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Nº 1415 - Ano 29 - 06.11.2003


No olho do redemoinho

Dissertação da Fale investiga a figura do Saci-Pererê na obra de Monteiro Lobato

Maurício Guilherme Silva Júnior

 

os 28 anos, o escritor Monteiro Lobato deixou a fazenda da família em São José do Buquira rumo à capital paulista. Em São Paulo, intrigou-se, ao visitar o Jardim da Luz, com estátuas de gnomos alemães que, apesar do clima tropical, trajavam gorros e roupas de inverno. Naquele momento, Lobato sentiu falta de personagens tipicamente brasileiros em espaço público tão importante. A preocupação do escritor com as manifestações folclóricas seria responsável, no país, pela consolidação de inúmeros mitos, principalmente, o do Saci-Pererê (veja boxe), sempre em destaque nos livros do autor.

Investigar a representação do levado Saci na cultura popular e nos livros do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo foi o objetivo da dissertação de mestrado de Míriam Stella Blonski, defendida em setembro, junto ao curso de pós-graduação em Estudos Literários, da Faculdade de Letras. Durante sua trajetória intelectual, Monteiro Lobato dedicou vasta atenção ao Saci. O primeiro livro do autor paulista, que busca resgatar e compreender o imaginário das pessoas sobre o personagem, é justamente uma coletânea de depoimentos sobre o mito. Além de contar com introdução, comentários e nota final escritos por Lobato, O Saci-Pererê - resultado de um inquérito revela a visão de ex-escravos, moradores do interior e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento acerca do endemoniado menino de uma perna só. Segundo Míriam Blonski, a literatura de Monteiro Lobato praticamente se inicia com esse livro.

No entanto, ao contrário do demoníaco personagem - que até suga o sangue dos cavalos -, descrito por boa parte dos entrevistados no "inquérito", o Saci-Pererê de Lobato ganha rosto de menino e espírito de criança arteira. Além da obra com os depoimentos, a pesquisa de Míriam investigou a aparição do mito nas narrações lobatianas O Saci, que integra as aventuras do Sítio, Histórias diversas e Histórias de Tia Nastácia. "Vivi muitos anos no interior e ouvi muita coisa a respeito do Saci. Queria investigar de que forma Monteiro Lobato contribuiu para a manutenção do mito", afirma a pesquisadora.

Cultura nacional

Com o trabalho, Míriam não só percebeu o papel de Lobato na consolidação do mito, como identificou o porquê de o autor dar tanto destaque ao Saci e a outras figuras populares, como a Cuca ou a Mula-sem-Cabeça. O escritor paulista desejava chamar a atenção dos leitores brasileiros para as legítimas expressões folclóricas nacionais. "Monteiro Lobato aceitava bem as influências estrangeiras, mas não gostava de ver, no Brasil, cópias de personagens europeus. Ele defendia a afirmação da cultura popular do país", explica a pesquisadora.

A cruzada de Lobato foi tão bem-sucedida que muitas crianças brasileiras foram apresentadas a personagens do folclore nacional pelas histórias do escritor.

Made in Brazil

Imortalizado pela obra de Monteiro Lobato, o Saci-Pererê é um mito essencialmente brasileiro que recebeu influência do folclore indígena e da cultura negra. Apesar disso, o personagem foi também representado em vários outros países, como Rússia, Portugal, Alemanha, México e França. Neste último, aliás, há quem veja relação do famoso gorrinho vermelho do Saci com o "barrete frígio", usado na França ao tempo da primeira república.

Outra curiosa análise dos críticos diz respeito à perna única do Saci. O crítico literário José de Souza Martins compreende a ausência como símbolo da "bastardia" étnica. Subtrair o membro seria uma forma de excluir a contribuição africana à cultura brasileira. "Já a única perna do Saci seria a colaboração lusitana", explica Míriam.

 

Dissertação de mestrado: A representação do Saci na cultura popular e em Monteiro Lobato
Autora: Míriam Stella Blonski
Defesa: dia 25 de setembro, junto ao curso de pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG
Orientadora: professora Dilma Castelo Branco Diniz