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Nº 1647 - Ano 35
6.4.2009

O conflito que inspirou os inconfidentes

Trabalho de pós-doutorado, transformado em livro pela Editora UFMG, aborda de forma original a Guerra dos Emboabas

Itamar Rigueira Jr.

A palavra emboaba foi usada pelos paulistas, descobridores dos primeiros veios de ouro em Minas Gerais, para apelidar pejorativamente os “forasteiros” – portugueses e brasileiros de outras origens – que trabalhavam na região na passagem do século 17 para o século 18. E a palavra ganhou destaque na História do Brasil porque esses forasteiros se insurgiram contra a pretensão dos paulistas de administrar as minas. O conflito, que ocorreu entre 1708 e 1709, ficou conhecido como Guerra dos Emboabas.

Trezentos anos depois, e mais de 50 passados desde as últimas abordagens historiográficas mais consistentes, Adriana Romeiro, que é professora do Departamento de História da UFMG, resolveu explorar o tema. “Eu me perguntava se havia algo novo para escrever a respeito do conflito e optei por tentar entender as motivações dos protagonistas e que tipo de cultura política estava por trás daquela ação”, conta a pesquisadora, que é paulista e formada pela Unicamp, da graduação ao doutorado. A pesquisa transformou-se no trabalho de pós-doutorado de Adriana na USP, transformado pela Editora UFMG no livro Paulistas e emboabas no coração das minas – Ideias, práticas e imaginário político no século 18.

De acordo com Adriana Romeiro, os paulistas não lutavam pela posse das minas, mas pela sua administração. E a Guerra dos Emboabas não chegou a ser propriamente uma guerra – não foi nem tão sangrenta nem tão longa. Em pouco tempo, os emboabas conseguiram instalar um governo próprio, obrigando os paulistas a recuar. Essa vitória deveu-se a uma ajuda preciosa: a Coroa Portuguesa aderiu à causa emboaba. “O rei e seus ministros temiam os paulistas, considerados pouco fiéis e civilizados para a tarefa de colonizar uma região tão importante do Império”, explica a professora.

Cultura radical

O conflito teve uma consequência muito importante para a História do Brasil. “Ali se criava uma cultura política peculiar e radical no alvorecer das Minas”, analisa Adriana Romeiro. “A história da capitania seria marcada pela herança inquietante das ideias que nasceram e ganharam corpo na Guerra dos Emboabas.” Segundo a pesquisadora, esse aprendizado dos moradores da região seria decisivo ao longo de todo o século 18, inspirando os inconfidentes de 1789.

A professora da Fafich defende que o conflito representou experiência fundamental para a Coroa, que passou a conduzir com mão de ferro seus domínios na América, sua maior fonte de riqueza. O receio, segundo ela, era que pretensões como a dos paulistas se espalhassem por outras capitanias. “Além disso”, afirma Adriana Romeiro, “estava superada a impressão inicial de que aquele ouro não seria rico e duradouro, mas mera ilusão de descobridores insanos”. Minas Gerais já conquistava status de capitania mais importante da Colônia.

“Paulista em terra de emboabas”, como Adriana Romeiro se define em tom de brincadeira, ela acha que atingiu seu objetivo, o de entender a Guerra sem se posicionar, diferentemente de historiadores da primeira metade do século passado, “autores de análises altamente ideológicas, que tomavam partido e pareciam reeditar no século 20 uma luta do século 18”.

Realizada pela publicação do livro – “devia isso aos mineiros, que me acolheram tão bem e me abriram muitas portas” –, Adriana Romeiro revela que o trabalho, que consumiu seis anos e incluiu viagens por Minas Gerais, Rio de Janeiro e Portugal, marca o final de uma fase de sua pesquisa acadêmica, em torno de temas ligados à cultura política. Essa etapa vai certamente durar na lembrança de Adriana também por causa de um aspecto penoso da pesquisa. “O tema da guerra me obrigou a estudar estratégia militar, tratados sobre artes da guerra, guerrilha e táticas de emboscadas. Para alguém tão pacifista como eu, foi uma empreitada difícil”, ela diz.

Livro: Paulistas e emboabas no coração das minas – Ideias, práticas e imaginário político no século 18
De Adriana Romeiro
Editora UFMG / Coleção Humanitas
431 páginas / R$ 59