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Nº 1753 - Ano 38
17.10.2011

opiniao

FINANCIAMENTO à pesquisa em educação:
a necessidade de INTEGRAÇÃO*

Luciano Mendes de Faria Filho**

Em artigo publicado aqui mesmo no JC E-mail, chamei a atenção para o fato de que boa parte da pesquisa de qualidade que se faz no campo da educação no Brasil tem relativamente pouco impacto na melhoria da escola básica devido à interveniência de fatores, notadamente ligados às políticas educacionais, que fogem do controle dos próprios pesquisadores. O mesmo acontece em várias outras áreas do conhecimento (saúde, transporte público, habitação, para citar apenas algumas) em que a excelência da pesquisa acadêmica convive com baixa qualidade dos serviços prestados à população.

Gostaria, aqui, de argumentar, também, que um dos fatores que acabam por inibir maior contribuição da pesquisa em educação para a melhoria da escola pública no Brasil é a própria forma como se dá o financiamento desta pesquisa. Não se pode negar que há, hoje, um conjunto bastante grande de modalidades de financiamento da pesquisa em educação nas diferentes áreas da administração pública. No plano federal, pode-se contar com recursos advindos do Ministério da Ciência e Tecnologia-CNPq, via, sobretudo, editais Universal e Ciências Humanas, e do MEC-Capes, tanto na modalidade Observatórios da Educação quanto na forma de editais publicados por diferentes secretarias do Ministério. Já no plano estadual, é crescente o número de fundações de fomento que mantêm programas e/ou editais de financiamento à pesquisa em educação e não são poucas as secretarias de estado da Educação que encomendam estudos sobre a área. Finalmente, observa-se que, de norte a sul do país, há crescente demanda dos municípios por investigações sobre as escolas sob sua responsabilidade.

Se tal visada é verdadeira, então onde estaria o problema? Um dos principais problemas, visíveis já na descrição feita acima, é que há grande número de instituições e formas de financiamento, mas quase nenhuma articulação ou integração entre elas. Há, inclusive, ocasiões em que órgãos da mesma secretaria ou ministérios financiam estudos sobre a mesma rede de ensino – algumas vezes sobre a mesma escola – por meio de editais diferentes (quando há editais), sem que haja o mínimo diálogo entre tais iniciativas ou mesmo entre os pesquisadores que delas se ocupam.

Um dos principais problemas é que há um grande número de instituições e formas de financiamento, mas quase nenhuma articulação ou integração entre elas

O mesmo acontece, por exemplo, nos editais Universal e Ciências Humanas, os quais, mesmo levando em conta a relevância social dos projetos, acabam por atender a demandas individuais ou, no máximo, de pequenos grupos, segundo sua relevância para o campo acadêmico em que se inserem, sem que seja possível delinear uma clara política de financiamento baseada nas prioridades postas pelo sistema escolar como um todo. Mesmo os editais dos Observatórios da Educação, talvez a iniciativa mais integrada de financiamento da pesquisa na área, acabam impactados negativamente em suas possibilidades pela ausência de integração com as demais políticas de fomento desenvolvidas nas três esferas da administração pública.

Muitos podem dizer, de forma acertada, que esta desintegração resulta da (e acaba por fortalecer a) falta de integração das próprias políticas de educação. Isto é verdade, mas não pode ser motivo para que nos neguemos a avançar na superação do problema. Talvez uma política de financiamento mais integrada possa contribuir, inclusive, para a constituição de um verdadeiro Sistema de Nacional de Educação no país, conforme previsto em nossa Constituição.

Sendo a educação escolar um problema de natureza complexa – talvez o mais complexo dos serviços públicos estatais –, com abrangência e problemática que não obedecem a fronteiras, apesar das “fronteiras” interpostas pelas diferenciadas responsabilidades dos entes federados, o que se espera é que possamos avançar na constituição de formas integradas de enfrentamento das dificuldades que hoje se apresentam para a escola pública brasileira.

Não sendo a única dessas formas, uma política de financiamento integrado poderia, a exemplo do Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), fazer com que os gestores dos sistemas (Ministério da Educação e secretarias estaduais e municipais) e dos organismos de financiamento da pesquisa (Capes, CNPq, FAPs/Confap), os professores da educação básica e os pesquisadores, possam, num debate democrático e transparente, definir prioridades e as respectivas responsabilidades.

Tal iniciativa, como na área de saúde, em nada inibiria a participação dos pesquisadores em editais universais para levar a efeito seus estudos acadêmicos pessoais e/ou de seus grupos, e poderia ser, em contrapartida, um poderoso instrumento de elevação da qualidade da escola pública no Brasil por meio da produção e disseminação de conhecimentos sobre os grandes nós da educação brasileira.

*Artigo publicado no JC-Email, veículo online da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 10 d eoutubro
**Professor da UFMG e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil- 1822/2022.

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