Busca no site da UFMG




Nº 1481 - Ano 31 - 28.4.2005

Cineastas dissecam as entranhas do
filme-documentário

Debate promovido pelo Projeto República trouxe João Morreira Salles e Eduardo Coutinho à UFMG

as especificidades da arte de produzir documentários à representação simbólica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esses foram dois dos assuntos abordados em debate promovido pelo Projeto República, que trouxe à UFMG, no dia 19 de abril, os dois mais prestigiados documentaristas brasileiros: João Moreira Salles e Eduardo Coutinho, diretores, respectivamente, dos filmes Entreatos e Peões, em cartaz em Belo Horizonte.

O papel político do cinema e a relação do fazer documentarista com o processo histórico foram os pontos de partida das discussões. "Eu me atenho a utopias concretas. Trabalho na perspectiva do presente. Afinal, o passado é um fantasma, e o futuro, imprevisível", comentou Eduardo Coutinho, ao criticar a pretensão exacerbada do cineasta que busca transformar o mundo. Para João Moreira Salles, as expectativas que pesam sobre os ombros de documentaristas é muito grande. "É como se o documentário fosse obrigado a mudar o mundo. A obra, no entanto, não pode ser utilitária", disse.


Cena de Entreatos, filme dirigido por João Moreira Sales
Foto: Divulgação

Na opinião de João Moreira Salles, a responsabilidade do cineasta deve concentrar-se na qualidade do filme. "Se busco controlar os efeitos a serem alcançados pelo que filmo, passo a trabalhar em um planfleto", ressaltou, acrescentando que, muita além de respostas, o recorte da realidade proposto pelo documentário estaria justamente na possibilidade de promover a ambigüidade e de estimular a reflexão.

No caso de Entreatos, que revela os bastidores da campanha eleitoral que, em 2002, levou o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, Moreira Salles revelou que o "documento histórico" é representado por nada menos que 170 horas de imagens brutas. Durante 30 dias, a equipe do cineasta acompanhou o ex-operário em sua via-crúcis de campanha. Em vez das imagens dos grandes comícios, as câmeras preocuparam-se em captar as discussões políticas, sociais e econômicas surgidas em pequenas reuniões ou em viagens de avião. "Meu desejo era realizar o documento de algo que nunca mais será visto", disse o cineasta.

Auto-encenação

Como captar um "Lula autêntico", "real", que não recorre à teatralização? "O tempo todo encenamos personagens. As lentes não querem figuras assépticas. Muitas vezes, a encenação, natural, é muito mais interessante", disse o diretor de Entreatos. Eduardo Coutinho reforçou o pensamento de Salles ao relembrar o conceito de "auto-encenação", em que os indivíduos diante das câmeras revelam _ ou compõem _ as noções de si mesmos. Diante de tímidos entrevistados "anônimos", personagens de boa parte da obra de Coutinho, o diretor confessou que recorre a certa "mentirinha": "Digo que eles são as pessoas mais aptas a falarem sobre sua vivência. Mas, no fundo, sabemos muito pouco do que realmente somos", reconheceu.

Ética e relação entre vida pública e privada também foram temas do debate. Para João Moreira Salles, é preciso ter a noção do risco de usar a imagem individual como forma de promover causas universais. "Muitas vezes, o cineasta comete pecados em nome de uma suposta causa maior. É como se as questões coletivas pudessem justificar vidas devassadas", argumentou João Moreira Salles.

O debate foi mediado pela professora Heloísa Starling, do departamento de História da Fafich. Completaram a mesa os professores Eliana Dutra, da História, e Juarez Guimarães, do departamento de Ciência Política.