Universidade Federal de Minas Gerais

Divulgação / Caliban Produções
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O diretor possui acervo com 80 mil títulos e imagens inéditas de Oscar Niemeyer, Jorge Amado e Glauber Rocha

Os jovens que ocupam escolas representam a utopia dos dias de hoje, afirma documentarista Silvio Tendler

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016, às 6h57

A Escola de Belas-Artes elegeu a utopia como mote central das reflexões e atividades que vão marcar seus 60 anos de existência. E, para abrir o ano de celebrações, a EBA convidou o cinedocumentarista Silvio Tendler, que estará na UFMG nesta quinta, 15, às 11h, no auditório da unidade, para conversar justamente sobre o tema.

“A barbárie e a utopia vão coexistindo, é uma luta infinita”, afirma Tendler, diretor de mais de 70 filmes, entre eles os icônicos Os anos JK e Jango. Nesta entrevista, ele também aborda assuntos como o papel da arte para mudar o mundo, a trajetória do documentário e a revolução causada pela enorme disponibilidade de imagens na internet.

Você vem à UFMG para falar, entre outros temas propostos pela Escola de Belas-Artes, da utopia, que tem lhe interessado especialmente. Qual é o seu ponto de vista sobre a utopia?
Tenho trabalhado há cerca de 20 anos em uma reflexão sobre a questão da utopia e da barbárie, que tem a ver com o que estamos vivendo hoje. Elas vão sempre coexistir, a utopia e a barbárie. Sou de 1950, da primeira geração do pós-guerra. A guerra termina com a barbárie dos campos de concentração e a utopia de que, quando eles se abram, aquilo nunca mais aconteça. As bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki representam a barbárie aliada à utopia do fim da guerra. Na verdade, a gente constrói uma utopia. Quando pensa que está tudo bem, pinta a barbárie. E isso passa, nasce uma nova utopia, a gente pensa que as coisas vão ser maravilhosas, e não são. Os caminhos vão se intercalando, vão coexistindo. A geração anterior à minha imaginava que seria uma coisa ou outra. Em um de seus livros, o filósofo grego Cornelius Castoriadis diz que ou era o socialismo ou a barbárie. Com o stalinismo, a barbárie estava embutida no socialismo.

Como esse raciocínio se aplica aos dias atuais?
Nos dias atuais, chegamos a viver momentos de alegria e felicidade e de repente descobrimos que não é nada disso, que tem milhões de insatisfeitos. A gente está vivendo um processo político muito complexo, um projeto em que a barbárie é elevada à potência mil. Ao mesmo tempo, existe a utopia dos jovens que se rebelam, a ocupação das escolas contra o pensamento único, milhares de jovens que se reúnem pra discutir a escola que eles querem. A gente conclui que essa luta não é finita. Na verdade, podemos nos acomodar à ideia de que nunca vamos viver num mundo perfeito. A única esperança que eu tenho é que essa imperfeição não termine por destruir o planeta, porque só há esperança enquanto há vida; se a vida acabar, acabou. Aguardemos um novo big bang.

Qual deve ser o projeto dos utópicos?
A luta da gente hoje é por preservar o planeta, preservar a permanência da espécie humana alguns milhões de anos mais sobre a Terra. Porque a própria ciência informa que esse planeta vai acabar. Nossa obrigação é preservar o planeta e a vida sobre o planeta e fazer a vida cada dia melhor. Essa é a luta que nós, utópicos, temos de travar contra os bárbaros, os predadores que estão destruindo os bens naturais, os mananciais, que estão perdendo para as grandes empresas os aquíferos, o sistema financeiro que domina tudo. Hoje a gente nem discute mais o mercado, mas o sistema financeiro. Antigamente, discutíamos aquilo que o Eduardo Galeano chamou de “deus mercado”. E hoje estamos discutindo pura e simplesmente o deus dinheiro. A gente tem que lutar contra isso, e é sobre isso que pretendo falar para estudantes de teatro e de artes. Através da representação, eles podem criar formas expressivas de manifestação. A arte é fundamental neste momento, é ela que muda o mundo, não é a guerra.

Você é professor universitário [Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio] há quase 40 anos. O que tem visto de mais interessante na relação entre academia e cinema?
Vejo academia e academias. Há pessoas muito interessantes na universidade, e o cruzamento com o pensamento universitário contribui muito para o enriquecimento das artes. As artes são fundamentais para a formatação da ciência, por isso acho que esse cruzamento essencial. E eu cruzo tudo, gosto muito de fazer sopa de pedra. Trabalho sobre o olhar do fotógrafo, estou fazendo uma longa entrevista com o Boaventura Sousa Santos, um dos maiores intelectuais contemporâneos, que está aí, vivo, pensante, e, ao mesmo tempo, trabalho com artistas, estou fazendo um filme sobre Ferreira Gullar. Desse caldeirão, dessa mistura, é que nasce o novo. A gente não tem que ter preconceito contra nenhuma forma de saber ou fazer. Precisamos agir com os meios de que dispomos para questionar a vida e fazer propostas para um novo dia.

Pode-se falar sobre um determinado momento ou circunstâncias em que houve mudança importante de receptividade ao filme documentário?
O documentário tem um papel na História que transcende essa questão. Ele sempre esteve presente na vida da gente. Basta pensar que o cinema nasceu documentário. Em 1895, em Lyon, na França, os irmãos Lumière conseguiram registrar operários saindo da fábrica e a chegada de um trem à estação e produziram pela primeira vez imagens em movimento. Desde então, o documentário permeia nossa vida. Até o final da Segunda Guerra, o mundo só conhecia as coisas que aconteciam em outros lugares por conta do documentário, já que a televisão só foi difundida depois da guerra. Tudo que se conhecia em movimento no mundo era via cinema documentário. O cinejornal era tão importante na sala de cinema quanto o filme de ficção. Todos os grandes países, durante as grandes guerras, faziam as cineatualidades, para contar a sua versão do conflito.

Como se encaixam na trajetória do documentário no Brasil seus filmes sobre Jango e JK?
Esses filmes (Jango e Os anos JK) levaram quase 1 milhão de espectadores aos cinemas. Depois dos anos 1980, houve um momento de declínio, porque a televisão entendeu que precisava pôr mais documentários na sua grade, e ela passou a ocupar esse espaço. A tecnologia da televisão se tornava muito mais leve, mais ágil. Até então, a televisão usava tecnologia de cinema, então criou o vídeo, a tecnologia miniaturizada. E até meados da década de 90 ocupou o espaço do documentário. Mas a miniaturização do equipamento e a possível transposição dos equipamentos eletrônicos, a possibilidade de filmar em vídeo e transpor para o cinema levou o documentário a recuperar o espaço que ele sempre teve. E, recentemente, a tecnologia mais apurada gerou uma multidão de criadores. Não vou dizer que são documentaristas, mas o uso do celular e das câmeras miniaturizadas formou uma geração de pessoas que filmam documentários cotidianos. E alguns até se aventuram no território da ficção. Isso é irreversível. A televisão usa gravações de celular. Repórteres fazem matérias com celular, e a coisa vai se multiplicando.

Como a enorme disponibilidade de imagens na internet mudou o seu modo de trabalhar?
Enfrentei o fenômeno da censura, na época da ditadura, as pessoas tinham as imagens, mas tinham medo de entregar. E não havia a consciência de que era importante conservar. Isso hoje está resolvido. Então, a gente vai conseguindo driblar as dificuldades. Hoje, você acha tudo, sobre qualquer coisa, a toda hora. E temos uma cultura mais colaborativa. Tenho feito filmes que eu não teria condições de fazer sozinho. Uso imagens de manifestações no Peru, no Equador, eu filmo a África, sem ir até lá. É possível trocar ou comprar material. E assim eu fiz vários filmes.

E você tem produzido para várias mídias...
Onde houver um espectador, estou lá.

Qual o papel do seu trabalho e dos criadores amadores para dar voz a pontos de vista diferentes dos veiculados pela chamada grande mídia?
Essa produção é fundamental porque vem como contraponto da sociedade à produção de uma voz só ou monocrática, para usar palavra que está na moda desde outro dia. A grande mídia é formadora de opinião porque tem uma penetração maior que nosso trabalho, que é fragmentado. O que venho tentando há anos, e ainda vou conseguir, é juntar num grande circuito toda essa mídia paralela. É preciso criar um conceito que se difunda pelo mundo. Hoje, do jeito como está, a grande mídia tem o poder concentrado, que vem do monopólio da informação, e nós milhares estamos perdidos em tantos espaços. Nosso trabalho não é pouco importante, mas a gente devia lutar para organizar a circulação da informação que produzimos.
Hoje, por exemplo, nossos documentários não conseguem chegar às salas de cinema, ou pelo menos não chegam com a potência que merecem. Então, você passa um filme numa sala de 100 lugares, uma sessão por dia. Aí vêm os blockbusters americanos, em 900 salas, quatro sessões por dia, e eles formam opinião. A gente tem que lutar contra isso, criar espaços alternativos, mas acho que as vaidades são muito mais fortes entre os pequenos que entre os grandes. Eles têm interesses a defender e o fazem com mais convicção, e a gente fica meio perdido nos pequenos caminhos em que a gente circula. Isso não torna nosso trabalho menos importante, apenas menos eficaz.

Qualquer projeto de criar esse circuito certamente passa por você, não?
Eu tento, mas também enfrento resistência, porque tenho 66 anos, e tem uma galera de 20 anos que acha que já dei o que tinha que dar. Mas tenho que dizer que não, estou aqui, lúcido, saudável, continuo trabalhando, agindo, e ninguém vai me botar pra fora.

Quais são suas referências entre documentaristas brasileiros e estrangeiros e quem tem lhe agradado atualmente?
Vladimir Carvalho, que passou dos 80 anos e tem uma história maravilhosa de cinema, fez muito a minha cabeça. Também me influenciaram o Jean Rouch, o Chris Marker [ambos franceses] e o [cubano] Santiago Álvarez. Hoje tem o Jorge Alfredo Salomão e o Edgar Navarro, que estão filmando na Bahia – o Edgar não é bem documentarista, mas faz um trabalho muito iconoclasta, muito interessante. E em Minas tem uma geração muito boa de documentaristas.

E o seu acervo? Organizar e preservar o material que você tem arquivado [cerca de 80 mil títulos] é um grande trabalho à parte...
Meu acervo começou quando ninguém dava bola pra isso. Os filmes eram vendidos e derretidos para serem reutilizados na fabricação de escovas de cabelo. Comecei a recolher, comprar barato e guardar. Ficou muito grande. Mas meu acervo maior, hoje, não é esse que eu salvei, de filmes que seriam destruídos pela ganância e pelo desconhecimento da importância histórica. Há muitos anos eu filmo personagens fundamentais, e está-se formando outra memória. Além do acervo que eu formei pra fazer JK e Jango, tenho imagens do Vietnã, de Oscar Niemeyer, de Jorge Amado, de Betinho, de Tancredo, de Glauber, material absolutamente inédito. Uma memória admirável.

(Itamar Rigueira Jr.)

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