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Nº 1780 - Ano 38
18.6.2012

Saber compartilhado

Festival de Inverno da UFMG propõe diálogo entre conhecimentos popular e acadêmico

Gabriella Praça

Um índio, um ornitólogo, uma criança e um mateiro, munidos com gravadores, se encontram para registrar e discutir o canto dos pássaros. Descendentes dos escravos africanos que trabalhavam nos garimpos entoam vissungos, canções criadas por seus ancestrais e transmitidas de geração em geração, em língua remanescente que era falada pelos negros na época do Brasil Colônia. Dois MCs apresentam raps de protesto em tupi guarani, fazendo-se ouvir ao longo de amplo raio do espaço urbano por meio de um carro de som. Essas são algumas das cenas que se passarão em Diamantina, entre os dias 15 e 26 de julho, durante o 44º Festival de Inverno da UFMG. A edição deste ano, cujo tema é O bem comum, propõe a construção de conhecimento a partir do diálogo entre o saber acadêmico e os ensinamentos que emanam dos mestres de culturas tradicionais.

“Pretendemos repensar a distribuição de conhecimento atual, segmentada, discriminatória e hierarquizada, sugerindo uma construção em comum por meio de saberes partilhados”, ressalta o coordenador do evento, César Guimarães. Segundo ele, esta edição do Festival assumiu o desafio de fazer com que o evento se integrasse às questões sociais, às experiências e aos habitantes da própria cidade, estabelecendo uma relação de troca entre a Universidade coletivos culturais e a população de Diamantina.

Com esse intuito, a equipe organizadora se reuniu com integrantes do Poder Público, diretores de entidades culturais, artistas, músicos e professores universitários, para definir um novo conceito. “Decidimos que o evento não seria algo que se instala na cidade, desenvolve suas atividades e se retira, deixando tudo da mesma forma que encontrou”, salienta Guimarães, também professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG. A ideia é oferecer uma programação que atravesse a realidade sóciocultural de Diamantina, em diálogo com as questões discutidas pela Universidade, de maneira que a troca de saberes se transformasse no eixo principal do evento.

Festival de Inverno

Casas

A reestruturação do Festival levou ao questionamento do modelo de oficinas adotado em edições anteriores, segundo o qual especialistas transmitem seus conhecimentos a um público disposto a ouvi-los, replicando o ambiente da sala de aula. “Em vez disso, decidimos criar um espaço de encontros e de troca entre especialistas e pessoas que dominam o saber de determinado campo a partir de sua própria experiência”, observa o coordenador. Surgia, assim, o conceito de “casa”. A proposta era convidar mestres das culturas tradicionais e populares para ocuparem o lugar de especialistas que ministravam oficinas, fazendo deles os protagonistas das atividades realizadas. “A metáfora da ‘casa’ remete às malocas indígenas e propõe a ideia de um espaço acolhedor, que abrigue os estrangeiros à vida da cidade e proporcione um ambiente de troca cultural”, esclarece Guimarães.

São seis os ambientes: Casa da Palavra, Casa dos Cantos e da Escuta, Casa das Imagens, Casa da Cidade, Casa do Corpo e Casa da Memória “Chica da Silva”. Cada uma delas partirá de perspectiva específica para abordar questões ligadas a Diamantina, por meio de grupos de trabalho (GTs). Como o Festival propõe iniciativas de caráter permanente, que gerem benefícios para os habitantes da cidade, várias das atividades desenvolvidas pelos GTs resultarão em produtos materiais, que viabilizem ações contínuas. “É esse o caso, por exemplo, do projeto arquitetônico de um parque municipal para Diamantina, que será concebido na Casa da Cidade”, revela o professor.

Para descentralizar a ocupação do espaço urbano, os organizadores decidiram espalhar as casas e os locais de realização de eventos por diferentes regiões da cidade. “Algumas ocuparão espaços históricos, e outras funcionarão em lugares mais periféricos”, observa a professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG Luciana de Oliveira, uma das coordenadoras da Casa da Palavra, que ficará em uma escola estadual no Bairro da Palha. “O intuito é provocar o deslocamento das pessoas, do Centro para a periferia, e vice-versa”, completa a professora Ângela Marques, também à frente da Casa.

A marca do bem comum

Para traduzir o novo conceito do Festival de Inverno era preciso criar uma marca que representasse o espírito do conhecimento compartilhado, “O bem comum”. Foi aberta chamada pública convocando interessados nesse desafio e oferecendo prêmio em dinheiro ao autor do trabalho selecionado. A vencedora foi a aluna do curso de Comunicação Social Bruna Lubambo, que propôs o papel-manilha como suporte para impressão da marca. Tradicionalmente utilizado nos armazéns para embrulhar alimentos, o papel se tornará matéria-prima do cartaz-folder com a programação do evento que será distribuído ao público.

“Além de ter traduzido iconicamente e graficamente o conceito do Festival, trazendo elementos presentes na vida cotidiana e compartilhada, a identidade utiliza a própria materialidade para representar o ‘bem comum’”, enfatiza César Guimarães. Os cartazes serão impressos em forma de rolos, da mesma forma como o papel-manilha costuma ser utilizado.