xis. Mas um dia eu entrei no Instituto Moreira Salles, com um nome errado, e achei uma música que era a cara do Dutra. Liguei para um amigo, e ele me disse que o nome estava errado, havia um erro de indexação. Ela estava lá também com o nome certo. Era Na sombra do boi, uma referência à suposta preguiça do Dutra. Há algumas coisas engraçadas, mas de modo geral as descobertas não foram fruto de acaso, mas de muito trabalho e da colaboração de muitas pessoas.

(Itamar Rigueira Jr.)

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