Sobre o Vale do Jequitinhonha

O Vale do Jequitinhonha costuma ser descrito a partir de vários elementos: a poeira, a aridez, o sol, o calor, o rio, por exemplo, vão formando seu ambiente. Os tropeiros, canoeiros, pescadores, artesãos, lavadeiras, romeiros são alguns de seus personagens sempre lembrados. A junção disso tudo compõe as suas muitas narrativas, forjadas tanto na dureza quanto na delicadeza da existência. São muitas as contradições, próprias de qualquer ambiente humano, muitas as diferenças. Mas tudo está lá, ao longo de um vale de muitos jequitinhonhas.

Os olhos sobre as paisagens vão compondo um mapa de variados tons, das chapadas aos fundos dos vaus, das montanhas de pedra à grande cordilheira, das matas aos cerradões, dos campos rupestres à caatinga, dos diamantes e águas-marinhas ao granito e ao minério de ferro. Grandes distâncias a vencer, caminhos difíceis, casinhas longe de tudo, quase isoladas do resto do mundo, onde se habita um outro espaço-tempo. De outro lado, cidades agitadas pelas multiconexões, juventudes com ânsia de possibilidades.

E tem as ausências, tudo aquilo que no Vale não houve e não há. A longa lista das carências, ali onde a modernidade entendeu de fazer um desvio, embaralha o sentido das coisas, alimenta as incertezas. É onde a vida (ainda) tem de ser produzida pelas próprias mãos. Gerações se sucedem nessa manufatura. Ela é mais que um vestígio do passado, é algo que produz continuamente a vida, que a anuncia, pronuncia e denuncia, na tradução de seus paradoxos.

Neste cenário, a arte de fazer a vida ainda é algo que se aprende e se ensina, mesmo em contextos improváveis, como pequena flor no deserto. Por isso nos espanta essa beleza. Esses fazeres não estão separados das pequenas (mas poderosas) narrativas de cada pessoa. São algo tão variado quanto toda a paisagem, mas têm em comum as sensibilidades e os desejos das gentes, as inteligências populares, misturadas às devoções, às místicas e à vivência mágica dos seus mistérios. Artesãos e artesãs colocam ali sua própria história, e é essa a força criativa de um grande (hiper)texto – mãos e mente integradas.Teria este povo a vida nas mãos?

Por Márcio Simeone Henriques

Professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Ex-coordenador de Comunicação do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha

O Vale

Se você fizer uma rápida pesquisa no Google sobre Vale do Jequitinhonha, vai encontrar uma região com os menores índices de desenvolvimento do Estado de Minas Gerais. Também vai perceber que grande parte de sua população vive em extrema pobreza. Verá fotos de seu meio ambiente, sistematicamente agredido pelas atividade mineradoras, de carvoaria e o uso indiscriminado do fogo pela agricultura familiar. É por tudo isso que o Jequitinhonha também é conhecido por muitos como o Vale da pobreza.

Mas este mesmo lugar tem outra cara, que não é de pobreza. Tem música, verso e viola. São notórias e inegáveis as riquezas de lá, entre elas o subsolo, promissor em recursos minerais. Seu patrimônio histórico-cultural é referência para Minas Gerais e para o Brasil, bem como o seu artesanato, muito diversificado e com técnicas consideradas patrimônio cultural.

Conhecido por seus atrativos turísticos, essa região no Nordeste de Minas Gerais está conformada por 55 municípios, organizados nas microrregiões do Alto, Médio e Baixo Jequitinhonha. O Vale é considerado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como uma das 12 mesorregiões do estado. Isso significa que essa área tem similaridades econômicas e sociais que a diferencia de outras. Particularmente, esse território representa 14% do estado.

Foto: Reprodução/Plano de Desenvolvimento para o Vale do Jequitinhonha – Fundação João Pinheiro (clique na imagem para visualizá-la em tamanho maior)

A região, banhada pelos 50 mil Km² do rio Jequitinhonha, é lar de mais de 950 mil brasileiros, dos quais dois terços vivem na zona rural, segundo dados do último censo do IBGE. O Vale do Jequitinhonha é dividido em três microrregiões: Baixo, Médio e Alto Jequitinhonha. O Baixo Jequitinhonha compreende a microrregião de Almenara, a mais próxima do Estado da Bahia, enquanto o Médio abrange as regiões de Pedra Azul e Araçuaí. Por fim, mais próximo da Região Metropolitana de Belo Horizonte, há o Alto Jequitinhonha. que reúne as microrregiões de Diamantina e Capelinha, donas de indicadores sociais mais profícuos.

Compreender a forte herança indígena no Vale não é uma tarefa complicada: a palavra Jequitinhonha, no dialeto dos maxacalis, corresponde a um“rio largo e cheio de peixes”.  Entre os povos indígenas dessa rica região, estão, segundo o IBGE, os Aranãs, Pankararus e Pataxós, além da forte presença de povoações quilombolas, tais como Gravatá, Cruzinha, Catitu do Meio, Rosário e Mutuca.

Difícil não perceber a vasta e belíssima cultura desse lugar, expressada das mais diversas formas, ora pela artesanato e pelas músicas, ora pelas festas. Assim, celebrações regionais como a Festa do Congado de Chapada do Norte – patrimônio cultural do Estado de Minas Gerais – e a Festa do Rosário são apenas alguns exemplos vivos que compõem parte da  identidade do Jequitinhonha. Identidade essa bastante plural, que vai dos violeiros e das peças de cerâmica e barro até os festivais de cultura popular, como o Festivale, um dos maiores do Brasil.

Como duas caras da mesma moeda, o Vale do Jequitinhonha também tem ambivalências. A região ainda precisa se desenvolver, solucionar questões já sanadas por outros municípios e ser mais reconhecida para além do estigma. Logo, a fim de que ele ocupe não apenas o coração da cultura mineira, como também conquiste avanços sociais e econômicos, é importante conhecer melhor essa terra, valorizando as tradições e as potencialidades de desenvolvimento.