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Nº 1670 - Ano 36
5.10.2009


“A modernidade resgata o espírito de aldeia”

Flávio de Almeida

Em entrevista ao BOLETIM, o artista Arnaldo Antunes analisa as afinidades do seu trabalho com a ideia de transdisciplinaridade, que rompe com as rígidas fronteiras disciplinares. “Nunca me senti um artista especializado. Isso tem a ver com a minha personalidade de artista ansioso por buscar os diferentes meios de expressão e com a adaptação a um tempo em que as fronteiras entre as linguagens estão cada vez mais dissolvidas”, comenta. Ele também antecipa alguns detalhes da performance que fará na UFMG – uma leitura de poemas recheada de recursos sonoros – e fala sobre a influência da palavra e da expressão poética em sua criação artística.

Você pode adiantar alguma coisa da performance que apresentará na UFMG?

Farei uma leitura de poemas. Só que eu utilizo vários efeitos que duplicam minha voz, como layers e samplers, que vão sobrepondo várias camadas de vozes, alguns efeitos de distorção e coisas do gênero. Em algumas, uso algum material pré-gravado sobre o qual faço uma voz ao vivo. Mas o grande barato dessa performance são mesmo os registros de voz. Há poemas entoados, outros quase cantados, falados, sussurrados e até gritados. E há também a questão do ritmo. Observando o ritmo do poema, procuro fazer leituras cadenciadas que acabam gerando quase uma coisa musical.

Como é feita a seleção dos poemas?

São todos de minha autoria, produzidos em momentos diferentes. A maioria já foi publicada, mas as leituras são bem desconhecidas, até porque é muito raro eu fazer esse tipo de intervenção, principalmente aqui no Brasil. No exterior, já apresentei a performance mais vezes, em festivais de poesia e literatura.

O seu trabalho mantém algum diálogo com a academia?

Meu trabalho não tem uma conexão educacional. Existem obras e teses baseadas nele e alguns poemas estudados em sala de aula. Sei também que algumas músicas minhas inspiram questões de vestibulares. Mas eu não tenho nenhum projeto direcionado para a universidade.

A Universidade trabalha hoje com a ideia de transdisciplinaridade, que subverte as rígidas fronteiras disciplinares. E há na academia o entendimento de que o seu trabalho no campo das artes também é um pouco transdisciplinar. Como as diferentes expressões artísticas inspiram e influenciam o seu trabalho?

Eu nunca me senti um artista especializado. Por um lado, isso tem a ver com a minha personalidade de artista ansioso por buscar os diferentes meios de expressão. Por outro, interpreto como um sintoma de adaptação a um tempo em que as fronteiras entre as linguagens estão cada vez mais dissolvidas. Isso é produto da modernidade, que gerou o cinema, as instalações, as performances, as artes interativas, e se radicalizou com a tecnologia digital. Hoje, abrimos um site e lá estão informações em forma de música, texto, imagem e animação. São várias linguagens reunidas no mesmo meio. Vivemos uma época propícia para esse tipo de trânsito entre os sentidos, de certa forma, uma religação dos sentidos do homem. Não no sentido religioso, mas no sentido pagão mesmo. Uma comunidade indígena não diferencia linguagens como nós fazemos. Lá a música está sempre ligada à dança, ao culto, enfim, não há separação entre arte e vida. Essa distinção foi criada pelo homem civilizado ao longo da história e, de certa forma, a modernidade resgata um pouco esse espírito tribal, de aldeia. Imagino que talvez seja esse um dos sentidos a ser atribuído hoje à expressão “aldeia global”, de McLuhan. Um espírito de aldeia dentro de um mundo tecnologizado. No meu caso, acho que a palavra serve como interseção entre as diferentes linguagens. Eu não faço música instrumental. Componho canções que envolvem palavra cantada. Também não me vejo como artista plástico. Eu lido com poesia visual. Os trabalhos podem até prescindir da palavra, mas não prescindem da significação poética. Eles estão na interface da palavra ou da poesia com outras linguagens.

Você declarou certa vez que a Marisa Monte revela significados ocultos nas palavras. O que você tem a dizer sobre ela e outros artistas com os quais trabalha?

Na música popular, eu tenho muitos parceiros. Eu gosto de trabalhar em parcerias, que considero um exercício excitante e provocativo de adequação à linguagem de outro artista. Acabo fazendo coisas que sozinho não faria. Música popular carrega essa tradição de colaboração entre os artistas, talvez mais do que em qualquer outra área criativa.

Que projetos tem para um futuro próximo?

Meu foco hoje é o Iê-iê-iê, meu último disco, e que resultou no show que estreei há algumas semanas. O disco tenta revitalizar um pouco esse gênero, espécie de nascedouro do rock no Brasil, e em trono do qual estou muito envolvido. Meu foco é esse, mas estou sempre preparando coisas novas. Tenho um livro de poemas praticamente pronto e devo lançá-lo em março do ano que vem. Há também um volume de ensaios que estou chamando de Outros 40, que funciona como sequência ao livro 40 escritos, previsto para o segundo semestre de 2010. E acabei de montar uma exposição de artes no Paço da Liberdade, em Curitiba.