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Nº 1780 - Ano 38
18.6.2012

Desatando os nós

Pesquisadores da Escola de Engenharia se debruçam sobre os gargalos que afetam a mobilidade na cidade e no campo

Itamar Rigueira Jr.

Se um leigo resolve especular sobre estudos na área dos transportes e ativa uma espécie de mecanismo de busca em seu cérebro, certamente não consegue imaginar a variedade de temas que mobilizam pesquisadores numa instituição como a UFMG.
Professores e alunos do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia, da Escola de Engenharia, extrapolam em muito a obsessão (justificada, diga-se) por diminuir os engarrafamentos das maiores cidades e se debruçam sobre questões que vão do resgate do uso de ferrovias para o deslocamento de passageiros ao equacionamento do transporte escolar nas zonas rurais, passando pela racionalização da carga e descarga em espaço urbano e pela chamada moderação de tráfego, destinada a propiciar aos cidadãos mais segurança e opções de convívio nas cidades.

Equipe de pesquisadores da UFMG dedica-se à avaliação de 1,1 mil quilômetros de ferrovias em Minas Gerais – cerca de 90% dessa malha é utilizada para movimentação de carga, e há ramais desativados. O objetivo é descobrir a viabilidade da implantação do transporte de passageiros sobre trilhos, em âmbito metropolitano e regional. Desde dezembro passado, eles cadastram a malha e realizam estudos de demanda, em esforço que atende a programa nacional do governo federal, e é desenvolvido em parceria com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), com financiamento do governo de Minas Gerais.

O cadastro das ferrovias se beneficia de sistema de levantamento inédito – desenvolvido pelo Departamento de Ciência da Computação da UFMG –, que filma em 360º, não apenas no plano. “O sistema, que lança mão de equipamento canadense composto de nove câmeras, permite verificar dormentes, trilhos, passagens de nível, bueiros e redes de alta tensão, entre diversos outros elementos”, explica o professor Nilson Tadeu Ramos Nunes, chefe do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia. Ele acredita que essa forma de cadastramento poderá ser adaptada para rodovias e permitirá que se evolua para estudos de contagem classificada de veículos. Nesse caso, um software identificará volume de fluxo, tipos de veículos e velocidade, entre outros dados.

Ainda segundo Nilson Tadeu Nunes, esse trabalho deverá também gerar pesquisa visando à criação de autos de linha (veículos que seguem pelos trilhos para manutenção) robotizados para realizar o cadastramento das vias.

Rotas racionais

Otimizar gastos com o transporte de estudantes nas diversas regiões de Minas Gerais é apenas um dos objetivos de outro levantamento coordenado pelo Departamento de Engenharia de Transportes, que conta para a empreitada com equipes de outras áreas da Escola de Engenharia. Para propor rotas mais racionais, os pesquisadores idealizaram sistema que vincula as matrículas nas escolas estaduais ao cadastro de contas de energia fornecido pela Cemig. Será possível, dessa forma, traçar percursos para os veículos que atendem às escolas.

“As prefeituras recebem recursos do estado e decidem sozinhas como aplicá-los. Algumas chegam a usar indevidamente a estrutura para transportar os estudantes de escolas municipais”, explica o professor Nilson Nunes.

O projeto pretende contribuir também para a definição dos melhores tipos de veículos para cada região e na elaboração de diagnóstico das necessidades de intervenção nos prédios das escolas – essas obras poderão ser executadas com os recursos poupados pela otimização das rotas. Tal trabalho será iniciado ainda este mês, com duração prevista de três anos. Envolverá, inicialmente, 250 municípios, e o aprendizado será incorporado na aplicação das mudanças ao restante das cidades de Minas. Segundo o professor Nilson Nunes, a participação da UFMG inclui proposta de metodologia para definição de custo do transporte por aluno adaptada às características regionais.

Logística urbana

Para garantir que os estudos sobre logística urbana – que investigam a distribuição de produtos nas cidades – extrapolem a academia e ganhem o mundo real, a UFMG, em parceria com a Unicamp e a Universidade Federal do Ceará, criou em setembro de 2011 o Centro de Logística Urbana Brasileira (Club). O objetivo do grupo é identificar os problemas comuns às grandes cidades no país e propor soluções, sempre em contato com prefeituras, transportadoras, sindicatos e outros atores dessa área.

As grandes questões relacionadas à logística urbana são os congestionamentos, a falta de infraestrutura (sobretudo de vagas para descarga de produtos) e a inadequação da pavimentação para veículos de grande porte.

Com pesquisas financiadas pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Club promove o intercâmbio de pesquisas. “Cada país procura adaptar essas soluções a suas cidades, contornando barreiras tecnológicas, científicas e culturais”, conta a professora Leise Kelli de Oliveira, do Departamento de Engenharia de Transporte e Geotecnia. Integrante de grupo muito restrito de pesquisadoras em logística urbana no Brasil, Leise tem participado de conferências para discutir o tema em diversos países.

Foca Lisboa
Nilson Nunes: experiência dos professores explica grande demanda por projetos
Nilson Nunes: experiência dos professores explica grande demanda por projetos

O Departamento concluiu no fim do ano passado pesquisa em parceria com a BHTrans sobre situação das vagas de carga e descarga em Belo Horizonte. Equipe coordenada por Leise Kelli tabulou e analisou dados colhidos no campo pelo órgão municipal e elaborou recomendações para solucionar entraves como o desrespeito dos motoristas particulares às vagas destinadas a viabilizar a entrega de mercadorias.

Um dos trabalhos acadêmicos realizados recentemente sob orientação de Leise Kelli na Escola de Engenharia propôs um sistema de terminais logísticos públicos, pontos centralizadores de entrega de mercadorias próximos ao cliente final. O objetivo é reduzir e disciplinar a circulação de caminhões: os produtos fariam o restante do trajeto – até supermercados e outras lojas – em bicicletas ou veículos elétricos, chamados de “ambientalmente amigáveis”. Desenvolvida em dissertação de mestrado por Vagner de Assis Nogueira, a ideia inspirou a Prefeitura de Belo Horizonte, que procura interessados em explorar um terreno em Nova Lima.

Pesquisadores do Departamento investem também na criação de metodologia alternativa para elaboração de matriz origem-destino de veículos de carga. O trabalho da aluna de mestrado Lílian Fontes Pereira pretende desenvolver a matriz a partir de dados secundários, obtidos com varejistas, empresas de transporte e outros atores. “Será possível atualizar a matriz com maior frequência, tornando-a mais eficiente”, afirma Leise Kelly de Oliveira, que organizou, com três professores da Universidade Federal do Ceará, o livro recém-lançado Logística urbana – fundamentos e aplicações (editora MRV).

Recursos para laboratórios

O Departamento de Engenharia de Transportes tem recusado encomendas de projetos. A grande demanda se explica em grande parte, na avaliação de Nilson Nunes, pela experiência profissional – em órgãos de governo e no setor privado – da maioria dos 16 professores. “Nossa abordagem extrapola o acadêmico”, justifica o chefe do departamento.
Apenas os projetos vinculados ao resgate das ferrovias e ao transporte escolar rural renderão R$ 2 milhões para o Departamento, que serão aplicados na finalização do Laboratório de Geotecnia e na construção dos laboratórios de Pavimentos e Experimental de Tecnologias de Transportes.

Pé no freio

Em determinadas regiões, é preciso que os veículos andem mais devagar – o que é fundamental para a segurança das pessoas – e/ou que estejam presentes em menor volume, o que contribui para a mobilidade e para a vitalidade urbana. Esses são os objetivos centrais dos estudos em moderação de tráfego, que, em última instância, pretendem inibir o uso do automóvel e estimular que os cidadãos migrem para o transporte coletivo ou para os modais não motorizados, como a bicicleta e a caminhada.
As medidas de moderação de tráfego são muito aplicadas na Europa e em países como Canadá e Austrália, mas o assunto ainda não é tão explorado no Brasil, que também precisa melhorar o padrão construtivo de mecanismos como rotatórias, ondulações transversais (ou quebra-molas), passagens elevadas para pedestres e chicanas (caminhos sinuosos para os carros).

Pesquisas no âmbito do Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia da Escola de Engenharia investigam influência das medidas de moderação na variação de velocidade, utilizando radares de mão e GPS, diferenças no comportamento dos veículos em ruas que sofreram intervenções e outras que ficaram inalteradas. “Medidas como acréscimos de calçadas e eliminação de estacionamentos geralmente trazem mais vitalidade à região, sobretudo se são instalados bancos e se criam sombras que atraem os pedestres”, explica a professora Heloisa Barbosa, doutora pelo Institute for Transport Studies da University of Leeds, na Inglaterra.

Heloisa lembra que os estudos de moderação de tráfego ocupam a área de interseção de urbanismo e transportes, já que regiões protegidas do tráfego mais pesado beneficiam pedestres e possibilitam que se embeleze a cidade. “Algumas intervenções exigem recursos, mas valem a pena. E os lojistas, em geral, ainda precisam ser convencidos de que o fato de os carros serem impedidos de estacionar próximos aos estabelecimentos acaba sendo melhor para as vendas, porque em prazo mais longo cria-se um movimento positivo de pedestres”, destaca a pesquisadora.