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Nº 1757 - Ano 38
14.11.2011

opiniao

Na CARANGOLA

Pedro e Júnia Lobato*

Em março de 1969, uma das quatro salas de aula da parte central do 7o andar do prédio da Fafich-UFMG, na Rua Carangola, 288, recebeu nova turma de calouros, aprovada no vestibular integrado dois meses antes. Éramos a oitava turma do Curso de Jornalismo, fundado em 1962. Naquele tempo, ninguém procurava esse curso para estudar comunicação social. Era uma expressão pouco usada. A maioria dos que ali estavam queria ser jornalista. E, em plena ditadura militar, repressão política e censura à imprensa, querer ser jornalista era uma espécie de transgressão. Passava longe do sonho de nossos pais: médicos, dentistas e engenheiros teriam vida menos perigosa e mais bem remunerada.

É certo que o curso, apesar da precariedade da época, se metia à polivalência. Tinha aulas de publicidade e de relações públicas, carreiras que acabaram seduzindo um ou outro daqueles 45 calouros, à exceção de um que, na verdade, já tinha outros planos: era um espião – descobrimos mais tarde – infiltrado pelo serviço de inteligência federal. A verdade foi revelada, para surpresa geral, pelo mais velho de nossos colegas (então com 45 anos), delegado de polícia em Nova Lima, que todos jurávamos tratar-se de um maldito dedo-duro e que, no final, mostrou-se um dos caras mais corretos e legais da turma – festeiro e brincalhão, apesar de suas roupas e piadas antigas.

Mas esse é apenas um dos muitos casos que compõem o relicário de boas lembranças que nós – e praticamente todo mundo que passou por lá – levamos para o resto da vida. O que o prédio da Carangola hospedou por muitos anos foi uma mistura de festa e resistência que encantava a todos. Por mais que a repressão tentasse – e como tentou – esvaziar a mais rebelde e temida das faculdades da UFMG, a Fafich era um mundo à parte. Para começar, desdobraram a antiga faculdade, transformando alguns cursos, como os de letras, psicologia, geografia e sociologia, em faculdades isoladas, embora habitassem o mesmo prédio.

Mas, enquanto conviveu sob o mesmo amado teto, o pessoal de todos os cursos manteve o espírito da casa: muita conversa, amizade e uma intensa troca de impressões sobre os últimos livros de política, poesia, literatura ou filosofia, os novos discos da MPB, os últimos filmes de Fellini, Godard, Truffaut e Buñuel.

É verdade que, se não perdemos tempo com os mistérios quase inúteis da ciência da comunicação, também tivemos aulas das quais nem lembramos o conteúdo, de tão importantes e tão mal ministradas. Em compensação, marcaram para sempre nossas vidas o saber e a dignidade de mestres como José Mendonça, Jacques Brandão e Anis Leão. Além de nos passar as técnicas básicas do jornalismo, conseguiram nos impregnar de um marcante senso de ética e de uma responsabilidade profissional dos quais nunca mais conseguimos nos afastar (ainda bem!). Não tínhamos jornal-laboratório nem ilha de edição, mas, dessa geração, quem quis mesmo ser jornalista ou assessor de imprensa não teve a menor dificuldade. A maioria se profissionalizou e fez carreira.

Mas, muito além do diploma e da profissão, quem estudou na velha Fafich da Rua Carangola leva até hoje a certeza de que aqueles foram alguns dos melhores anos de nossas vidas.

Na PAMPULHA

Breno Lobato**

O prédio já tinha 10 anos de inauguração quando resolvi me aventurar pelo curso de Comunicação Social. Aventurar é modo de dizer, pois apesar do ambiente descontraído, proporcionado pela diversificada “fauna” de alunos e professores dos cursos de Ciências Humanas, o relacionamento apaixonante com a comunicação e com o curso foi ficando cada vez mais sério.

De certa forma, os tempos de Rua Carangola pareciam ainda compor a aura da Fafich, fosse nas pinturas das paredes ou nos dizeres dos cartazes afixados pelo movimento estudantil da época. Era um pequeno mundo desconhecido para mim até então – cheguei a cursar cinco semestres de Odontologia, três deles no ICB, que fica no campus da Pampulha, e sempre passava apressado em frente àquele prédio horizontal, imaginando que loucuras poderiam estar se passando ali.

O ano era 2000 e eu já estava vivido de UFMG. Mas, ao mesmo tempo, tudo começava novamente, agora na Comunicação Social. Na turma, gente de BH, do interior de Minas, de outros estados e até de outros países. Diferentes origens, crenças, orientações políticas... tudo isso misturado dava um grupo de cinquenta e poucas pessoas, a maioria ainda sem saber o que pedir do menu: jornalismo, publicidade, relações públicas ou rádio e TV? As habilitações surgiram como opções e dava para experimentar de tudo um pouco. O currículo era novo. Para nós e para nossos mestres, de quem guardo boas lembranças.

E foi convivendo com as diferenças, com as novidades – e o que é a comunicação senão a expressão do inédito, do diferente? – que construímos nossas trajetórias no curso, cada um à sua maneira, mas sempre como um ingrediente desse caldeirão de ideias e pessoas criativas. E no dia a dia, aulas prazerosas, aulas enfadonhas, trabalhos, política, manifestações, calouradas, debates, vinhadas, greve, encontros e desencontros – tudo isso gerou um inesgotável estoque de histórias. Teve também Enecom, jornal-laboratório, empresa júnior, e-zine... teve até festa do e-zine (mas isso é uma longa história...).

Enfim, foram momentos mágicos de nossas vidas, pessoas importantes, pessoas inesquecíveis, amigos, colegas. Quatro anos intensos de aprendizado teórico, prático e, sobretudo, de vida. Depois, cada um de nós seguiu seu caminho. Mesmo espalhada pelo planeta, “a trupe”, como nossa turma se denomina até hoje, permanece unida por uma história bonita, marcante e enriquecedora proporcionada pelo agora cinquentenário curso de Comunicação Social.

*Os jornalistas Pedro e Júnia Lobato conheceram-se durante o curso e formaram-se na turma de 1971.
** O filho do casal, Breno, também jornalista, formou-se no segundo semestre de 2003.

Leia mais sobre os 50 anos do curso de Comunicação Social.

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