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Nº 1779 - Ano 38
11.6.2012

Futebol multidimensional

Grupo de pesquisa e extensão explora em livro as muitas possibilidades de compreensão do esporte

Itamar Rigueira Jr.

De que a pelada mais sórdida pode ter a complexidade de uma obra de Shakespeare já fomos convencidos pela verve de Nelson Rodrigues. Mas o futebol é também multidimensional do ponto de vista das ciências humanas e sociais, como mostra a atuação do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (Gefut), da UFMG. O primeiro livro organizado pelo grupo, O futebol nas Gerais (Editora UFMG), reúne produção acadêmica sobre o tema em Minas Gerais, abordando a história do esporte, torcidas organizadas, redes de sociabilidade e jogos virtuais, entre outros aspectos.

“Essa publicação é original na medida em que desloca o eixo dos estudos sobre futebol, até agora muito concentrados em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul”, salienta o professor Silvio Ricardo da Silva, coordenador do Gefut e co-organizador do livro. Ele participou dos estudos sobre torcidas organizadas em Belo Horizonte, tratados no capítulo que abre O futebol nas Gerais. Assim como investigações similares em outros locais, a pesquisa revela um perfil do torcedor distante do imaginário social. “As torcidas organizadas na capital são uma representação da sociedade, não são compostas apenas de jovens desempregados e baderneiros. Questionar esse estereótipo de forma científica é importante para a elaboração de políticas públicas mais adequadas”, defende o pesquisador da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG.

Outro capítulo trata da rivalidade que move torcedores de Atlético e Cruzeiro na capital mineira. Com base na pequena bibliografia sobre a história do futebol em Belo Horizonte e Minas Gerais, nas charges de Mangabeira – artista plástico responsável pelos símbolos dos grandes clubes de BH – e outros textos, o professor Marcelino Rodrigues, da Faculdade de Letras da UFMG, analisa os sentidos que a rivalidade adquiriu ao longo da história.

“Em cidades como o Rio de Janeiro, a análise das rivalidades toma como base a dicotomia entre povo e elite, mas em Belo Horizonte é preciso entender o fenômeno a partir das diferenças entre dois clubes populares”, afirma Rodrigues, que desenvolveu sua tese no pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea, da UFRJ. Ele adota expressões para definir a relação das torcidas com cada um dos clubes: “raça e amor”, para o Atlético, e “trabalho e astúcia”, para o Cruzeiro.

“Os torcedores do Galo formam uma massa heterogênea, dos pontos de vista étnico e cultural, e o discurso sobre essa paixão é marcado pela ideia de uma forte energia. No caso do Cruzeiro, clube fundado por imigrantes italianos, o mito que acompanha a história é o do povo trabalhador, pronto para construir uma nação”, explica Marcelino Rodrigues, que integra o Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (Fulia), da Fale.

Mais que pelada

O futebol extrapola seus elementos técnicos e táticos também no âmbito da extensão universitária. Artigo assinado por diversos integrantes relata que, durante mais de três anos – o projeto está temporariamente suspenso –, o grupo levou a turmas de ensino fundamental e médio o debate sobre o esporte e o ato de torcer como fenômenos culturais. “Nosso objetivo é compartilhar e construir conhecimento em um ambiente em que historicamente só se pensa no futebol como brincadeira”, revela o mestrando em Lazer Marcos de Abreu Melo, ele mesmo professor de escola municipal.

O projeto promoveu oficinas para professores com o objetivo de multiplicar as possibilidades de atuação do grupo, que dispõe de equipe reduzida. Os participantes receberam sugestões de bibliografia e filmografia sobre o tema, além de relações interdisciplinares a serem exploradas. Há planos de intervenções semelhantes em comunidades, por meio, por exemplo, da criação de escolinhas de futebol em que jogar, torcer e discutir o futebol terão valor equivalente.

Livro: O futebol nas Gerais
Organizadores: Silvio Ricardo da Silva,
José Alfredo Debortoli e Tiago Felipe da Silva
Editora UFMG
257 páginas
Distribuição dirigida / patrocínio do Ministério do Esporte