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Nº 1535 - Ano 32
15.06.2006

Esquerda versus direita
no jogo da identidade nacional

Ao resgatar o pensamento de clássicos da historiografia , livro discute olhares divergentes sobre o Brasil

Maurício Guilherme Silva Jr.

les representam a força da diversidade. São negros, brancos, mestiços. Diante de milhões de espectadores, revelam-se ágeis, criativos, senhores do próprio destino. Aliás, para externar sua habilidade, invejada nos quatro cantos do mundo, não carecem de títulos ou honrarias acadêmicas. Ao contrário, sem renegar as origens, por vezes marcadas pela escassez, os jogadores da seleção brasileira de futebol redefinem sua identidade. A maestria com a bola serve-lhes de impulso para driblarem a invisibilidade social, transformando-se em símbolos vivos daquilo que o País gostaria de ser.

Eber Faioli
Reis: mediador de olhares sobre o Brasil


“Assim como os jogadores da seleção, o Brasil pode se redefinir”, ressalta o professor José Carlos Reis, do departamento de História da Fafich, que, por meio de tal analogia, revela um dos aspectos do multifacetado significado do termo “identidade”. Autor do recém-lançado As identidades do Brasil 2, de Calmon a Bomfim – A favor do Brasil: direita ou esquerda?, publicado pela editora FGV, Reis propõe o debate e a recriação da imagem dos cidadãos desta antiga colônia portuguesa.

Ao dar prosseguimento às discussões iniciadas em 1999 na obra As identidades do Brasil – de Varnhagen a FHC – já na oitava edição –, o novo livro de José Carlos Reis explora as interpretações do País realizadas por Pedro Calmon, Afonso Arinos, Oliveira Vianna e Manoel Bomfim, respectivamente, nas obras História da Civilização Brasileira (1933), Conceito de civilização brasileira (1936), Evolução do povo brasileiro (1922) e O Brasil nação (1931).

Debate
Em Identidades do Brasil 2, o historiador da UFMG é o mediador crítico do “debate” entre os quatro autores. Nas duas partes da obra, denominadas O descobrimento e O redescobrimento do Brasil, Reis problematiza as diversas construções da identidade brasileira, sejam elas “ingênuas”, “cínicas” ou “trágicas”. Portanto, a ordem das discussões não é cronológica, mas ideológica. Aparecem sob a análise do pesquisador interpretações teóricas de direita – Calmon, Arinos e Vianna – e uma de esquerda, a de Manoel Bomfim, que não só “procura demolir as primeiras”, como busca, “furiosamente”, apresentar “propostas políticas e formas de agir”.

“O livro interpreta discursos essenciais sobre o Brasil”, diz. O público-alvo vai do pesquisador interessado nas nuances sociológicas e historiográficas da identidade nacional ao cidadão preocupado em compreender características fundamentais de sua condição. Neste ponto, pois, acaba por estimular uma série de questionamentos: “Quem somos nós, os brasileiros?”; “Nascer no Brasil é motivo de orgulho ou de vergonha?”; “O que sentimos em conseqüência de nossa nacionalidade?”

Mas o que pensa o brasileiro sobre sua própria identidade? “Ele tem algumas idéias do que seja nascer no Brasil. Contudo, recebe uma identidade pronta, muitas vezes construída pelo Estado, que lhe ensina a passividade, a resignação”, ressalta José Carlos Reis. O problema dessa recepção passiva está na ausência de ação: quem não se conhece, não consegue, como diria o poeta José Paulo Paes, tornar-se “pastor do rebanho” de seus “próprios passos”. “A identidade é um discurso da ação. Contudo, precisamos refletir sobre o que somos para ter noção do que fazer. Não se trata, portanto, de discurso especulativo”, comenta José Carlos Reis.

Imagem
O caminho para (re)criação do País pode estar, justamente, na busca de redefinição da imagem do cidadão brasileiro. “Ainda temos a noção de que o bom é ser louro e de olhos claros. Não há espaço, por exemplo, para as crianças negras no discurso da mídia”, diz. Para retomar a analogia com o futebol, fica clara a idéia de redefinição da imagem nacional: “O futebol é realmente popular. Nele, o mestiço não é visto como alguém à margem do processo social. Na maioria das vezes, ele é o protagonista”, completa.

Até mesmo os princípios de estética física são contestados por José Carlos Reis. Chavões do senso comum, como o que ressalta a feiúra do jogador Ronaldinho Gaúcho, esconde discursos hegemônicos. “Quais são os parâmetros de comparação para que um atleta saudável como ele seja considerado tão feio?”, diz. Segundo o pesquisador, esse discurso, além de produzir “efeito demolidor” sobre a auto-estima dos cidadãos, “não permite ao brasileiro entender que este País é dele”.

Interpretadas à luz das discussões propostas pelos autores analisados por José Carlos Reis, as temáticas do cotidiano, provavelmente, ganharão novos rumos. Afinal, “pré-conceitos” são ideais nascidos, muitas vezes, da falta de interpretação das relações sociais. “A atual ordem capitalista é louca. Por isso, a questão social precisa ser discutida diariamente”, ressalta. Para um País hoje completamente lançado ao mercado mundial, o autoconhecimento parece ser a via única: “Precisamos redescobrir nossa originalidade. Gostaria de ver o Brasil como hoje vejo a seleção brasileira”, conclui Reis.

Livro: As identidades do Brasil 2, de Calmon a Bomfim – A favor do Brasil: direita ou esquerda?
Autor: José Carlos Reis
Editora: FGV
Vendas: consulte a página eletrônica da Editora FGV (www.editora.fgv.br)