Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 3 - nº. 8 - outubro de 2005

Editorial

Entrevista
Boaventura de Sousa Santos

Ações afirmativas

Mais perto da justiça social

Um conceito em evolução
Newton Bignotto

Pólos de Cidadania

Cidadãos de fato e de direito

A cidadania como possibilidade
Márcio Simeone

Medicação

Antídoto para a “empurroterapia”

Farmácia, medicamento e saúde pública
Edson Perini

Conhecimento

A ciência onde o povo está

A divulgação científica
como instrumento de cidadania Ramayana Gazzinelli

Cultura

Livros a mancheias

Extensão e universidade cidadã
Edison José Corrêa

Idosos

Anjos da guarda da terceira idade

Mais velho, Brasil quer ser mais cidadão
José Alberto Magno da Fonseca

Enfermagem

A dor e a alegria de ser Maria

Diversa

Expediente

 

 

entrevista

“A justiça social vai obrigar a que se comprometa com a justiça cognitiva”

Boaventura de Sousa Santos

Num gesto mais que simbólico de quem aposta no diálogo entre o saber científico e os outros saberes, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos fez questão de conhecer o Aglomerado Santa Lúcia – conjunto de favelas com cerca de 30 mil habitantes, na região centro-sul de Belo Horizonte –, por ocasião de sua visita à capital mineira, em abril deste ano. A experiência, segundo ele, foi uma forma de reviver os seis meses que morou na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, no início da década de 1970, quando realizou pesquisa sobre o pluralismo jurídico nas favelas.

Vlad Eugen Poenaru

Conhecido internacionalmente tanto por sua contribuição teórica ao pensamento contemporâneo quanto por sua posição militante em favor de um projeto pluralista de emancipação social, Boaventura de Sousa Santos esteve entre nós, a convite do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG. Aqui, em palestra para o público acadêmico, entre outras teses, defendeu, com a ênfase e o vigor que lhe são peculiares, o papel da universidade na implantação de um projeto de desenvolvimento de nação. Que, para ele, representa uma contribuição indispensável à construção da cidadania em nosso país.

Nesta entrevista concedida, com exclusividade, à revista Diversa, o sociólogo fala sobre modernização das universidades e combate à mercantilização do ensino, defende a implantação das cotas como caminho para a superação do “colonialismo social” no Brasil e, também, propõe a integração dos ensinos fundamental, médio e superior. Boaventura vê positivamente a proposta de reforma do ensino superior, do governo federal, mas alerta sobre os riscos que Lula corre em função de ambigüidades internas do seu governo.

DIVERSA - Que papel o Brasil e os países da América Latina podem desempenhar no contexto da transnacionalização da universidade?

Boaventura Souza Santos – Fundamental. No meu trabalho, desenvolvo duas linhas básicas. Uma é a internacionalização das universidades no âmbito do Mercosul. Há energias enormes que não estão sendo exploradas. Eu vou daqui para a Argentina e, realmente, as universidades argentinas têm um potencial enorme de articulação com as brasileiras. As duas poderiam fazer muito trabalho solidário no resto do continente americano. A segunda grande linha, dentro da internacionalização solidária, seria com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O presidente Lula, ao contrário do presidente Fernando Henrique Cardoso, tem-se mostrado sensibilizado com a África de língua oficial portuguesa. Nesse contexto, são duas formas regionais de globalização em que o Brasil deve desempenhar um papel enorme. Neste momento, o país está empenhado na criação da Universidade de Cabo Verde. No meu entender, é uma linha de futuro.

O senhor considera a Reforma Universitária, no Brasil, de forma muito positiva. Entretanto, internamente, há muitas críticas. Uma delas refere-se ao ProUni. Como conciliar esse caráter, que o senhor considera progressista da Reforma, com essas críticas internas?

É, realmente, uma reforma que tem problemas e, talvez, esse seja um deles. O fato de o processo da reforma ter começado com as vagas nas universidade privadas foi interpretado, por muitos, como um balão de oxigênio ao sistema privado. Acontece que é, também, uma forma de controle sobre elas. No meu entender, sendo o Estado – o Ministério da Educação – que vai decidir como as vagas vão ser preenchidas, é um princípio de regulação e, como tal, é positivo. Logo, até mesmo com essas ambigüidades todas, o ProUni é um bom sistema, que deve ser aprofundado.

O senhor se preocupa com a abertura comercial das universidades na esteira da modernização delas. Como as universidades podem se modernizar sem prejuízo de sua responsabilidade social?

Desde as universidades medievais até as universidades de hoje, elas passaram por períodos de modernização sem que isso fosse feito por intermédio do mercado. Portanto, não há nenhuma razão para se pensar que essa modernização não possa estar a ocorrer fora dos imperativos de mercado, sem a transformação da universidade em um mercado universitário. É evidente, hoje, que é necessária uma política pública que tem de ser assumida como prioridade pelo Estado – pelos Estados nacionais. Por quê? Nós caminhamos cada vez mais para uma sociedade da informação, para uma economia baseada no conhecimento e, neste momento, o que está em disputa é saber quem vai produzir esse conhecimento. Há uma grande pressão dos países centrais, mais desenvolvidos, que pretendem transformar as suas universidades em universidades globais, que vão produzir conhecimento para o resto do mundo. Portanto, as universidades dos países periféricos vão funcionar em um sistema de franquia. O que significa que perdem autonomia para definir seus objetos de pesquisa, perdem autonomia para realizar sua ciência – aquela que responda à necessidade do país –, porque as necessidades específicas dos países vão continuar. A alternativa ao mercado é uma política pública. A universidade moderna assenta-se, fundamentalmente, em uma prioridade de Estado e é essa que está em disputa.

Vlad Eugen Poenaru

 

Que impacto a existência das universidades globalizadas pode ter no processo da formação acadêmica e da cidadania?

Um impacto total, porque essas universidades globais funcionam com base em princípios e relações que são muito diferentes daqueles que a gente conhece, hoje. Em outras palavras, são adeptas de que a relação face a face, o ensino presencial, seja cada vez menos significativa. Portanto, todo ensino, a prazo, será um ensino on-line. Em segundo lugar, não interessa uma formação de caráter para além do que é exigido pela lógica do mercado. A relação deve ser uma relação mercantil entre professor e aluno e, entre instituição e aluno, há uma relação de consumidor. A lógica das relações que se estabelecem na universidade é uma lógica de mercado. Então, como se faz a avaliação do curso, a avaliação dos professores? Como se faz a avaliação do estudante? Tudo isso pode ser objeto de patenteamento. Sistemas de avaliação patenteados, cursos patenteados. Já é esse, hoje, o domínio da administração, nos Business Administration (MBA). É esse sistema que se quer expandir. As universidades têm um papel fundamental na reflexão sobre os problemas de cidadania nacional. Como é que isso vai ser possível, se o ensino universitário estiver a ser feito, na maioria dos países, a partir dos sistemas de franquia, em que o conhecimento é realizado no Norte, em poucas universidades globais, e, depois, é distribuído globalmente? Esse é um conhecimento que, naturalmente, se vincula à realidade desses países. São projetos nacionais, ou seja, os Estados Unidos têm um projeto nacional que é global. A Austrália é a mesma coisa. Talvez não se saiba, mas há um grande apoio da diplomacia norte-americana e australiana às suas universidades globais. Porque os projetos nacionais desses países implicam produzir conhecimento universitário para distribuir mundialmente. É um projeto desses países que não coincide, naturalmente, com os projetos de outros países onde será distribuído o conhecimento universitário. É exatamente a idéia de que a cidadania se assente na realidade das políticas nacionais que vai desaparecer com esse modelo.

Vlad Eugen Poenaru

 

O senhor defende uma equiparação ecológica dos diferentes tipos de saberes. Que significa isso?

A ecologia dos saberes é a extensão universitária ao contrário. É a universidade preparada para se abrir às práticas sociais, mesmo quando não informadas pelo conhecimento científico, que nunca é único. O conhecimento científico tem de saber dialogar com outros conhecimentos que estão presentes nas práticas sociais e, assim, trazê-los para dentro da universidade. O que significa, eventualmente, que os alunos da universidade terão contato com líderes comunitários, que, hoje, não são credenciados para ensinar na Academia, mas, provavelmente, podem trazer a ela sua experiência. É isso exatamente o que faço, na minha experiência como sociólogo, como lema da minha vida profissional. É integrar as grandes teorias epistemológicas, abstratas, às práticas concretas. Acabo de vir da Vila Santa Lúcia, depois fui à Santa Rita, depois à São Bento, que está em uma ravina [as três vilas integram o Aglomerado Santa Lúcia]. Falei com um catador de lixo, um homem extraordinário, que me explicou quais eram suas soluções para canalização de água, de forma a garantir segurança àquela população sem que ela seja removida. Aquela população não quer ser removida por uma razão absolutamente racional – porque, se isso acontecer, vai para longe do lixo de luxo que é base de sua sustentação. Naturalmente, a Prefeitura não está sensibilizada para isso. O conhecimento que esse homem revelou sobre a estrutura da terra, o que acontece quando a água cai, é um conhecimento popular. Seria uma lástima se os técnicos da Prefeitura não tomassem em conta o conhecimento popular que existe naquela região. Só para dar um exemplo – eu já vi isso em Porto Alegre – os técnicos em diálogo direto com a população das vilas. Isso é ecologia do saber. É um novo equilíbrio, uma nova relação entre o conhecimento científico e os conhecimentos populares, os conhecimentos das associações cívicas, os conhecimentos dos cidadãos. A questão do impacto ambiental é fundamental. Hoje, por exemplo, temos na Europa formas de interação, como, por exemplo, as science shops – lojas de ciência –, que são pontos de encontro entre o conhecimento científico e o conhecimento do cidadão.

Que políticas poderiam ser implementadas como forma de combater a mercantilização do ensino?

É fundamental que, no nível da educação, dominem interações não-mercantis. Enquanto a relação professor/aluno, professor/professor e instituição/aluno for mercantil, penso que a universidade deixa de ter lugar. O mercado não é um espaço público, um espaço de discussão aberta, onde os cidadãos, independentemente de seus interesses, podem discutir suas idéias e discuti-las livremente. A universidade pública, apesar de todos os seus problemas, ainda é um espaço de discussão. Muitas das discussões que estivemos a viver nesses dias, nos espaços em que estive, nas conferências, não seriam possíveis em uma empresa, onde não se pode perder tempo em discutir. Isso porque quem tem razão é quem tem poder dentro de uma fábrica – e não as outras pessoas, que podem levantar quaisquer questões. Ou seja, as universidades são espaços públicos onde a sociedade pensa a médio e longo prazos. É preciso que existam essas instituições, pois as relações de mercado não se compadecem com o médio e o longo prazos. As relações mercantis pretendem e necessitam de retorno a curto prazo. As empresas universitárias são empresas que têm que dar lucro ao final do ano. Tudo tem de ser posto nesse nível, como se sabe hoje, em muitas universidades privadas. Além da proletarização dos professores, há uma enorme pressão para influenciar o tipo de avaliação que esses fazem dos alunos. Se são demasiadamente exigentes, são reprimidos por isso. Eles não têm autonomia. A universidade privada, como um negócio, perde se chegar à conclusão de que os alunos não são bem servidos. Que é ser bem servido? É aquele que consegue ter um diploma rapidamente, mesmo que seja um diploma-lixo. Dessa forma, as relações mercantis acabarão por subverter o que é o espaço público universitário.

A favela é um dos maiores símbolos da diferença racial e social no Brasil. A partir de suas pesquisas e de sua vivência no Jacarezinho, qual a sua opinião sobre o caminho a ser trilhado para superar essas diferenças?

Como eu já disse, este é o país mais injusto do mundo. No entanto, talvez também seja o país que tem melhores condições para deixar de sê-lo neste momento, e um governo que tem, em seu programa, a eliminação de grande parte dessas desigualdades sociais. É evidente que não conseguiu até agora, mas não era de se esperar que, em tão pouco tempo, conseguisse. Contudo, este país tem uma grande dívida social e está, agora, a assumir que tem uma dívida colonial. Se alguém me põe em dúvida as ações afirmativas, de que sou um defensor – como as questões das cotas – bastava me acompanhar, hoje, na visita a essas vilas. À medida que a gente desce na qualidade das habitações, escure-se a pele. Tanto é uma sociedade racista, que tem de se assumir como tal. Este país tem uma dívida social e uma dívida colonial muito fortes. Como resolver isso? Com distribuição de renda, pura e simplesmente. Tão simples quanto isso. O governo tem um programa de distribuição, chamado Renda Básica, que é uma proposta do senador Eduardo Suplicy. É uma proposta que considero, entre as políticas universais sociais de renda, uma das mais produtivas e interessantes. Neste momento, há um esforço nesse sentido. O que acontece é que não se pode fazer uma política social mantendo-se uma política econômica neoliberal. A combinação é simples. É a possibilidade de combinar competitividade com proteção social. Eu não estou a dizer que, aqui, é possível ter o modelo social europeu, mas o que a Europa faz, ou fez historicamente, e continua ainda, apesar de tudo, a fazer, que é tentar combinar altos níveis de produtividade com altos níveis de proteção social. O que não é o caso dos Estados Unidos. Eu penso que, em geral, as sociedades européias são socialmente mais justas que as sociedades americanas. Porém, neste momento, o Brasil oscila entre o modelo norte-americano neoliberal e um modelo europeu que, de alguma maneira, está inscrito no projeto do Mercosul.

Que pensa o senhor a respeito da implantação das cotas étnicas como critério para ingresso na universidade?

Fico perplexo perante duas coisas. Por um lado, começa a ser assumida a questão de que esta sociedade é uma sociedade racialmente injusta. As pessoas não conseguem esconder que ela é racista. Ninguém fala sob o argumento da democracia racial. Portanto, há uma fase de transição das mentalidades. De alguma maneira, no fundo, a mentalidade das pessoas continua sendo racista. As pessoas têm dificuldade de reconhecer esse racismo e, portanto, encontram todas as justificações para não tomar as medidas que possam efetivamente eliminar o racismo. Dizem várias coisas. Uma delas é que as cotas vão pôr em causa a qualidade das universidades. A segunda é que o sistema de cotas não é aplicável, porque o país é muito miscigenado e, portanto, já não se sabe quem é preto, quem é branco, e, assim, implantar as cotas não é operacional. A terceira é que a própria comunidade negra está dividida e muitos negros não querem a cota. São argumentos standards. Nos Estados Unidos e em todos os países que aplicaram essas fórmulas, com uma ou outra variante, nós encontramos essa resistência. São formas de resistência que resultam de conflitos internos da subjetividade dos brancos, digamos assim, da sociedade majoritária que não quer assumir totalmente a situação – tenta reconhecer parte dela, mas tem medo de que, ao assumir plenamente, isso vá contra seus privilégios. Vai contra, também, uma certa forma de pensar – a idéia que a sociedade tem que se mostrar multicultural e que temos que nos dar bem. Ora, se temos de assumir as cotas, temos de assumir que não nos damos bem, que, no fundo, somos inimigos uns dos outros. Isso é extremamente ameaçador para alguns – quando, pelo contrário, as cotas são uma forma de solidariedade institucionalizada. Não é uma forma de hostilização social, até porque ela não é vista com um caráter de permanência. Trata-se de um mecanismo corretor que visa dar igual oportunidade – como tenho vindo a defender – para que o mérito se separe totalmente do privilégio. Neste momento, o mérito é limitado pelo privilégio. Portanto, o mérito é sempre menos que mérito, nunca é pleno. As posições são de extrema ambigüidade. Muitos professores progressistas são a favor das cotas. Outros as vão pondo em questão. Por exemplo, o quarto argumento – com alguns sofismas – é que haveria outros mecanismos mais eficazes para a inclusão do que propriamente as cotas. Mencionam os cursos noturnos, cursos pré-vestibular etc. Nada disso é convincente e nada disso vai enfrentar o problema. Eu não penso que as cotas resolvam todos os problemas, mas é evidente que elas têm, para além de sua eficácia instrumental, eficácia simbólica – assume-se publicamente que há uma dívida colonial nessa sociedade. Enquanto a sociedade brasileira não se encontrar nesse tipo de coisas, o presidente Lula ir à África e vestir-se com roupas de escravos é espetáculo, é farsa. Saldar a dívida colonial está nisso: dar uma oportunidade à população negra e índia – uma, vítima de escravatura e, outra, de genocídio. Contra isso, penso eu, não são válidos argumentos só de eficácia. O sistema de cotas é realmente eficaz. Para além de eficaz, é uma questão de princípio que a sociedade tem que admitir. O Brasil tem atrás de si toda uma história que vai contra a solução dessas questões.

Vlad Eugen Poenaru

Na sua opinião, a adoção das cotas seria a confluência da justiça social com a justiça cognitiva?

A justiça social, aqui, vai obrigar a que se comprometa com a justiça cognitiva. São outras leituras, são outros saberes, são outras formas de conhecer a realidade que têm de ser trazidas para a universidade e, mais, obrigando-a a rever o próprio conhecimento científico sobre a sociedade brasileira, que é um conhecimento enviesado, em grande medida. Não estou a dizer por má intenção. Houve, obviamente, grandes sociólogos que chamaram a atenção para esse fato. O próprio Florestan Fernandes foi um dos primeiros a apontar para essa questão. No entanto, mesmo o trabalho dele tem de ser revisto, para não falar dos outros que passaram, pura e simplesmente, por cima da questão racial, ou que a viram como totalmente resolvida, como foi o caso do Gilberto Freyre. As cotas são, para mim, o princípio de uma luta; não o fim de uma luta. É o princípio em um país que vai se encontrar no espelho. Que, se olhando, vai ver muita coisa de que não gosta. O brasileiro é um otimista por natureza. Tem a idéia de país do futuro, um país otimista, um país de grandes potencialidades, que é efetivamente.

Algumas pessoas avaliam com certo negativismo o momento tecnológico pelo qual passamos. Como o senhor vê o advento das novas tecnologias?

Eu não posso ser negativista, porque, se não fossem essas tecnologias de informação, não haveria o Fórum Social Mundial, todo ele construído à base da Internet. Eu acho que é uma tecnologia contraditória, como todas as outras, sujeita à apropriação. Tem potencialidades enormes de capacitação em nível mundial, mas, é evidente, a gente sabe, que 90% dos fluxos da Internet se concentram nos países do Norte. A desigualdade digital é cada vez maior, ou seja, há potencialidades enormes nas tecnologias da informação, mas, também, elas têm dentro de si o germe para aprofundar as clivagens sociais na sociedade. É por isso que temos de olhar para a clivagem digital com muita atenção. Isso não quer dizer que essa tecnologia não seja fundamental. Na Amazônia, vi, recentemente, como os povos ticunas da Colômbia contatavam com os povos ticunas do Brasil para articular uma ação coletiva de preparação do Fórum Social Mundial. Pela Internet ou por celular... É evidente que essas tecnologias têm possibilitado um uso contra-hegemônico. Meu trabalho teórico é, sempre, mostrar que os instrumentos hegemônicos podem ter um uso contra-hegemônico. Nós não estamos em um mundo onde haja instrumentos hegemônicos, de um lado, e, do outro lado, instrumentos contra-hegemônicos puros. Temos que usar contra-hegemonicamente instrumentos hegemônicos – entre eles, obviamente, os meios de comunicação e a revolução da informação.

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