Busca no site da UFMG

Nº 1652 - Ano 35
11.5.2009

opiniao

Educação Big Brother

* Marcos Fabrício Lopes da Silva

Qual é o projeto educacional que sustenta a maneira “big brother” de ver o mundo, programada pela Rede Globo? Sucesso de audiência, ao oferecer entretenimento camuflado de diversão, esta versão pós-moderna da encenação da vida humana foi criada originalmente por John de Mol e Joop van den Ende, em 1999, na Holanda. Naquela oportunidade, o reality show recebeu o título de Big Brother, cuja proposta foi incorporada no Brasil pela Rede Globo, responsável pelas edições anuais do programa, desde 2001. O termo já fora usado pelo romancista britânico George Orwell, em seu livro 1984, para designar um olho eletrônico que espionava as pessoas com o intuito de manter o domínio de um Estado totalitário sobre tudo e todos.

Trata-se de um programa televisivo que consiste no confinamento voluntário em uma casa de pessoas que se dispõem a ser filmadas durante todo o tempo que ali permanecerem. A finalidade última do jogo, após sucessivas e periódicas eliminações dos participantes, é que apenas uma pessoa consiga permanecer, o que lhe dará o direito de receber um grande prêmio em dinheiro. O telespectador acompanha o programa assistindo diariamente a imagens, ao vivo ou previamente editadas, de tudo o que ocorre entre os participantes, desde os atos mais cotidianos até conflitos, brigas e namoros. Para atrair o público, enriquecer as imagens e adequar-se à lógica televisiva, a construção simbólica do programa é feita a partir de tarefas e desafios propostos aos participantes e que desencadeiam reações, atitudes e conflitos entre eles. Há também um apresentador com a função de organizar o programa, interagindo com os participantes, direcionando os julgamentos e opiniões dos telespectadores e mediando as diversas situações. Por meio da sedução televisiva do espectador, mobilizam-se aspectos primitivos de seu psiquismo, fazendo com que ele se sinta narcisicamente poderoso e onipotente e se acredite dono do destino dos participantes do programa.

O Big Brother se insere dentro do contexto pós-moderno chefiado pela revolução tecnoeletrônica. Como ícone deste atual momento, temos a velocidade que está a serviço da otimização das performances, no tocante à produtividade, ao consumo e ao ganho de capital. O instantâneo e o descartável passaram a permear nossa experiência, desde os utensílios que empregamos no dia a dia até a nossa maneira de pensar, viver e nos relacionar. Observa-se que a estética superou a ética como foco de interesse intelectual e social; as imagens dominaram as narrativas; o efêmero e o fragmentário triunfaram sobre os valores perenes e universais. Em outras palavras, ocorreu a hegemonia do significante sobre o significado, o que deslocou a importância da História para um segundo plano e imprimiu valor à forma e à imagem. Assim, os relacionamentos sociais mediados pela mídia concorreram para a redução dos encontros ao vivo e alimentaram os de natureza virtual.

Assolado pela angústia frente à perda de contato com sua própria subjetividade, pressionado pela velocidade do mundo da produção, destituído de seu lugar de agente nas relações sociais, o ser humano busca eco para suas vivências em reality shows. Atraídos pelo fútil, pela curiosidade ávida de sensacionalismo e pela excitação banal, deixando de lado nossa potência de pensar e agir, o Big Brother nos proporciona toda essa violência mortífera, adormecendo, assim, nossa capacidade crítica já tão abalada pela alienação de nossas consciências. O prazer de assistir ao programa também advém da crença de que o outro vive o drama da sobrevivência em nosso lugar: tornamo-nos ingênuos e pueris, por um lado, e sádicos e triunfantes, por outro.

A versão pós-moderna do teatro grego aparece destituída da profundidade do drama e do impacto da tragédia. O que se vê no Big Brother é a pulverização dos relacionamentos em atitudes impulsivas, intrigas e falas desarticuladas, denotando manifestações emocionais caricatas e previsíveis. A audiência do programa é grande graças à debilidade e nulidade do espetáculo: as pessoas assistem porque ali se reconhecem e/ou para se sentirem menos idiotas que os protagonistas. Reafirmando essas colocações, pode-se dizer que, em um estilo “fast-food”, engolimos as ações-reações de personagens vazios, que lutam cegamente por sua sobrevivência individual.

Diante disso, parece que já não somos capazes de mergulhar na fantasia, no jogo de sombra e luz da ficção e que vai demandar a ação do pensamento enquanto abstração, análise e síntese. Assim, não há o que pensar, há apenas o que consumir. Os brinquedos ganharam vida pela magia sedutora das câmeras escondidas do Big Brother. Além de todos os artefatos tecnológicos, desejamos agora brincar com “gente de verdade”. Retrato da contemporaneidade, este reality show revela a morte do sujeito, a fugacidade das experiências vividas, a desvalorização da história e o culto à imagem e à superficialidade. Na contramão da diversão como “ócio criativo”, atitude fundamental para o desenvolvimento da cultura, conforme salienta o sociólogo Domenico de Masi, o projeto educacional que sustenta a maneira “big brother” de ver o mundo, programada no Brasil pela Rede Globo, se pauta pelo entretenimento ou “ócio desprezível”, segundo acepção formulada pelos comunicólogos Adriano Gonçalves, Isabela Rocha, Márcia Pereira, Edson Maciel e Felype Silva. Educação “big brother” significa, portanto, subdesenvolvimento existencial do respeitável público.

* Jornalista, formado pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG

Esta página é reservada a manifestações da comunidade universitária, através de artigos ou cartas. Para ser publicado, o texto deverá versar sobre assunto que envolva a Universidade e a comunidade, mas de enfoque não particularizado. Deverá ter de 4.000 a 4.500 caracteres (sem espaços) ou de 57 a 64 linhas de 70 toques e indicar o nome completo do autor, telefone ou correio eletrônico de contato. A publicação de réplicas ou tréplicas ficará a critério da redação. São de responsabilidade exclusiva de seus autores as opiniões expressas nos textos. Na falta destes, o BOLETIM encomenda textos ou reproduz artigos que possam estimular o debate sobre a universidade e a educação brasileira.