Busca no site da UFMG

Nº 1665 - Ano 35
31.8.2009

Passarinho bebe?

Pesquisas avaliam qualidade da água de chuva para consumo humano em BH e no Vale do Jequitinhonha

Ana Maria Vieira

É seguro consumir água de chuva captada em telhados da capital mineira? À primeira vista, não, levando em conta o volume de resíduos depositados nesses locais e a poluição atmosférica. Mas, surpreendentemente, dependendo do volume descartado das primeiras águas, que varrem a sujeira acumulada nas telhas, diversos indicadores que atestam sua qualidade podem atingir padrões oficiais de potabilidade.

“Do ponto de vista de segurança, quando maior a quantidade descartada, melhor a qualidade dessa água”, atesta o professor Valter Lúcio de Pádua, da Escola de Engenharia, coordenador de linha de pesquisa na UFMG sobre qualidade e tratamento de água para consumo humano.

Orientador de dissertação de mestrado defendida recentemente sobre o tema, Pádua relata que diversos elementos físico-químicos e microbiológicos dessas águas foram avaliados pelo estudo, relacionando tipos de telhados usados em sua captação, qualidade do ar em regiões da cidade e o volume descartado necessário ao seu aproveitamento. Os parâmetros analisados incluíram incidência de coliformes totais e Escherichia coli, além de características físico-químicas: PH, turbidez, cor aparente, alcalinidade, dureza e teores de sulfato, ferro, manganês e chumbo.

A pesquisa foi realizada entre março de 2008 e janeiro deste ano por Manuelle Prado Cardoso, autora da dissertação. Para coletar a água de chuva, foram instalados dispositivos que simulavam telhados no bairro Santa Amélia, na região da Pampulha, e na Escola de Engenharia, no Centro da cidade. “A escolha dos dois locais deveu-se à diferente exposição à poluição a que eles estão submetidos”, registra Manuelle em sua dissertação. Além disso, foram avaliados dois tipos de telhados: o cerâmico e o metálico. De modo geral, relata a pesquisadora, as águas captadas por telhas metálicas em área menos poluída da Pampulha apresentaram bom índice de qualidade, quanto à potabilidade.

No entanto, os parâmetros coliformes totais, cor aparente, turbidez e ferro não atingiram o padrão recomendado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e pelo Ministério da Saúde quando foram descartados dois litros de água por metro quadrado de telhado, conforme indicado. Volumes maiores de descarte e outras medidas sanitárias poderiam, em tese, torná-la potável.

Pinga no chão

Além de verificar os parâmetros de potabilidade, a pesquisa procurou conhecer a percepção e receptividade dos belo-horizontinos sobre o aproveitamento da água de chuva para outros fins, como descarga sanitária, lavagem de áreas externas e irrigação de plantas – que representam até 30% do consumo humano. De acordo com Pádua, uma residência de cem metros quadrados, em Belo Horizonte, pode armazenar 160 mil litros de água ao ano. Como o consumo individual diário é estimado em 200 litros, uma família conseguiria grande economia. Apesar dos números, a pesquisa mostra que a população, sensível ao problema ambiental, ainda é desinformada sobre as formas de captação – pensa que basta colher em vasilhames a chuva que pinga das calhas – e pouco propensa a assumir os custos de sua instalação.

A difusão do sistema na cidade encontra outras restrições. Ainda que simples – a água do telhado é coletada em calhas ligadas a uma tubulação e levada até um reservatório –, a rede requer espaço físico hoje inexistente nas grandes cidades. O estímulo deveria vir, como observa Pádua, de legislação que regulamentasse o uso das águas de chuva em Belo Horizonte, a exemplo do que ocorre em outras cidades do país e do exterior, evitando o uso da água potável em atividades menos nobres.

Crença que resfria

Em junho, um grupo de 20 alunos da UFMG, a maioria do curso de engenharia civil, deslocou-se até Berilo, no Vale do Jequitinhonha, para uma missão nobre: promover educação sanitária, trocar experiências e reforçar o treinamento de pedreiros responsáveis pela construção de cisternas que armazenam água de chuva.

A região, localizada no semiárido brasileiro, recebe chuvas em apenas alguns meses do ano, de forma concentrada. Com o difícil acesso à água, as cisternas cumprem função vital para muitos moradores das áreas rurais. Sua construção integra programa federal, que também investe em estudos e atividades de extensão protagonizadas por universidades, entre as quais a UFMG.

A má qualidade da água na região do semiárido é responsável por 25% das mortes infantis por diarreias, conforme informa dissertação de mestrado que avaliou os problemas construtivos e os índices de potabilidade das cisternas na região. De autoria de Carolina Ventura da Silva, o estudo mostra que métodos inadequados de retirada de água das cisternas e os baixos índices de limpeza e desinfecção são responsáveis por sua contaminação microbiológica e de matéria orgânica, representada por valores elevados de E.coli, C.perfringens e nitrato.

“Constatou-se que o processo de desinfecção era realizado por apenas 38% das famílias”, escreve a pesquisadora, que chama atenção para outras fontes de contaminação geradas por crenças mais tradicionais: ao realizar vistoria no interior das cisternas, notou a presença de pererecas em algumas delas. “Ao serem questionados se achavam esses animais prejudiciais à qualidade da água, os moradores declararam que os consideravam até benéficos, pois tinham o poder de resfriar a água, por terem a pele gelada.”