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Nº 1651 - Ano 35
4.5.2009

opiniao

A carreira docente, o Reuni e a UFMG:
outro capítulo, a mesma história

Allan Claudius Queiroz Barbosa*

Além de permitir a expansão de vagas de estudantes de graduação no sistema federal de ensino superior, o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), lançado pelo Governo Federal, proporciona às universidades uma rara oportunidade de ampliação de seu quadro docente. Essa situação, que encontra eco nas históricas reivindicações pelo fortalecimento das universidades públicas, pode ser, de imediato, saudada como positiva e de grande impacto na vida universitária.

Não é intenção aqui debater as controvérsias e dúvidas geradas pelo modelo do Governo Federal, mas sua implantação traz consigo a necessidade de uma profunda reflexão sobre o que pode ocasionar a inserção desses entrantes em nossa Universidade, considerando o que eles esperam e o que a instituição espera deles. Isso em um ambiente com uma lógica organizacional pautada pela força das instâncias colegiadas e por um desenho ainda afeito à compartimentalização departamental.

Nessa perspectiva, o aspecto positivo que merece destaque está associado à sempre saudável oxigenação do quadro, que recebe um contingente de professores titulados e já “prontos” no que tange às exigências acadêmicas básicas. São também professores que se enquadram na premissa de excelência da Universidade, em consonância com as transformações do conhecimento e a consequente criação de áreas e cursos.

Entretanto, esse aspecto, por si só, não deve ser visto dissociado do que representa em termos de continuidade de uma cultura acadêmica que não pode ficar obsoleta em relação às exigências de adequação à contemporaneidade. E impõe, além da necessária reflexão, a construção de proposições que possam auxiliar no debate que reforce a posição de liderança da UFMG na geração de conhecimento e preparação de profissionais altamente qualificados para a sociedade.

Assim, fica o desafio maior de impedir a captura dos docentes novatos não pelos cursos e propostas pedagógicas que eles apresentam, mas pela rotina departamental, deixando em segundo plano a ousadia em privilegiar o verdadeiro sentido da Universidade: promover a diversidade e a interação de docentes que atuam em áreas de conhecimento, independentemente dos diferentes departamentos
ou unidades acadêmicas.

Para isso, é imprescindível discutir, em um primeiro momento, como deve estar ligada a inserção dos professores que chegam, em muitos casos, “prontos”, sem passar pelo “ritual” a que foi submetido um grande número de docentes de gerações passadas. Nesse sentido, o desafio da inserção é grande e traz uma reflexão: como criar condições para minimizar o impacto da chegada de docentes que trazem consigo histórias construídas em realidades diferentes daquelas com que passam a conviver, com o natural e esperado desconhecimento de uma cultura historicamente sólida.

Um segundo momento neste debate pode estar associado à discussão sobre qual estrutura a Universidade deve privilegiar considerando a criação de cursos, a admissão de novos professores e a “quebra” dos limites do conhecimento, não mais sujeito a amarras e rigores de uma estrutura que impede seu livre trânsito em sua forma mais pura e socializada.

Nesse sentido, o Reuni vem se somar à flexibilização curricular como possível mecanismo indutor de uma nova prática acadêmica, que exigiria docentes preparados em um ambiente com novas demandas sociais. Essa exigência, por sua vez, poderia levar a Universidade a criar condições para minimizar os impactos de culturas distintas que passam a conviver no mesmo espaço de formação acadêmica e geração do conhecimento.

É importante lembrar que os professores recém-contratados devem continuar mantendo seu vínculo aos departamentos, e serão provavelmente submetidos aos critérios usuais de avaliação interna e externa praticados pela Universidade e pelas agências financiadoras. Ou seja, se de um lado há o ambiente propício à diversidade, de outro permanece o padrão usual de relações pautado pelas rotinas e práticas convencionais. Some-se a isso a falta de tradição acadêmica dos novos cursos e propostas, que pode dificultar a trajetória desses docentes em função da falta de reconhecimento e de consolidação das áreas criadas. Isso, em última instância, pode ser o complicador de uma ”nova” carreira acadêmica, pela dificuldade inerente a esta situação, do que é novo e fora do usual.

Assim, fica o desafio maior de impedir a captura dos docentes novatos não pelos cursos e propostas pedagógicas que eles apresentam, mas pela rotina departamental, deixando em segundo plano a ousadia em privilegiar o verdadeiro sentido da Universidade: promover a diversidade e a interação de docentes que atuam em áreas de conhecimento, independentemente dos diferentes departamentos ou unidades acadêmicas.

Nesse cenário, a carreira docente reforça sua condição de importante aspecto de fortalecimento da universidade pública de qualidade. A UFMG deve estar sempre à frente do debate, aprofundando as reflexões e preparando alternativas capazes de responder ao novo ambiente.

* Professor associado da Faculdade de Ciências Econômicas (Face)

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