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Tese aborda enfrentamento da exploração sexual no Vale do Jequitinhonha

Por Leonardo Soares em

Mais de quarenta e dois mil quilômetros percorridos é uma – mas não a única – maneira de traduzir a longa trajetória de Laura Nayara Pimenta até a recém-conquista do título de Doutora em Comunicação e Sociabilidade. Essa empreitada começou quando ela ingressou no Mestrado em 2013 e, em agosto do mesmo ano, no Suporte de Comunicação do Programa Polo Jequitinhonha. A tese “PROCESSOS MOBILIZADORES EM CONTEXTOS EMBARAÇOSOS: a atuação dos agentes implementadores no enfrentamento à exploração sexual”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, é o resultado da sólida relação de Laura com o Vale.

Nessa pesquisa, a recém-doutora busca compreender como agentes implementadores de políticas públicas, isto é, profissionais como assistentes sociais e psicólogos, atuam em processos mobilizadores envolvendo o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes (ESCA) em Itaobim e Medina. 

Leia a entrevista de Laura Pimenta ao Polo UFMG:

POLO: O tema da tese, “Processos mobilizadores em contextos embaraçosos: a atuação dos agentes implementadores no enfrentamento à exploração sexual infantojuvenil no Vale do Jequitinhonha”, é muito impactante, mas necessário para ampliar o olhar da sociedade e das autoridades. O que levou você a optar por este tema? E por que analisá-lo no Vale do Jequitinhonha?

LAURA: A escolha do tema veio de uma interpelação que eu tive durante um evento no qual eu e Márcio [Simeone, ex-coordenador do Suporte de Comunicação do Polo UFMG e orientador de Laura no Mestrado e Doutorado] participamos em 2014, em Itaobim. O seminário era uma tentativa de rearticular a rede local de enfrentamento, com várias cidades envolvidas. As falas me impactaram muito, e isso ficou na minha cabeça. Senti uma necessidade de fazer uma pesquisa sobre e de que forma eu, enquanto pesquisadora em Comunicação, poderia contribuir. Estava terminando meu Mestrado e fiz uma matéria com o professor Silvio Salej na Sociologia. Nela, conheci a Teoria da Burocracia de Nível de Rua e “meio que foi um ‘start’”. Pensar Comunicação Pública, pensar Políticas Públicas, a partir de um olhar da Comunicação e a partir de um olhar para a exploração sexual, que era algo que eu não abria mão. Então, a minha trajetória de pesquisa na área de Políticas Públicas continuou. A única certeza que eu tinha, no início, era que queria pesquisar sobre exploração e que queria pesquisar no Vale do Jequitinhonha, dada a minha vinculação com o Polo Jequitinhonha desde 2013 e a minha inserção na região. Foi por ter visto essa articulação de perto – e por ter conhecido pessoas do enfrentamento – e também pelo Vale ser conhecido, depois de uma série de reportagens em alguns canais, para além do “Vale da miséria”, como o “Vale da prostituição infantil”. Então eu queria olhar para essa mácula também.

POLO: Quais foram os maiores desafios que você enfrentou durante a elaboração da tese ?

LAURA: Sobre os maiores desafios e o processo de escrita e coleta de informação não foi muito fácil. Foram mais de 20 viagens ao Vale, mais de 20 mil quilômetros percorridos e muitas pessoas entrevistadas, cerca de 30. Além dos grupos focais. Foi um processo com bastante trabalho de campo. Toda viagem ao Vale, eu aproveitava para desenvolver minha pesquisa. Além das vezes que fui com recursos próprios e as vezes que fui com a ajuda do Polo Jequitinhonha. Toda a experiência que tive no Vale fez parte da minha pesquisa, porque, além de entrevista e grupo focal, também fiz observação. As observações sistemáticas decorriam de qualquer ação que eu tivesse, de qualquer viagem que eu fizesse. Contei muito com a ajuda dos amigos que já tinha no Vale, pessoas envolvidas com as ONGs e também com alguns servidores públicos dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centros de Referência Especializados de Assistência Social), que foram as instituições que eu analisei.

Tese. Produção acadêmica joga luz sobre questão desafiadora. Foto: Beatriz Monteiro.

POLO: O que são “processos mobilizadores”? E quais seriam os “agentes implementadores”?

LAURA: Na verdade, eu falo de processos mobilizadores em contextos embaraçosos. O que eu estou chamando de embaraço conforma um tipo de mobilização que é diferente daquela tida como ideal, porque, normalmente, a literatura sobre mobilização fala do cenário mais favorável, de como deve acontecer para as pessoas se mobilizarem. Na minha tese, faço o contrário: eu vejo quais fatores impedem o processo mobilizador, ou seja, quais fatores interferem nas condições de publicidade da causa e, desse modo, interferem em como ela é problematizada publicamente e em como as pessoas vão se sentir afetadas ou não por ela. Então, quando eu falo de processos mobilizadores, quero dizer dos processos que levam as pessoas a serem afetadas por determinada questão e tomarem atitude sobre isso, por exemplo por meio de uma discussão ou da própria ação em prol de uma causa ou enfrentando um problema. E quais seriam os agentes implementadores? Esse termo, na verdade, eu e Márcio escolhemos utilizar, mas a teoria mesmo utiliza “burocratas de nível de rua”, que são os agentes atuantes na linha de frente do atendimento e implementação da política pública. Estou falando de professores, policiais e assistentes sociais que trabalham nas prefeituras. Todos que atuam com o cidadão. Para a tese, eu observei os assistentes sociais e os psicólogos dos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centros de Referência Especializados de Assistência Social).

POLO: Quais os principais resultados do seu trabalho? Ele pode gerar políticas públicas para o combate à exploração sexual infantojuvenil?

LAURA: Apontar resultados é algo um pouco difícil de falar, porque a pesquisa abre mais portas, mais possibilidades para se pensar outras questões. Mas, pensando nos principais resultados, eu acho que o grande ponto que vem, que ficou muito forte, é a questão da renaturalização da prática [exploração sexual] na região, da mudança no modus operandi: a exploração sexual não ocorre mais na rodovia, que era popularmente conhecida como foco de exploração, agora ela ocorre em outros lugares e de outras formas. Isso faz total diferença no enfrentamento. A própria rede ainda não conseguiu identificar de que forma isso está acontecendo. Então, assim, eles estão agindo “no escuro”. Outro tópico importante que fiz questão de abordar durante a tese foi sobre o atendimento e as denúncias nos municípios estudados (Itaobim e Medina). Eu realizei um levantamento muito aprofundado do número de denúncias de exploração sexual e do número de atendimentos. Eu sintetizei, tratei a informação, algo que era bastante ausente; isso é importante para subsidiar o poder público e pensar também estratégias, pois eu acho que eles mesmos [o poder local] nunca param para sistematizar um conhecimento dessa maneira.

POLO: Você tem uma ligação com o Vale que vem desde o Mestrado. Em todos esses anos de contato com a região, o que você mais aprendeu?

LAURA: A minha ligação com o Vale começou no Mestrado, em 2013. Assim que entrei, tive a oportunidade de ter contato com o Polo e, desde então, não abandono o Vale. O que eu mais aprendi foi a resiliência, de saber lidar com as adversidades e, ainda assim, fazer coisas. O companheirismo, a amizade, a força da gente e a simplicidade. O quanto a gente pode fazer coisas brilhantes na simplicidade do dia a dia. Tudo isso eu aprendi. Respeito muito todas as pessoas que conheci na região. Pra mim, o povo do Vale é a maior riqueza que se tem.

POLO: Podemos dizer que sua pesquisa possui uma clara relação com a Extensão Universitária?

LAURA: Sim. Na introdução da minha tese, que eu chamei de nascente, há uma metáfora do rio. Minha pesquisa começa com uma nascente, passa pelo leito do rio, pelas corredeiras, pelas “águas para elefante”, que é uma parte que eu falo de silenciamento, e termina na foz. Na nascente, falo dessa relação com a Extensão Universitária justamente fazendo uma correlação com a minha pesquisa, que foi uma pesquisa-extensão. Ela foi diretamente vinculada à extensão, tanto no modo de fazer, por contar com a colaboração de pessoas para chegar a entrevistados, para chegar a observações, ser convidada para eventos, e também refletir sobre isso e trazer essa prática para dentro da Universidade, pensando em um estilo de extensão defendido pelo Polo.


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