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Nº 1603 - Ano 34
31.03.2008

Infância roubada

Pesquisa revela que 13,9% das famílias beneficiadas pelo
Bolsa-Escola em BH recorrem ao trabalho infantil para complementar renda

Luiz Dumont Jr.

menino

O trabalho infantil constitui há tempos uma preocupação de governos e organizações ao redor do mundo. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que até 2004 existiam cerca de 218 milhões de crianças e adolescentes trabalhadores no planeta. No Brasil, eram 5,1 milhões em 2006. Para fazer frente a essa realidade, vários programas de transferência de renda foram criados, como o Bolsa-Escola, hoje incluído no Programa Bolsa-Família, que beneficia populações em situação de pobreza.

Ainda assim, famílias bolsistas recorrem ao trabalho dos filhos para complementar seus rendimentos. Para encontrar explicações para esse fenômeno, a médica Michelle dos Santos Diniz realizou uma pesquisa, transformada em dissertação de mestrado, com os beneficiários do Bolsa-Escola em Belo Horizonte. Ela estudou 9.252 famílias favorecidas entre 2003 e 2006 e investigou fatores que caracterizam os beneficiários com registro de trabalho infantil. Desse universo, 1.293 famílias contavam com trabalhadores entre 6 e 15 anos de idade, um percentual de 13,9%, superior à média nacional, de 11,5%, apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Por meio de convênio entre a Faculdade de Medicina e a Prefeitura de Belo Horizonte, iniciado em 2001, a médica teve acesso aos formulários de inscrição do programa e às fichas de acompanhamento, produzidas por técnicos da Prefeitura que visitam as famílias. Segundo a pesquisadora, cada família cadastrada tem um responsável, preferencialmente a mãe, que é obrigado a garantir a freqüência escolar de todos os seus dependentes entre 6 e 15 anos de idade.

E é justamente a freqüência escolar – e não o fato de não contar com crianças trabalhadoras – que garante a manutenção do benefício às famílias cadastradas. “Apesar do combate ao trabalho infantil ser um dos objetivos do programa, este não é um critério de exclusão ou permanência. As crianças trabalham e vão à escola”, argumenta Michelle Diniz, lembrando que a freqüência mínima exigida é de 85%.

Além de identificar as famílias que se valem do trabalho infantil, a pesquisa analisou os fatores associados ao fenômeno. “Percebemos que algumas dessas características estão mais ligadas ao trabalho infantil”, informa a pesquisadora. A que estabelece correlação mais forte é a escolaridade da mãe. “Em casas onde as mães têm baixa escolaridade – menor ou igual a três anos de estudo –, as chances de abrigar crianças que trabalham são maiores”, aponta a médica. Outros fatores importantes são a ausência do cônjuge e a quantidade maior de membros nas famílias.

Subnotificação

Apesar de considerar elevado o índice de 13,9% de trabalho infantil apurado nas famílias que recebem o benefício, Michelle Diniz desconfia que ele ainda pode estar subdimensionado. De acordo com ela, tanto o formulário de cadastro único do Governo Federal quanto as fichas de acompanhamento não contemplam questões específicas sobre trabalho infantil. “Eventualmente, os técnicos da Prefeitura fazem perguntas sobre o assunto durante a visita. Por isso, acreditamos que o dado esteja subnotificado, já que, muitas vezes, resulta de uma resposta espontânea”, explica. “Trabalho de crianças é ilegal, independentemente das regras do Bolsa-Escola. Em função disso e até por receio de que a família seja excluída do programa, muitas mães omitem que os filhos trabalham”, acrescenta.

Para Michelle Diniz, apesar dos percalços, o Bolsa-Escola poderá ter, no futuro, impacto positivo sobre os indicadores sociais. Um dos seus objetivos é aumentar a escolaridade das pessoas de baixa renda. "É importante que o programa garanta a escolaridade de uma menina que será mãe um dia. Isso vai impactar a qualidade de vida do filho dela”, conclui a pesquisadora.

Dissertação: A prática do trabalho infantil entre os beneficiários do programa Bolsa-Escola em Belo Horizonte: um estudo sobre os determinantes sociodemográficos
Autora: Michelle dos Santos Diniz
Orientadora: professora Ada Ávila Assunção
Co-orientadora: professora Waleska Teixeira Caiaffa
Defesa: 14 de março de 2008, junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina