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Nº 1763 - Ano 38
13.2.2012

Mais motivos para voltar

Equipe da UFMG encontrou quatro novos sítios na Antártica e peças em locais conhecidos que serão comparadas com achados anteriores

Itamar Rigueira Jr.

Fichas de jogo de damas, uma faca, balas, cachimbos, fragmentos de cerâmica e vidro, restos de alimentos e vestimentas figuram entre os objetos coletados na Antártica por equipe de arqueólogos da UFMG, que retornou da terceira expedição ao “continente gelado”. As peças, pertencentes a grupos de caçadores de focas e baleias do início de século 19, são os vestígios mais antigos da presença humana na região.

Outra descoberta desta expedição aponta para o futuro: uma prospecção complementar feita em Punta Elefante – a três quilômetros ao sul da Península Byers, na Ilha Livingston, onde a equipe tem feito as escavações – encontrou quatro novos sítios foqueiros, um deles em excelente estado de conservação, que serão pesquisados em novas viagens. A iniciativa da UFMG vai concorrer a novos recursos em edital que será lançado em breve pelo CNPq.

A expedição do mês passado completou ciclo iniciado em 2010, quando a equipe coordenada pelo professor Andrés Zarankin, do Departamento de Sociologia e Antropologia, iniciou os estudos, in loco, do Laboratório de Estudos Antárticos em Ciências Humanas, da Fafich. Com participação de acadêmicos da Argentina e do Chile, as expedições integram o projeto Paisagens em Branco, Arqueologia Histórica na Antártica, financiado pelo CNPq e Fapemig e apoiado pela Marinha Brasileira e Programa Antártico Brasileiro (Proantar).

O Punta Elefante 2 é, segundo Zarankin, o mais bem preservado entre os sítios foqueiros nas Ilhas Shetlands do Sul. “Suas paredes estão íntegras e várias das costelas de baleia {que funcionavam como vigas do teto} permanecem em seu local original. Assim, seu estudo permitirá reconstrução bastante precisa de como era estruturado um refúgio de caçadores de focas”, explica o pesquisador, acompanhado nessa descoberta pelo arqueólogo Anderson Alves Pereira e pelo alpinista Renato Souza. A partir de pesquisas arqueológicas e antropológicas, o objetivo do projeto é identificar estratégias humanas de ocupação do território antártico a partir do final do século 18 e começo do 19.

Registros mínimos

Mapa da Península Byers, onde se concentram os trabalhos nas
		três expedições já realizadas
Mapa da Península Byers, onde se concentram os trabalhos nas
três expedições já realizadas

Navios levavam homens de diversas nacionalidades para passar de um a três meses na Antártica, sobretudo ao longo do século 19. Eles caçavam principalmente baleias e elefantes marinhos, para extrair óleo usado em iluminação, e focas, que forneciam a pele para confecção de roupas. “Estamos confirmando algumas ideias quanto a características e tamanho desses grupos”, afirma Zarankin. “Os estudos arqueológicos são importantes porque há registros mínimos sobre a presença desses grupos foqueiros na Antártica. E é preciso que essas pessoas ‘comuns’ tenham reconhecido seu papel fundamental no processo de ocupação da região. Nosso passado é plural, não se trata apenas de falar daqueles considerados heróis”, completa.

O pesquisador resiste em comparar os achados deste ano com o que foi encontrado nas primeiras viagens. “É difícil mensurar assim, porque tudo é novidade. Praticamente não existiam informações”, diz Zarankin. “Sabemos mais agora sobre como os grupos organizavam acampamentos, o que comiam. Os caçadores recebiam das empresas pouco alimento, algumas ferramentas de trabalho, carvão, álcool e quase nada mais. Eles tinham de criar um mundo para sua sobrevivência e entretenimento. E tudo isso acontecia no verão, porque não havia tecnologia para suportar o frio intenso, a começar pelas roupas, que eram de lã”, afirma.

Dificuldades com o frio

Arquivo Projeto Paisagens em Branco
Punta Elefante 2, o mais preservado entre os sítios descobertos; no detalhe, fragmento de bolso do início do século 19
Punta Elefante 2, o mais preservado entre os sítios descobertos; no detalhe, fragmento de bolso do início do século 19

Depois da viagem no navio polar Almirante Maximiano e da passagem pela estação brasileira Comandante Ferraz, a equipe chegou à Ilha Livingston no dia 14 de janeiro. Em 11 dias de intenso trabalho de campo, foram escavados três sítios e prospectados outros dois. As temperaturas variavam de -10ºC a 8ºC, com sensação térmica mínima de -15ºC, devido a ventos constantes provenientes do sul. De acordo com Andrés Zarankin, as condições meteorológicas dificultaram um pouco a realização dos trabalhos de escavação, desenho (representação gráfica dos achados) e acondicionamento dos materiais coletados.

Os pesquisadores encontraram também uma estrutura que suspeitam tratar-se de um túmulo, embora não houvesse restos mortais em seu interior. “Pelas características físicas da estrutura, e pelo fato de que túmulos podiam ser construídos por seu valor simbólico, acreditamos que seja realmente este o caso. Muitas vezes o morto desapareceu em uma tormenta ou foi jogado ao mar, ou ainda levado para o continente. Sepulturas eram construídas em local próximo ao da morte”, esclarece Andrés Zarankin.

Os planos da equipe da UFMG para o período 2013-2015 incluem a elaboração de mapa arqueológico das Ilhas Shetlands que viabilize o planejamento das pesquisas em longo prazo. Os resultados dessa última expedição serão publicados ao longo dos próximos dois anos, acrescentando material ao que se reuniu sobre as duas primeiras viagens, que foram comunicadas por meio de dois livros, 35 artigos, participações em congressos e dois volumes da revista Vestígios, publicada pelo Laboratório de Arqueologia da Fafich. Também está planejada a elaboração de vídeos, alguns em 3D, a partir de filmagens realizadas durante as três expedições com equipamentos especiais.

No prazo máximo de dois anos, a expectativa é aumentar a capacidade de realização de pesquisas com a criação do doutorado em Antropologia – uma linha será dedicada à Arqueologia, para estudos sobre a Antártica.