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Nº 1652 - Ano 35
11.5.2009

Originada dos caminhos que levavam às reservas de ouro e diamantes da capitania de Minas Gerais no século 18 e parte do 19. Em torno dela, formaram-se 179 municípios em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Sob a lógica do hipertexto

Pesquisa desenvolvida na Fale analisou rede de elementos envolvidos na tradução da literatura para a música

Itamar Rigueira Jr.

Filipe Chaves
Luciana Dutra: artes deixam pontas por todos os lados

Seria possível aplicar a ideia de hipertexto, que remete ao modo de leitura na Internet, no estudo da criação musical? Pois as perspectivas teóricas do hipertexto, aliadas, entre outras, à teoria da transcriação, dos irmãos Haroldo e Humberto de Campos, orientaram uma pesquisa sobre relações tradutórias na música de câmara, envolvendo compositor, poeta e intérprete. Luciana Monteiro de Castro Silva Dutra, professora da Escola de Música da UFMG, analisou a suíte de oito canções Líricas, op. 25, da carioca Helza Camêu (1903-1995), escrita sobre poemas de Manuel Bandeira (1886-1968). O trabalho resultou em tese defendida este ano na Pós-Graduação em Estudos Literários da Fale.

Preocupada em valorizar a canção de câmara, em especial a canção brasileira, Luciana Dutra escolheu “um poeta reconhecido como genial e uma compositora genial e esquecida”. Autora de mais de 300 obras e fundadora da Academia Brasileira de Música, Helza Camêu já havia sido estudada por Luciana durante o mestrado.

Luciana Dutra lembra que a construção do hipertexto é semelhante à do pensamento – multilinear e capaz de coletar elementos heterogêneos. E que as obras de arte “têm pontas para todos os lados”, ou seja, no caso da música cantada, concilia as referências literárias do compositor e do próprio poeta, detalhes da interpretação e até as características de cada público, entre inumeráveis aspectos. “Posso pensar cada canção como uma rede, usando a lógica do hipertexto”, diz a pesquisadora, que considerou diferentes interações. Por exemplo, a música de Helza, leitora do simbolista Bandeira, dialoga com a do francês Claude Débussy (1862-1918), que musicou autores simbolistas. E Manuel Bandeira, por sua vez, não construiu sua obra do nada: leu Verlaine, Rimbaud e Camões e escreveu muito durante tratamento de uma tuberculose.

“As conexões são múltiplas, e o conceito de hipertextualidade se aplica perfeitamente porque estamos falando da interação de elementos de naturezas diferentes, intrínsecos e extrínsecos à canção”, ela explica. Os caminhos dessa rede devem ser percorridos com precisão pelo intérprete, que tem como tarefa uma operação tradutória múltipla e heterogênea. “Ele será o próprio autor, o personagem, o narrador, o interlocutor”, continua Luciana Dutra, cantora que guardou o diploma de engenharia civil, logo depois de formada, para se dedicar à música – graduou-se e fez o mestrado na escola onde hoje leciona.

Narrativa nova

Para produzir sua tese, Luciana Dutra tirou partido da recente abertura da música a outras áreas, como a semiótica e a ciência da computação. E expandiu a teoria que orienta a tradução de poemas entre idiomas para a linguagem da música. Para a pesquisadora, o processo de composição de Helza Camêu construiu, com os oito poemas – retirados dos livros Cinza das horas, Lira dos cinquent’anos e Carnaval –, uma narrativa nova, que seria uma história confessional de Manuel Bandeira. “Acho que a própria compositora se vê naquelas canções. Ela teria feito, então, uma outra tradução, já que a primeira é a do próprio poeta, que não faz uma autobiografia, mas interpreta sua própria vida”, discorre Luciana, que faz uma analogia com o cinema e seus diversos planos de tradução – envolvendo roteirista, diretor, atores.

Assim como acontece com quem navega na Internet, a leitura hipertextual exigida pela própria natureza interdisciplinar do estudo levou a pesquisadora “a trilhas imprevisíveis, que muitas vezes me distanciaram das metas”. Mas, ainda como Luciana afirma na conclusão da tese, ela regressou sempre à rota prevista: “Reaproximei-me dos ‘nós’ e das ‘interfaces’ principais, tendo a tradução se revelado como um dos mais abrangentes e eficazes meios de conexão entre elementos textuais, intertextuais, hipertextuais e contextuais da canção de câmara”.

Tese de doutorado: Traduções da lírica de Manuel Bnadeira na canção de câmara de Helza Camêu
Autora: Luciana Monteiro de Castro Silva Dutra
Orientadora: Maria Antonieta Pereira
Defesa: março de 2009, no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras