Nota biográfica

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Nota Biográfica sobre Francisco Curt Lange

Franz Kurt Lange nasceu em Eilenburg, Alemanha, em 12 de dezembro de 1903. Filho de uma família de classe média alta de ampla formação cultural que, oportunamente, lhe ofereceu a possibilidade de desenvolver uma expressiva e ampliada formação intelectual, graduando-se em Arquitetura, pela Universidade de Munique (cf. MERINO MONTERO, 1998).  Kurt Lange veio para a América do Sul em 1923, no primeiro pós-guerra, e pouco depois se naturalizou uruguaio, trocando seu nome de batismo pela forma hispânica “Francisco Curt Lange”, através da qual seria amplamente conhecido. Passou a residir em Montevidéu, cidade em que se casou, e onde iniciou sua longa carreira, mantendo laços por toda a sua vida.

A intensa atuação de Curt Lange como educador, pesquisador e animador cultural, durante praticamente todo o século XX, deu-se em âmbito geográfico bastante amplo, de modo que ele se tornou um dos principais responsáveis pelo avanço da musicologia latino-americana. Essa contribuição é bastante evidente no contexto brasileiro, visto que Curt Lange incentivou o desenvolvimento da então incipiente musicologia nacional, através dos esforços de busca e estudo de documentos musicais. Por meio do importante levantamento de fontes primárias e a consequente formação de seu acervo documental, seu trabalho é ainda a principal referência no que diz respeito à música brasileira do período colonial e, particularmente, à música dos compositores mineiros do século XVIII. A quase totalidade de trabalhos musicológicos dedicados ao estudo de obras e artistas desses períodos que foram realizados no último século, e ainda em dias atuais, contém referências ao pioneiro trabalho de Curt Lange.

A importância das ações do musicólogo não se restringe ao caso brasileiro, na medida em que ele teve atuação igualmente importante na musicologia argentina, uruguaia e de outros países hispano-americanos. Destacou-se na função de editor de periódicos como o Boletín Latino Americano de Música – BLAM (1935-1946), através dos quais pôs em prática o movimento Americanismo musical, por ele iniciado na década de 1930. No Uruguai, atuando com apoio oficial, trabalhou pelo estabelecimento de uma educação musical sólida Foi idealizador e cofundador do Instituto Interamericano de Musicologia (1938) – continuação do Instituto de Estúdios Superiores, criado anteriormente – e da Editorial Cooperativa Interamericana de Compositores (1941). Colaborou com o Servício Oficial de Difusión Radio Eléctrica – SODRE (1929) na organização discográfica e na programação musical de sua emissora, trabalhando com entusiasmo pela Discoteca Nacional e pelo emprego da então nascente difusão radioelétrica como meio de educação das massas, assim como de difusão artística e científica (cf. MERINO MONTERO, 1998). O seu trabalho pioneiro teve ressonâncias profundas também na área de composição musical do século vinte, sendo ele responsável pelo estímulo de compositores de diversos países americanos.

Em 1948, mudou-se para Mendoza, na Argentina, sendo incumbido de criar um Departamento de Musicologia na Universidad de Cuyo, além de dirigir a Revista de Estudios Musicales (1949-1954). A partir de 1958, lecionou em diversas universidades norte-americanas atuando também como pesquisador, em Minas Gerais, pela UNESCO (1958-1960) e, posteriormente, atuando como Adido Cultural da Embaixada do Uruguai, em Bonn, Alemanha (1961- 1963). Nas décadas seguintes, participou de diversos congressos internacionais voltados para a musicologia latino-americana, trabalhando como professor convidado em muitas instituições devotadas ao ensino, à cultura e à arte, além de atuar como pesquisador financiado por agências de renome. Em 1986, se estabeleceu em Caracas, Venezuela, onde atuou como Adido Cultural da Embaixada do Uruguai, trabalhando junto à Biblioteca Nacional e dirigindo a Revista Musical de Venezuela, publicada pela Fundación Vicente Emilio Sojo.

Em 1983 Curt Lange conseguiu condições para transferir para o Museu da Inconfidência, em Ouro Preto- MG, a coleção de manuscritos musicais brasileiros que havia reunido durante as décadas de 1940 a 1950, sendo que esta coleção passou a chamar-se “Coleção Francisco Curt Lange”. Em 1989 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Minas Gerais que, em 1995, passou a custodiar seu arquivo pessoal, designado, desde então, como “Acervo Curt Lange – UFMG”. A vinda de seu arquivo pessoal para Minas Gerais se deveu à vontade do próprio Curt Lange aproximando-se, portanto, da coleção de manuscritos musicais vinda anteriormente para o Estado e reforçando, assim, os laços históricos e biográficos entre o eminente musicólogo e o Brasil.

Até os últimos momentos de sua vida, Curt Lange continuou atuante. Poucos meses antes de seu falecimento participou de encontros internacionais na área de musicologia. Sua produção musicológica pode ser conhecida pelas bibliografias já publicadas, entre as quais destacamos a do número especial da Revista Musical de Venezuela (n. X/28, maio-dezembro, 1989), um Festschrift dedicado a Lange por ocasião de seus 85 anos de idade, completados em dezembro de 1988. Há também outra bibliografia publicada por MOURÃO (1990), assim como uma valiosa resenha que MERINO MONTERO (1998) faz dos seis volumes do BLAM (1935-1946), acompanhada de uma competente análise de sua produção musicológica.

Francisco Curt Lange faleceu em 3 de maio de 1997, em Montevidéu, Uruguai, deixando uma grande contribuição para a música e a cultura latino-americanas, contribuição que se multiplica com a disponibilização de seu arquivo pessoal, verdadeiro manancial de conhecimento, fonte para inúmeras pesquisas. Era sua implícita vontade que seu conjunto documental se tornasse objeto de estudo por parte das gerações de pesquisadores futuras, sendo que é nosso dever dar prosseguimento ao seu trabalho, incentivando o acesso e a pesquisa de seus materiais.