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Nº 1760 - Ano 38
5.12.2011

Combinar para PROTEGER

Vacina contra doença que atinge gado leiteiro e ordenhadores e trabalho de identificação de hospedeiros premiam tese da Microbiologia

Cinthya Oliveira

Testes realizados em camundongos com vacina desenvolvida contra a vaccinia bovina, doença que ameaça cerca de 90% do rebanho leiteiro em Minas Gerais, apresentou alto índice de imunização sem produzir efeitos colaterais. Desenvolvida pelo ex-aluno de doutorado Jônatas Santos Abrahão, hoje professor do ICB, a vacina é um dos principais resultados da tese Prevenção e controle do Vaccinia virus no Brasil: padronização de um sistema prime-boost para imunização e determinação de seus hospedeiros naturais, uma das 34 vencedoras da edição 2011 do Grande Prêmio de Teses da UFMG. O trabalho foi defendido no ano passado no Programa de Pós-graduação em Microbiologia do ICB.

O vírus que Jônatas usou na produção da vacina é similar ao empregado na imunização da varíola, só que inativado. “O vírus vivo faz com que a vacina gere muitos efeitos colaterais, como necrose dos membros do corpo, reações alérgicas e até aborto”, conta. Para evitar tais complicações, lançou mão de um processo denominado prime-boost heterólogo, que consiste na imunização em dois momentos: no primeiro, com uma dose da vacina inativada, e posteriormente com a aplicação de reforço com moléculas virais que estimulam o sistema de defesa do animal.
“Com essa associação, obtivemos não somente a proteção de 100% dos camundongos testados como diminuímos sensivelmente a gravidade dos sinais clínicos. Os animais imunizados resistiram a uma elevada carga viral do vaccinia, que normalmente os mataria”, explica Jônatas.

Depois dos testes com camundongos, a próxima etapa é experimentara a vacina em bovinos, o que deverá ocorrer na Escola de Veterinária, sob a coordenação da professora Zélia Lobato, colaboradora do grupo. “A vacina é promissora e a intenção é testá-la no gado para controlar a infecção, que está se disseminando por todo o país”, comenta Jônatas.

Os estudos em torno do desenvolvimento da vacina foram idealizados pela professora Erna Gessien Kroon, do Departamento de Microbiologia do ICB e orientadora da tese, e iniciados pela professora Jaqueline Ferreira, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).

Hospedeiros

Outra frente do estudo, iniciada pela professora Giliane de Souza Trindade, também do Departamento de Microbiologia, baseou-se na identificação de hospedeiros e reservatórios do vírus para traçar estratégias de controle epidemiológico. Jônatas Abrahão realizou quatro expedições de campo em pequenas propriedades de cidades mineiras como Mariana, Paraguaçu e Curvelo, onde foram registrados surtos de vaccinia bovina.

Em Mariana, Jônatas isolou o vírus de roedor da espécie Mus muscullus – tipo de camundongo doméstico –, capturado em área rural do município. Ao analisar o vírus isolado de uma pessoa infectada, de um bovino e o do próprio roedor, o pesquisador constatou que se tratava do mesmo agente infeccioso causador da vaccinia bovina. Paralelamente às expedições, ele analisou uma coleção de soros de macacos (prego e bugio) e de outros animais silvestres amazônicos e verificou neles alta prevalência de anticorpos, indício da elevada circulação do agente em áreas florestais. “Como o vírus transita entre roedores que vivem nas imediações de domicílios e em ambientes silvestres, é possível concluir que ele pode estar migrando da floresta para os pastos e fazendas, pois roedores circulam livremente entre os ambientes silvestres e os ocupados pelos humanos e animais de criação”, explica o pesquisador.

Lesões e prejuízos

De grande incidência no Brasil, em especial em Minas Gerais, principal produtor de leite do país, a vaccinia bovina afeta, sobretudo, bovinos e ordenhadores. Entre as características mais comuns da doença estão lesões ulcerativas que, nos bovinos, são mais recorrentes nas tetas das vacas e úbere, e no focinho, boca e gengiva dos bezerros. Em humanos, as lesões ocorrem, principalmente, na mão, podendo passar para o antebraço e o rosto.

O risco de contágio pelo consumo do leite ainda é desconhecido, apesar de amostras de leite de animais infectados pela doença apresentarem DNA e partículas do vírus. Para fins de prevenção, recomenda-se o consumo de leite pasteurizado e verificar a procedência de queijos comercializados.

Apesar de ser uma doença aguda, ou seja, que se desenvolve e cura “rapidamente”, seus impactos socioeconômicos são consideráveis e estão associados à queda de produção do leite pelo gado infectado – chega a 80% – e pelo afastamento do ordenhador do trabalho por mais de uma semana, provocando a necessidade de contratação de novo funcionário. A compra de medicamentos é outra despesa que pesa no bolso do produtor. “As pequenas propriedades são as mais atingidas pela doença, sobretudo as que praticam a ordenha de subsistência”, conclui Jônatas Abrahão.

Tese: Vaccinia virus no Brasil: padronização de um sistema prime-boost para imunização e determinação de seus hospedeiros naturais
Autor: Jônatas Santos Abrahão
Orientadora: Erna Geessien Kroon
Programa: Pós-graduação em Microbiologia do ICB
Defesa: 2010