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Caminhar enquanto prática de reconhecimento

Por Polo Jequitinhonha em

Por Guidyon Augusto*

É curioso pensar que a prática de caminhadas pode ser um elemento de reconhecimento de um local no qual nunca estivemos. Estar em uma cidade em que você se considera (e é considerado) um estranho, mas que consegue apresentar uma série de similaridades com seu local de origem, perpassa a motivação primária do que, pra mim, é o “combustível” do caminhar: reconhecer no outro o seu próprio Eu.

Almenara, com seu calor de fins de janeiro e início de fevereiro, proporcionou uma temperatura que passava, diariamente, dos 35 graus, isso sem falar da sensação térmica de um sol que parecia nunca ir embora, especialmente nas avenidas principais, pouco arborizadas. Mas, fazer o trajeto de cerca de 1,5 km entre o local em que estava hospedado e o local em que eram realizadas as atividades do 8º Encontro de Comunicadores do Vale do Jequitinhonha (ECVJ), proporcionou uma experiência única de ver a dinâmica da Cidade e, principalmente, de seus habitantes.

Ir e voltar nesse mesmo trajeto, se perder, perguntar, puxar papo, ouvir comentários, tudo isso acabou fazendo parte da rotina estabelecida durante os quatro dias de evento, rotina que se encontrava com a rotina de Almenara, encontro fortuito para quem se deu ao prazer (e desprazer) de prestar atenção aos detalhes. Diria que esse equilíbrio de pontos positivos e negativos entre tais contatos é alcançado justamente por conta do exercício do “pisar no chão” e de se desapegar de alguns preconceitos. O principal preconceito ao qual me refiro é para com o próprio cotidiano, que muitas vezes odiamos, subestimamos e acabamos por somente nos desvencilhar quando incorporamos esse “papel” do turista, do “de fora”.

Revistar o “local comum” do cotidiano é por vezes entender que a cidade oferece inúmeras possibilidades, assim como incorpora desigualdades e tristezas, presentes em praticamente toda estrutura de nossa sociedade. Mas o propósito deste texto é justamente tratar das possibilidades que o ato de caminhar ofereceu para mim, um estranho ao contexto diário de Almenara, que, em diálogo com muitos dos participantes do Encontro, conheceu muito mais do que poderia imaginar e se encantou com três pontos da cidade, conhecendo de pé e de carro, sozinho e acompanhado.

A “prainha” ou “o Rio”, foi como ouvi falar sobre pela primeira vez. Uns entraram, outros queriam e, no final, acabei junto com o recém-conhecido Felipe (natural de BH mas que hoje habita e trabalha no Vale do Jequitinhonha) entrando “de gaiato” em um grupo de participantes do ECVJ que iriam ao Rio Jequitinhonha para banhar no fim de uma tremenda tarde de sol. Entre os caminhos achados e os perdidos, quase 3 km até a beira do Rio, na “Praia da Saudade”, que depois fui saber que se chamava. Não dava para não fazer o exercício de contemplação do contato do cotidiano de muitos com o deslumbre de outros. Água fria e areia quente, ponto diário de caminhada desde então, em todo fim de tarde até eu ir embora dali.

Tarde. Praia da Saudade. Foto: Guidyon Augusto.

A surpresa maior foi o “Morro do Bruno”, ou “Vista do Chinês”, que Alba me mostrou. O grupo, que era formado por mim, Raquel Baster e Felipe, acabou por ir parar em um “mini-rally” até o Mirante (palmas para Alba que teve a maestria em conduzir um 1.0 em uma subida vertical de terra que valia o melhor dos curtas de aventura).  Soube dos nomes curiosos do local, convencionalmente chamados pelas alcunhas descritas anteriormente. Andei, subi, desci, me sujei de terra e adentrei um pouco de mata. Havia uma elevação maior, com a vista mais que privilegiada de cima de uma pedra. A experiência de contemplar toda uma cidade e região do alto, além do próprio curso do Rio Jequitinhonha, é extremamente curiosa, principalmente se for feito junto de uma reflexão: a de como a cidade e suas dinâmicas foram e são construídas. Papo filosófico que, para muitos, é o clichê daqueles que possuem o privilégio do tempo e, para outros, uma necessidade de se pensar um local melhor para se viver.

Caminhar acaba sendo um reconhecer de si, do outro e de onde se está naquele determinado momento. Quem passou, quem seguiu, como foi e como poderá ser. Deixo aqui o ímpeto de retornar ao Vale, a Almenara, para caminhar novamente entre os olhares corridos de quem foge da rotina, do sol e talvez de si. De toda forma, não se pode deixar de incentivar que, ao menos uma vez, possamos nos aventurar, de pé em pé, por nós mesmos. Todo esse processo ecoa em nossa própria essência.

Aos Ecos dos Caminhos dentro de nós.

Colírio. Almenara vista do Morro do Bruno. Foto: Guidyon Augusto.

*Guidyon Augusto é historiador. No 8° Encontro de Comunicadores do Vale do Jequitinhonha (ECVJ), ministrou a oficina Comunicação e desenvolvimento territorial e a roda de conversa Caminhos do Jequitinhonha.


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