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Nº 1603 - Ano 34
31.03.2008

Pente fino

Coleção da Editora UFMG e Fundação Perseu Abramo propõe leitura crítica de autores pós-64

Ana Maria Vieira

A produção e trajetória profissional de intelectuais e artistas brasileiros que constituíram sua identidade pública após 1964 começam agora a chegar aos leitores sob proposta pouco explorada para essa geração: a leitura crítica de seu percurso. Reunidas na coleção Intelectuais do Brasil, as análises relativas à série de autores consagrados estão circulando no mercado desde 25 de março, com o lançamento dos três primeiros volumes dedicados aos historiadores Boris Fausto e Evaldo Cabral de Mello e ao escritor e crítico literário Silviano Santiago. Os livros, publicados pela Editora UFMG e pela Editora Fundação Perseu Abramo, têm lançamento previsto em São Paulo no dia 9 de abril.

Um dos diferenciais da iniciativa consiste em esquadrinhar a produção exclusivamente de autores vivos. “Tratar da obra de intelectuais vivíssimos, sob encomenda, não resvalando em escrita apenas elogiosa e meio vazia, é coisa que exige disposição quer de quem escreve, quer do próprio sujeito sobre quem se escreve”, registra Ângela de Castro Gomes, cientista política e professora da UFF, encarregada de organizar o volume da coleção que aborda o trabalho de Boris Fausto.

Ângela Gomes realiza extensa análise, inclusive historiográfica, sobre obra inaugural do autor, dedicada à Revolução de 30, e reporta polêmica gerada por um de seus conceitos centrais, o Estado de Compromisso. Tema de sua tese de doutorado, Fausto propunha nova chave para compreender a natureza do movimento – ele seria uma revolução política oriunda de cisões regionais e não de conflitos produzidos pela burguesia e pelas classes médias. Assim, o Estado é personagem central e emerge, ao final, dotado de certa autonomia em relação às forças sociais que o sustentam.

Ângela Gomes relata, nesse aspecto, as discussões provocadas pelo estudo do autor e seu empenho em rever – para depois reafirmar – as próprias teses. Outros intelectuais convidados a revisitar a obra de Boris Fausto também trazem ao leitor informações preciosas de sua singular história familiar e a contribuição em pensar a história nacional a partir de novas fontes documentais e referências extraídas de temas políticos contemporâneos. Keila Grinberg, da Unirio, Sílvia Regina Ferraz Petersen, da UFRGS, e Sérgio Adorno, da USP, são os professores convidados a trabalhar essas questões no conjunto de quatro ensaios sobre Boris Fausto.

Deslocamentos

Já o livro dedicado à leitura de Silviano Santiago apresenta seis ensaios recortados de modo distinto: giram em torno de interpretações de suas experiências e autonomia estéticas; dos enfrentamentos literários, temáticos, sociais e políticos presentes em sua produção e de conceitos-chaves originais – como o “entre-lugar”, espécie de entrecruzamento de discursos e tradições na literatura latino-americana, que ocupa posição central em sua obra ficcional e ensaística.

O mineiro Silviano Santiago é um intelectual, como qualifica uma das autoras convidadas a pensá-lo, a professora da Universidade Federal da Bahia Evelina Hoisel, em constante transmigração entre papéis sociais – de escritor, professor e crítico. Para Eneida Leal Cunha, da mesma univesidade e responsável pela organização do volume, a escrita do autor “alterna e, com até maior freqüência, mescla gêneros discursivos, formas narrativas e estilos literários”. O livro conta ainda com textos dos professores Karl Posso, da Universidade de Manchester, Florencia Garramuño, da Universidade de San Andrés, Raúl Antelo, da UFSC, e Wander Melo Miranda, da UFMG.

Projeto nenhum

O volume que analisa a obra de Evaldo Cabral de Mello é o único a contar com capítulo de comentários do próprio historiador sobre as leituras de seus intérpretes. Ele refuta conceitos de identidade histórica e nega haver criado uma obra em diversos volumes sobre o mesmo tema. “Escrevo cada livro como se fosse o único. Mas como a história é a mesma, os personagens e os temas aparecem e reaparecem”, explica, sem, no entanto, convencer seus críticos.

Autor de obras que adotam perspectivas distintas das do “riocentrismo” no trato da formação nacional, esse pernambucano abraça o regional para desvelar narrativas de uma outra história, e afirma ser impossível “escrever sobre lugares que não conheci e onde não vivi”. Adepto da narrativa de tramas históricas, ele observa que a conexão com os temas selecionados pelo historiador lhe fornecem visão particularíssima do objeto de pesquisa: história, afirma, é como calçar o sapato do morto. “Pode-se dizer que é esse o ‘modelo’ criado por esse autor, dono de uma vasta obra e em tudo avesso a ‘modelos’ ou conceitos fechados”, destaca Lilia Moritz Schwarcz, professora da USP e organizadora do livro sobre o autor pernambucano.

Lilia assina um dos cinco ensaios sobre a obra e trajetória de Evaldo, junto com os professores Pedro Puntoni, da USP, Júnia Ferreira Furtado, da UFMG, Luiz Felipe de Alencastro, da Universidade de Paris-Sorbonne e Stuart Schwartz, da Universidade de Yale. A vice-reitora da UFMG Heloísa Starling participa como uma das entrevistadoras de Evaldo Cabral de Mello. Intelectuais do Brasil é coordenada por Flamarion Maués, Juarez Guimarães Rocha, Heloisa Starling, Nilmário Miranda e Wander Melo Miranda