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Nº 1334 - Ano 28 - 17.01.2002

O homem que se entregou à natureza

Livro analisa obra do naturalista americano Charles Frederick Hartt,
que viveu no Brasil no século 19

 

o longo do século 19, dezenas de pesquisadores estrangeiros apaixonados pela natureza passaram pelo Brasil. Vindos dos Estados Unidos e da Europa, eles estudaram a vasta riqueza da fauna e flora do País. Entre esses estudiosos que se dedicaram à investigação do ecossistema brasileiro, um dos mais obcecados atendia pelo nome de Charles Frederick Hartt. Canadense naturalizado americano, ele desenvolveu, ao longo de sua trajetória, um extenso trabalho de catalogação e análise. Em seus breves 38 anos de vida, produziu mapas, desenhos, fotografias e artigos, além de coletar objetos, como fósseis e artefatos indígenas.

O pensamento, as "peripécias" e a produção intelectual de Hartt foram investigados com apuro pelo professor de literatura portuguesa e brasileira da Fale, Marcus Vinicius de Freitas. Sua tese de doutorado, defendida em 2000 na Brown University, nos Estados Unidos, deu origem ao livro Charles Frederick Hartt, um naturalista no império de Pedro II, lançado em dezembro pela Editora UFMG. Além de descrever a vida do naturalista, o autor analisa cerca de 50 artigos escritos pelo americano. Mais do que crítica literária de relatos de viagem, a obra traça um perfil dos costumes da época. "É um livro de história da cultura", define Freitas.

Acaso

A idéia de pesquisar a obra e a vida de Hartt surgiu por acaso. Em seu doutorado, Freitas planejava estudar relatos de viagem de estrangeiros que passaram pelo Brasil no século 19. Em visita à Brown University, que aloja um dos maiores arquivos do mundo sobre viajantes nas Américas, descobriu a figura do naturalista. A curiosidade levou o professor a reunir artigos, mapas, desenhos e pinturas de Hartt, que também escreveu livros, como Geologia e Geografia Física do Brasil.

Nascido em 1840, Charles Frederick Hartt mostrava vasto interesse pela natureza já na infância. A mania de colecionar pedras e fósseis transformou-se em paixão. Aos 20 anos, já naturalizado americano, foi estudar Geologia e Paleontologia no Museu de Zoologia Comparada, da Universidade de Harvard, onde seu mestre foi ninguém menos que Louis Agassiz, um dos maiores naturalistas do mundo e contestador das teorias de Charles Darwin. Agassiz era partidário do Criacionismo, teoria segundo a qual Deus seria a explicação de todos os fenômenos naturais. O pensamento de Darwin era diametralmente oposto: a natureza é que fazia suas próprias leis.

Depois de perder credibilidade diante dos cientistas da época, Agassiz promove, em 1865, a imensa expedição Thayer, que chegara ao Brasil em busca de fatos que comprovassem a teoria criacionista. Surge daí o primeiro contato do então assistente Charles Hartt com o País. O grupo de pesquisadores passou 15 meses em terras brasileiras. "Foi o suficiente para que Hartt se apaixonasse pelo Brasil", conta Freitas. A segunda visita acontece em 1870, quando vem por conta própria e passa três meses no arquipelágo de Abrólios, no Sul da Bahia. Já como professor da Universidade de Cornell, organiza a expedição Morgan, período em que Hartt alimenta a idéia de criar um serviço de estudos geológicos no Brasil.

O americano acaba por convencer Dom Pedro II a criar, em 1874, a Comissão Geológica do Império, que investigaria as riquezas naturais de todos os estados brasileiros, com exceção do Rio Grande do Sul, de Goiás e do Mato Grosso. No período em que esteve ativa, a Comissão foi responsável pela coleta de importantes materiais para a investigação geológica brasileira. O problema foi o cancelamento do apoio por parte do imperador. Hartt e sua equipe não puderam dar continuidade aos trabalhos.

Essa história de entrega à natureza durou pouco. Abandonado pela mulher e filhos, a quem nunca dedicou o mesmo amor reservado ao ofício de naturalista, Hartt morreu de febre amarela em 1878, deixando uma herança que ainda não foi descoberta pelas novas gerações.

 

Imagens do ofício de Hartt

O trabalho de Charles Frederick Hartt é até hoje uma grande fonte de estudos. Artigos, fotos, mapas, desenhos e fósseis do naturalista encontram-se em três arquivos no Brasil e três nos Estados Unidos. Boa parte do material ainda não foi catalogado. Através da Lei Rouanet, o professor Marcus Vinicius de Freitas conseguiu patrocínio da Petrobras, que destinará cerca de R$ 70 mil à restauração de fotos guardadas no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Com o apoio da lei, o professor pôde também reunir, em um segundo livro, imagens de objetos, fotografias e desenhos decorrentes das pesquisas do naturalista americano. Hartt: Expedições pelo Brasil Imperial (1865-1878), lançado pela Metalivros, é composto de texto bilíngüe, que apresenta aos leitores amostra importante do trabalho de Hartt.