Busca no site da UFMG

Nº 1535 - Ano 32
15.06.2006

Música no centro da tribo

Livro lançado pela Editora UFMG procura “dar voz” a índios e negros

Kleyson Barbosa

música ocupa lugar central nas culturas indígenas e africanas. Estudos na área de etnomusicologia revelam que, mais do que participar do cotidiano da política e da economia da tribo, índios e africanos passam a maior parte de suas vidas envolvidos com a produção simbólica do fazer musical. Em tribos e aldeias, a música estabelece e reforça elos sociais.

Guiados por esses estudos e pelas palavras de Lévi-Strauss, para quem a música é “o supremo mistério das ciências do homem, contra o qual elas esbarram e que guarda a chave do seu progresso”, os professores Rosângela Pereira de Tugny, da Escola de Música, e Ruben Caixeta de Queiroz, do departamento de Sociologia e Antropologia da Fafich, acabam de lançar Músicas africanas e indígenas no Brasil, livro que resgata a importância da produção musical nessas culturas.

Acompanhado de dois CDs com músicas indígenas e africanas, a obra é resultado do Encontro Internacional de Etnomusicologia, realizado em outubro de 2000, em Belo Horizonte. Na ocasião, líderes indígenas e africanos dividiram espaço na mesa de discussões com pesquisadores e intelectuais. “Esse encontro causou muita estranheza. Foi um choque, porque na nossa imaginação o índio não produz pensamento. E as intervenções deles abalaram esse imaginário”, explica Rosângela de Tugny.
E foi desse “choque” que nasceu a publicação que, segundo a organizadora, representou um esforço de “tradução” das diversas línguas apresentadas no Encontro. Além de abrigar textos de especialistas consagrados no mundo acadêmico, as manifestações orais dos participantes negros e indígenas foram transcritas. “Discutimos muito sobre a transcrição das falas desses participantes, pensando no que há de inaudível em suas vozes e na forma como se apropriaram do português”, explica Tugny. “Será que eles diriam as mesmas coisas se tivessem usado a língua deles?”, questiona.

Folclore

Embora a música indígena seja seu tema central, o livro também destaca a influência da língua na manutenção da produção artística de índios e negros. “A língua é um universo de conhecimento. Quando apagada, essas culturas perdem a música”, explicita Rosângela de Tugny. Em capítulo intitulado O índio na música brasileira: recordando quinhentos anos de esquecimento, o músico e antropólogo Rafael José de Menezes Bastos comenta que a contribuição indígena na música brasileira é desprezada. Bastos afirma que grande parte do universo musical indígena foi apagado da música nacional e relegado à condição de “folclore” nas várias regiões do país.

A pesquisadora do Laboratório de Etnomusicologia da Escola de Música da UFMG, Glaura Lucas, explica que o termo “folclore” carrega conotação pejorativa porque os estudos dessas culturas foram centrados na visão do observador, tratando as produções como algo desvinculado do contexto cultural de seus produtores.

Para compreender melhor a prática musical de índios e africanos, a obra abre espaço para discutir a importância da língua e das demais produções culturais. Segundo Rosângela de Tugny, a presença de músicos índios e negros provoca estranhamento. “A dificuldade está em transformar os sentidos e prestar atenção às diferenças”, comenta.

“Nós somos teimosos”

“A minha aldeia tem sete mil índios, uma aldeia velha, isso fica no Nordeste. Está com uns trinta e tantos anos que estou fora da minha aldeia, só andando nas aldeias dos irmãos. Nós índios, eu sei, é a história que meu avô contava pra minha mãe, fomos muito perseguidos pela polícia pra não falarmos a nossa língua. Se eu sei, sei umas quatro pra cinco palavras, e, mesmo assim, não me pergunta o que é que eu tô dizendo, que não sei. Nós somos teimosos e nós não deixamos o nosso costume: nós temos o nosso Poro, nós temos nosso Rancho, nós temos o Praiá, nós seguramos! E a única coisa que eu perdi foi a língua mesmo”.

(Relato de Bencina Pankararu, 65 anos. Ela nasceu na Aldeia Brejo dos Padres, em Pernambuco. Veio para Minas Gerais em 1994, quando passou a conduzir os Praiá).

 

Nome: Músicas africanas e indígenas no Brasil
Organizadores: Rosângela Pereira de Tugny e Ruben Caixeta de Queiroz
Páginas: 359
Editora: UFMG
Preço: R$ 57,00