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Nº 1585 - Ano 34
08.10.2007

Paisagem da janela

Tese de doutorado propõe novo olhar sobre os recursos hídricos do Vale do Jequitinhonha

Luiz Dumont Jr.

O dicionário Aurélio conceitua paisagem como “espaço de terreno que se abrange num lance de vista”. Esta definição, apesar do viés poético, é apenas parcial, porque exclui aspectos socioculturais que o olhar humano, muitas vezes viciado, não consegue alcançar. É o que diz o pesquisador Vanderlei de Oliveira Ferreira, autor da primeira tese de doutorado em Geografia do Instituto de Geociências (IGC). Intitulado Paisagem, recursos hídricos e desenvolvimento econômico na Bacia do Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais, o estudo foi apresentado em setembro.

Durante quase dois meses, o pesquisador percorreu a Bacia do Rio Jequitinhonha e conheceu de perto sua diversidade. Seu trabalho propõe uma nova forma de olhar a região baseada em metodologia de paisagem que leva em conta as diferenças locais. “Consideramos que a paisagem se manifesta através de uma estrutura. Ao olhar, o que vemos é a materialização de uma série de processos de difícil percepção”, explica.

Para Vanderlei Ferreira, existem diferenças culturais, econômicas e sociais entre as regiões da Bacia do Jequitinhonha que não são levadas em conta por alguns estudiosos. Ele defende uma gestão dos recursos hídricos que considere as especificidades de cada microrregião, para que sejam realizados projetos consistentes de desenvolvimento. “Essa estrutura se manifesta por meio de uma lenta evolução geológica, mas também possui uma dinâmica determinada por alterações sociais e culturais, que acontecem numa escala de tempo reduzida e acabam por influenciar a formação da paisagem”, explica.

Água

O estudo de Vanderlei Ferreira identificou que, apesar do aumento dos índices pluviométricos, a disponibilidade dos recursos hídricos na região vem diminuindo, devido, principalmente, à evaporação de água proveniente do solo e das plantas. Entretanto, ainda há expressivo volume de água no curso do Rio Jequitinhonha. Como exemplo, ele lembra que as comportas da Usina de Irapé (inaugurada em 2006) liberam 13,9 bilhões de litros de água por dia. Desse total, 30% estão disponíveis, por outorga governamental, para o consumo humano, o que representa 3,9 bilhões de litros de água. “Com esse volume, cada pessoa, num universo populacional de 13 milhões de habitantes, pode consumir até 300 litros por dia. É um volume expressivo, já que nas grandes cidades uma pessoa consome, em média, 200 litros ao dia”, compara o pesquisador.

Na prática, porém, a relação entre disponibilidade e consumo de água é muito baixa. Segundo Vanderlei Oliveira, esse índice alcança, no máximo, 2,5% em algumas áreas cobertas pela Bacia. “Isso mostra que a seca na região é um problema político. É preciso oferecer tecnologia para potencializar o uso da água”, defende o pesquisador.

Pobreza e dignidade

Apesar da pobreza, o povo do Vale do Jequitinhonha exibe provas de força e resistência. “É o que chamaria de pobreza digna”, define Vanderlei Ferreira, traduzindo, com outras palavras, o que o escritor Euclides da Cunha constatou há um século: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
“O contato com o povo do Jequitinhonha é interessante. São pessoas muito íntegras. É um tesouro da região”, comenta Oliveira, ao argumentar que, diferentemente das metrópoles, no Vale não há pedintes. Lá as pessoas estão sempre prontas para compartilhar. “Elas oferecem o pouco que têm, um pão de queijo, um café. São sempre muito receptivas”, completa.

Segundo o pesquisador, seu périplo pelo Jequitinhonha proporcionou-lhe rara oportunidade de descobrir a riqueza da região. “Alguns lugares são bem exuberantes, mas bastante diferentes entre si”. Essa heterogeneidade também marca a paisagem cultural. “De um lado do rio vê-se um vaqueiro com chapéu de couro; no outro, o vaqueiro usa boné de marca”, compara.

Tese: Paisagem, recursos hídricos e desenvolvimento econômico na Bacia do Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais
Autor: Vanderlei de Oliveira Ferreira
Defesa: 19 de setembro, junto ao
doutorado em Geografia do IGC
Orientador: professor Allaoua Saadi