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Nº 1596 - Ano 34
11.02.2008

Carnaval sem folia

Segunda edição do Festival de Verão recoloca em cena “fome”
por novas experiências culturais

Ana Maria Vieira

 
 
 
 
 
Fotos: Paulo Cerqueira

Em 2007, foram 280 vagas e igual número de matriculados. Este ano, abriram-se 400, acrescidas por novas 56, uma semana depois. Mas o aumento em torno de 60% verificado entre os dois anos não cobriu a pressão da demanda e muitas pessoas deixaram de se inscrever. Para 2009, já se sabe que serão mais de 600 vagas. Ao menos esta é a previsão preliminar da coordenação do Festival de Verão, evento promovido pela UFMG durante o Carnaval, em Belo Horizonte.

A receita é simples: oferecer oficinas, palestras e minicursos sobre temas da ciência, além de atrações culturais, unindo pessoas de diversas faixas etárias, níveis de renda e de escolaridade. Uma fórmula ousada, mas que, como sinaliza o comportamento dos números, tem recebido do público resposta surpreendente e capaz de suscitar dúvidas sobre a hegemonia do Carnaval nos corações e mentes dos brasileiros.

Uma das atrações do evento com a palestra Moda e etiqueta: a arte de civilizar-se, a consultora de moda Glória Kalil vê o Festival como alternativa à 'ditadura da folia'. “O Carnaval é algo quase impositivo no Brasil; você é obrigado a participar ainda que não esteja a fim. A UFMG dá um passo importante ao oferecer esse evento pluricultural, que contempla tantas atividades interessantes”, analisou a consultora, em encontro com jornalistas mineiros.

Em fase de balanço da segunda edição, e já planejando a de 2009, o coordenador-geral do Festival, professor Maurício Campomori, acredita que a rapidez com que as vagas se esgotaram nas duas versões do evento é um indicador seguro da competência da proposta e de seu potencial de crescimento. Mas, cauteloso, prefere não projetar grandes vôos: “Vamos evoluir paulatinamente e a dimensão do próximo evento dependerá do público”.

O sucesso é reflexo direto das limitadas opções culturais existentes na cidade no período. Mas os números voltam a surpreender ao mostrarem que essa situação não é exclusiva de Belo Horizonte. É o que indicam dados relativos à procedência dos alunos do Festival: este ano, eles vieram de 30 cidades mineiras – além do Rio de Janeiro e de Serra, município capixaba. Em Minas, eles são predominantemente belo-horizontinos: 74%. Mas, nesse perfil, chama a atenção a afluência, bem distribuída, de alunos residentes em cidades da Região Metropolitana de BH e de outros pontos do estado – de Guanhães a Pará de Minas e de Diamantina a Nova Serrana, abrangendo ainda as cidades do Circuito do Ouro e as do Vale do Aço.

Uma diversidade que, além de tornar visível a “fome” disseminada por oportunidades culturais e educacionais diferenciadas, faz eco à possibilidade de o evento tornar-se ponto de atração turística para a cidade. Uma pretensão que se encontra, aliás, em seu nascedouro, quando, há dois anos, a proposta da UFMG de instituir um festival de verão convergiu com a da Belotur, que desejava realizá-lo no período de Carnaval. O risco, associado ao compromisso com a inovação e qualidade na execução da idéia, parece ter valido a pena e abre novos horizontes para atividades de extensão da Universidade e para gestores atentos a demandas do público.

Achado

“A cidade ganhou alternativa cultural”, diz Maurício Campomori, ao refletir sobre o interesse existente pela proposta do Festival, em período aparentemente insólito. A avaliação é compartilhada pelo professor Carlos Antônio Leite Brandão, coordenador da área de Humanidades, Letras e Artes do evento. Analisando sinais do impacto da iniciativa no ambiente cultural da cidade durante o Carnaval, ele considera que o Festival de Verão tornou-se um verdadeiro “achado” para Belo Horizonte, pois conferiu-lhe uma vitalidade até então inexistente nessa época do ano.

Segundo Campomori, a iniciativa evita fórmulas de entretenimento saturadas pela mídia. “Não reproduzimos o que o mercado já faz”, resume. No segmento educacional, a idéia é promover o despertar dos sentidos, entre pessoas comuns, para o conhecimento acadêmico. “Esse é o nosso eixo”, ressalta o professor, ao lembrar que o evento possui um tema permanente – Os sentidos do conhecimento – e se difere dos festivais de arte como o que a própria UFMG promove anualmente durante o inverno, em Diamantina.

Ainda segundo Campomori, a linha do evento pode ser identificada nos modelos de oficinas, que mesclam, entre outras, questões como psicanálise e arquitetura, arte e neurociência, circo e educação ambiental. “Todas as áreas do conhecimento produzido na Universidade foram tratadas de modo interdisciplinar nas atividades”, acrescenta.
“Nosso objetivo é conferir significado ao conhecimento e conhecer a importância dos sentidos”, reforça a professora Débora d’Ávila Reis, coordenadora da área de Ciências da Vida e Saúde, junto com a professora Adlane Vilas-Boas Ferreira. Salientando o fato de o festival levar ao público o estágio da arte de temáticas relacionadas a processos de percepção – consideradas “quentes” na pesquisa acadêmica –, ela lembra que esse é um sinal da atualidade do evento.

Com experiência na área de divulgação científica, a professora do ICB lança novas pistas sobre o sucesso do Festival, ao afirmar que a bagagem por ele proporcionada demonstra que temas de ponta podem ser colocados para todos os públicos.

Uma das responsáveis pela Oficina dos sentidos, Débora explica que, para lidar com tal desafio, é necessário desmistificar a linguagem da ciência. “Sua divulgação também passa pela emoção, pelo prazer, enfim, pelos sentidos das pessoas”, diz.

Entre orquídeas e vinhos

Para o próximo ano, a coordenação do Festival deverá manter o formato que privilegia o vínculo entre campos do
conhecimento, preços simbólicos para suas atividades e abertura a todos os tipos de públicos. Exemplo da originalidade e atualidade dos temas que serão oferecidos já pode ser vislumbrado para a área de Humanidades, Letras e Artes do evento. “Tenho pensado em oficinas que tratam de animação computacional; orquídeas e vinhos; roteiro para produção audiovisual e literatura pós-moderna. Mas isso ainda é só especulação”, antecipa Carlos Antônio Leite Brandão.

Para Maurício Campomori, as atividades da próxima edição do Festival devem reforçar a aproximação da cidade com a academia. “Além dos conteúdos das oficinas, essa interação é facilitada pela realização do evento na Escola de Arquitetura. É provável que a ampliação nos leve para o campus Pampulha, mas, por enquanto, vamos utilizar as instalações da UFMG localizadas no centro da cidade”, prevê.

O Festival de Verão 2008 teve custo de R$ 150 mil e arrecadou cerca de R$ 6 mil. Foi financiado pela Fiocruz, Fundep e Prefeitura de Belo Horizonte.