Busca no site da UFMG

Nº 1720 - Ano 37
22.11.2010

Livres para MIGRAR

Pesquisadores da UFMG usam canal experimental construído no rio Madeira para estudar transposição de peixes amazônicos

Ana Rita Araújo

Foto:Alexandre Godinh
wander_melo_foto_foca_lisboa.jpg
Canal construído no rio Madeira: observação do comportamento migratório de peixes

Nos próximos anos, duas usinas hidrelétricas de grande porte – Santo Antônio e Jirau – vão compor a paisagem do rio Madeira (RO), importante afluente do rio Amazonas. Mas o investimento de aproximadamente R$ 18 bilhões estaria comprometido se as obras não garantissem caminho livre para as espécies de peixes migratórios que, anualmente, atravessam quase toda a extensão da bacia amazônica.

Para ajudar na definição das características específicas das passagens de peixes que integrarão as obras das barragens, foi construído em uma das margens do rio, na altura da cachoeira de Teotônio, canal experimental inédito no país. Com 51 metros de comprimento por 3,75 metros de largura, o canal permitiu à equipe do professor Alexandre Godinho, do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), estudar o comportamento dos peixes em diferentes condições de velocidade e turbulência da água.

Os principais testes foram realizados de fevereiro a abril deste ano, período em que o canal oferecia condições ideais para simulação do leito do rio Madeira. “Com os experimentos feitos poderemos projetar mecanismos de transposição de peixes mais eficientes”, explica Godinho, ao destacar que esse modelo experimental é diferente de outros existentes, já que suas dimensões o transformam no primeiro no Brasil e na América Latina. “Só conheço um canal experimental desse porte, nos Estados Unidos. E a Cemig tem a perspectiva de construir um aqui em Minas Gerais”, informa.

Segundo Godinho, um dos testes realizados focalizou o comportamento migratório da dourada, peixe de couro (sem escamas) de grande importância para a pesca comercial na bacia amazônica. “Essa espécie normalmente nada em regiões mais profundas do rio, por isso tivemos que projetar uma passagem que permitisse sua entrada”, comenta o pesquisador, ao justificar a construção de uma estrutura com abertura de 20 metros de profundidade por quatro de largura. A geometria dessa abertura criará características não usuais dentro da passagem, como turbulência e velocidade, que precisam ser adequadas para permitir que os peixes subam. “Precisamos saber, antes da construção, quais condições hidráulicas devemos oferecer aos peixes”, esclarece.

Os primeiros testes foram feitos com pedras dentro do canal para reduzir a velocidade da água, mas as condições hidráulicas eram inadequadas. Também foi testado o uso de manilhas, que não deram bom resultado. “Optamos por outro sistema, composto por paredes transversais com ranhuras verticais que permitem a passagem dos peixes”, conta Godinho.

As conclusões dos testes podem servir de modelo para outros rios em que seja necessário abrir caminho para a circulação de peixes de fundo de rio. A equipe de Alexandre Godinho também está projetando mecanismo semelhante para o rio Xingu, na represa de Belo Monte. “A concepção é baseada nesse trabalho”, informa.

A construção do canal experimental, assim como das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, está a cargo do consórcio Santo Antônio Energia.

Migração

Foto: Foca Lisboa
wander_melo_foto_foca_lisboa.jpg
Alexandre Godinho: estudos podem servir de base para outros lugares que necessitem de mecanismos de transposição

Alexandre Godinho, que trabalha com transposição de peixes desde a década de 1990, explica que muitos peixes já nascem migrando e mantêm esse comportamento em diferentes fases da vida, por motivos diversos. “Assim, no mesmo ponto de um rio, na mesma época do ano, há espécies subindo e outras descendo”, diz. Os filhotes da dourada, por exemplo, são encontrados nos chamados berçários, na foz do rio Amazonas. De lá seguem em direção à região oeste da bacia, onde ficam os sítios de desova, um dos quais no Madeira, no trecho localizado na Bolívia. Quando os peixes passam em Porto Velho (RO) ainda estão jovens, com 12 ou 15 quilos. Continuam se deslocando e vão atingir a maturidade e desovar a aproximadamente 1,5 mil quilômetros da capital de Rondônia, e não voltam mais. “Quem passa fazendo esse caminho inverso são os filhotes, com poucos centímetros, que se dirigem ao berçário, e daí a alguns anos retornam aos sítios de desova”, conta Godinho.

Segundo informações da empresa Eletrobras Furnas, com os trabalhos de implantação da usina de Santo Antônio foram registradas mais de 600 espécies de peixes, 30 das quais não descritas pela ciência.