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Nº 1419 - Ano 29 - 04.12.2003

 

 

Provocações para o debate sobre a
violência no campus

Manuela de Sousa Magalhães*


violência faz parte da agenda do cidadão comum, mas tematizá- la nos dias de hoje traz um duplo risco: muitas vezes a questão é banalizada e em outras ocasiões é depositária de fantasias, medos e demônios, que praticamente só servem para produzir uma sociedade do medo. Nesse cenário, a primeira impressão é de que qualquer ação coibitiva já seria bem-vinda e acatada.

Mas o dinheiro público é um bem de alto valor (e escasso) em países emergentes. Por isso, somos obrigados a planejar de forma integrada para ir além dos esforços de boa vontade que aparecem aqui e ali. Quem se encarregará de monitorar os projetos em curso e em implantação? Assim, a exigência de entender o contexto em que a violência recrudesce, sua gênese e as teorias que explicam suas causas e expressões e orientam modelos de intervenção precisam ser repassadas insistente e permanentemente para quem planifica e detém o controle final dos modelos de segurança e das políticas públicas.

Em todo o mundo, imensos esforços têm sido despendidos na projeção e instituição de sanções e "santuários" de proteção contra a violência. Entretanto, a pergunta que se faz é sobre sua eficácia, e raramente sobre a concepção que está na sua base. Freqüentemente, propõem-se medidas cada vez mais sofisticadas de coibição e repressão, com o objetivo de reforçar ou reorientar estruturas policiais, e quase nunca de acionamento coletivo de estratégias de prevenção. Mas estas ações ficam na órbita do discurso possível, sem serem operacionalizadas. É neste vazio que a academia é convocada a tomar posição e a oferecer saídas, criando condições e estratégias de mobilização.

Temos ouvido narrativas e presenciado cenas de violações ocorridas em universidades brasileiras. Alguns exemplos são o caso da estudante baleada na cantina da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro; o recente seqüestro-relâmpago de um professor no estacionamento da Fafich, além do caso de um professor do ICEx abordado e trancado em seu gabinete de trabalho. Estes são apenas casos pontuais que denunciam a aproximação da violência urbana dos campi universitários e, mais especificamente, da UFMG. Por outro lado, esses acontecimentos também chamam nossa atenção para o fato de que muito pouco tem sido feito no sentido de politizar e tornar público o debate sobre a violência na UFMG e sobre as políticas de segurança em desenvolvimento e implantação neste espaço.

Neste sentido, salvo acontecimentos que atingem as pessoas diretamente e que, de forma absolutamente pontual e isolada, tentam expor os incidentes ou responsabilizar os serviços de segurança institucionalizados, ainda não existem estratégias coletivas de enfrentamento ou espaços de reflexão para discutir a violência no campus.

Preocupado com a despolitização da comunidade universitária diante da questão da violência, um grupo de alunos de graduação do curso de Psicologia, orientado pela professora Karin von Smigay, criou um projeto que objetiva a implantação do Programa de apoio a vítimas de violência no campus da UFMG. O objetivo do programa é abranger questões sobre violência, segurança e vulnerabilidade, transcendendo o discurso individualista do "eu não posso fazer nada" e traçando estratégias coletivas de enfrentamento e de discussão deste tema.

A intenção é criar canais formais para dar visibilidade a possíveis violações que estejam ocorrendo e que ainda não foram registradas ou devidamente tratadas pelos órgãos responsáveis pela segurança no campus, e que muitas vezes circulam através de dispositivos informais (boca-a-boca, boatos), gerando insegurança e isolamento dos membros da comunidade universitária.

Como se sabe, a violência nutre-se na anomia. Por isso, pretendemos criar um modelo com duas vertentes: a primeira seria um disque-denúncia conectado aos programas de segurança já instalados no campus e na cidade de Belo Horizonte. Ele se prestaria a um atendimento individual com escuta e encaminhamento das vítimas de violência, de acordo com a rede de proteção já instalada em BH. A segunda vertente tem caráter preventivo e engloba pesquisa, construção de banco de dados, orientação, mobilização e estabelecimento de redes de proteção como forma de resistir e enfrentar os riscos de violência na UFMG. O modelo do disque-denúncia pode se configurar como um importante canal para dar visibilidade a violações interpessoais que, porventura, não estejam sendo reconhecidas e problematizadas. Ao focarmos essas violações, este grupo pretende alargar o debate sobre violência e segurança para além dos riscos do patrimônio da instituição.

Ansiosos por sugestões e parcerias para a mobilização social da comunidade, pensamos que este é o momento para nos organizarmos e participarmos das ações que já vêm sendo adotadas pela Reitoria e pelos órgãos responsáveis pela segurança no campus. Queremos, por meio de um olhar polissêmico e dependente de seu contexto sócio-histórico, politizar o debate sobre a violência e retirar da administração e dos órgãos de segurança do campus a única responsabilidade sobre o tema.

E é só por meio da criação de espaços de comunicação e debate que a comunidade universitária terá a oportunidade de promover ações coletivas que transformem a realidade.

*Aluna do 8o período de Psicologia da Fafich e integrante do grupo de estágio do Programa de apoio a vítimas de violência na UFMG

 

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