A história das comunidades quilombolas brasileiras – sua origem, saberes e formas de resistência – está sendo sistematizada, em linguagem acessível e com depoimentos dos próprios moradores, na Coleção terras de quilombos – livretos de linguagem pública sobre comunidades quilombolas, lançada na manhã desta segunda-feira, 14, na UFMG. As primeiras 16 obras da coleção, que totalizará 190 livretos, foram entregues a representantes de comunidades quilombolas de vários estados do país. Participaram da solenidade o reitor da UFMG, Jaime Ramírez, o ministro de Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, a ministra Nilma Lino Gomes, das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, além de pesquisadores e autoridades ligados ao projeto. As obras foram elaboradas com base em Relatórios Antropológicos que compõem processos de regularização fundiária quilombola, no âmbito do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em cujo site estão disponíveis as primeiras obras da Coleção. “Ao abraçar esse projeto e registrar parte da nossa história e da nossa rica cultura com uma coleção tão bela, em incansável trabalho com o apoio dos dois ministérios, a UFMG não fez mais do que sua obrigação, pois a universidade pública só tem sentido se de fato aceitar os desafios de seu tempo e atender a toda a sociedade que a sustenta”, afirmou o reitor Jaime Ramírez. Os livretos, que deverão ser utilizados nas escolas de todo o país, possibilitam melhor compreensão da história de ocupação das comunidades, caracterização dos territórios, principais conflitos em questão, atividades produtivas essenciais e potenciais, saberes e modos de ser e viver. Patrus Ananias comentou que uma pessoa que perde a sua memória perde a capacidade de compreender o presente e de projetar seu futuro, e “isso vale com mais força para as comunidades tradicionais, locais, regionais até chegarmos à grande comunidade nacional, feita dessa esplêndida diversidade que nos constitui”. Em sua opinião, a coleção reafirma a dimensão da memória, em especial dos pobres e excluídos. Ao lembrar que a Coleção se materializa na década internacional de afrodescendentes, a ministra Lino Gomes enfatizou que a democracia será plena se o Brasil compreender a diversidade e enfrentar a superação das desigualdades históricas e estruturantes. “Essas desigualdades não são apenas socioeconômicas, mas também raciais, de gênero e regionais”. Professora da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG, Nilma Lino ressaltou a importância dos movimentos sociais: “são vocês, povos e comunidades tradicionais, que têm o mérito de fazer o Brasil mudar, de fazer o Governo Federal promover políticas públicas que beneficiem todos os cidadãos”. Reparação “Agora compreendo melhor o sentido da palavra reparação. Recontar a história alivia nossa alma e faz bem à sociedade brasileira”, enfatizou. Para o pesquisador, os quilombos dão à sociedade brasileira cinco grandes lições: a luta pela liberdade como forma de contar a história do país; a terra como bem comum, combinando a posse individual com o trabalho coletivo; o regimento do bem-viver, baseado no conhecimento para a preservação da natureza; o sentimento de solidariedade, ecumenismo e inclusão de índios, ciganos, caiçaras e brancos, com respeito a crenças e religiões; por fim, os quilombos são o lugar do encanto, com festas, jogos, reisados e congados, mesmo em situações de dificuldades. “Essa alegria alimenta a resistência”, afirmou. Parceria Para fins de regularização fundiária, o Incra elabora Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) que reúnem informações fundiárias e cadastrais das famílias, bem como a caracterização antropológica, histórica, econômica e ambiental da área quilombola. O conjunto de Relatórios Antropológicos produzidos pelo Incra e parceiros formam acervo inédito que conta como as comunidades negras operaram a ocupação do espaço territorial brasileiro, suas formas de apropriação e uso das terras, bem como os processos de expropriação e exploração vividos. O objetivo da parceria entre o Ministério e a UFMG é sistematizar e dar publicidade às informações contidas nos relatórios técnicos, em muitos casos ignoradas pela historiografia oficial. Esse material, registrado no âmbito dos processos administrativos do Incra, foi transposto para linguagem acessível, com o apoio de diversos colaboradores, destacando-se os autores das etnografias dos RTIDs. Os livretos trazem também depoimentos dos próprios quilombolas, que testemunham a continuidade de uma luta fortalecida pela esperança de que o conhecimento de sua história garanta finalmente a compreensão da legitimidade de seu pleito pela titulação. Reunidas na Coleção, as histórias de resistência quilombola agora podem ser conhecidas mutuamente pelos quilombolas das diversas regiões do país. Os organizadores também esperam que o material forneça a gestores públicos, educadores, pesquisadores e demais interessados informações acessíveis sobre essas comunidades. Compuseram a mesa oficial [da esquerda para a direita, na foto] Sandra Andrade, coordenadora nacional das comunidades quilombolas; Gilson de Souza, superintendente regional do Incra em Minas Gerais; Rodrigo Edinilson, coordenador-geral de educação para as relações étnico-raciais na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC); João Valdir, vice-diretor da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG; ministra Nilma Lino Gomes; reitor Jaime Ramírez; ministro Patrus Ananias; vice-reitora da UFMG, Sandra Goulart Almeida; Isabele Picelli, coordenadora-geral de regularização de territórios quilombolas do Incra; Fernando Filgueiras, diretor da Fafich/UFMG; Adriana Aranha, delegada do MDA em Minas Gerais; Denivaldo Fernandes Lima, representante das comunidades quilombolas; Juarez Guimarães, responsável pela análise e sistematização dos laudos antropológicos dos quilombolas do Brasil. (Com informações da Assessoria de Comunicação do Incra)
Responsável pela análise e sistematização dos laudos antropológicos dos quilombolas do Brasil, o professor Juarez Guimarães, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), afirmou que os historiadores brasileiros não conhecem essa história.
As terras de quilombos são territórios étnico-raciais com ocupação coletiva baseada na ancestralidade, no parentesco e em tradições culturais próprias. Elas expressam a resistência a diferentes formas de dominação, e sua regularização fundiária está garantida pela Constituição Federal de 1988.