Busca no site da UFMG




Nº 1330 - Ano 28 - 05.12.2001

 

 

A greve, os professores e a universidade

Carlos Ranulfo*

movimento sindical dos professores universitários atravessa uma
crise de legitimidade, situação que se torna mais evidente nos momentos em que, como na greve, é necessário tomar decisões que se pretende coletivizadas.

Entre os pontos que merecem uma discussão, gostaria de destacar a maneira como: a) organizamos nosso processo de tomada de decisão e b) avaliamos o impacto do nosso movimento sobre a universidade.

Tradicionalmente, reconhecemos a assembléia geral como instância exclusiva de deliberação do movimento. Existem aí dois problemas. Em primeiro lugar, a assembléia não confere chances de uma intervenção efetiva aos docentes: na maioria das vezes, a participação não ultrapassa 10% da categoria. Em segundo lugar, a qualidade das decisões tomadas é prejudicada pelo precário compartilhamento das informações e pelo exíguo tempo destinado às intervenções. Na realidade, esta dinâmica faz com que o espaço para a deliberação seja anterior à assembléia, nas reuniões do comando, onde se define a agenda do movimento. Para a maioria dos participantes das assembléias, resta aprovar ou rejeitar as propostas apresentadas.

Na ausência de espaço efetivo para discussão não se tem como enfrentar o dissenso. Das duas uma: se a discordância é numericamente fraca, a saída é derrotá-la sumariamente no voto; caso trate-se de algo numericamente expressivo, a solução é produzir um consenso genérico _ ineficaz enquanto proposta de ação, mas útil para preservar a unidade do movimento.

A maneira mais cômoda de "resolver" o problema da participação é colocando a "culpa" em quem não vai à assembléia geral. O argumento é engraçado, pois se todos fossem não caberiam no auditório, e o processo entraria em colapso. Mais ainda, ele aponta na direção errada: se 90% da categoria opta costumeiramente por não participar, deve haver algum problema com o mecanismo de participação.

Coerente com a "solução" apresentada está a disposição das assembléias gerais e dos comandos - agindo como minorias de preferências intensas e se aproveitando da posse de recursos organizacionais e do monopólio da decisão - em resistir a qualquer forma de consulta que escape a seu controle. E para que não haja dúvidas quanto às regras do jogo, a discordância é logo qualificada como divisionista.

O movimento docente precisa de formas mais efetivas de participação. Tais formas podem conviver com as assembléias gerais, desde que estas percam sua condição de única instância dotada de soberania. Este foi o sentido da proposta apresentada pela Fafich, através da qual as assembléias locais, mantido o poder de iniciativa da assembléia geral, tornar-se-iam uma segunda instância decisória, podendo, de forma ponderada em relação ao número de participantes, questionar decisões anteriormente adotadas.

Passo agora ao segundo ponto em discussão: o impacto da greve sobre a universidade. Não resta dúvida de que a greve é um instrumento legítimo. O problema é supor que, em qualquer situação, os seus resultados serão sempre benéficos à universidade pública.

Esta é a suposição dominante no movimento docente. A mágica é simples de ser feita. Considera-se que o cenário é composto de apenas dois jogadores - professores em greve e governo - e que o jogo é de soma zero - o que um lado ganha o outro necessariamente perde. Ignoram-se os prejuízos de toda ordem gerados pelo movimento e computa-se qualquer coisa que tenha sido ganha.

Evidentemente, não temos apenas dois jogadores. É preciso levar em conta a universidade, enquanto instituição, e a sociedade. Só mesmo abstraindo este "detalhe" é que, por exemplo, o adiamento do vestibular pode ser saudado como "uma vitória do movimento". Vitória contra quem, é o caso de perguntar, se o governo não arcou com qualquer prejuízo, ao contrário da universidade e de milhares de famílias?

O segundo problema é que tal raciocínio ignora o lado dos custos na equação que o bom senso manda montar para avaliar a eficiência de uma ação na conquista de seus objetivos. E, tomando como exemplo esta greve, parece evidente que o ganho a ser obtido estará longe de compensar: a) a brutal desorganização do calendário escolar nos próximos anos; b) o prejuízo causado ao processo de aprendizado de milhares de estudantes; c) a desorganização da vida profissional e financeira dos docentes; d) um aprofundamento do desgaste da imagem da universidade pública perante a sociedade.

Devido a seu custo para a universidade, a greve é um instrumento que deve ser utilizado com parcimônia e responsabilidade por parte do movimento docente. Não é isso o que estamos vendo. A greve em curso começou sem rumo ou pauta: para a direção nacional, tratava-se de aderir a uma greve geral do funcionalismo público e, como todos sabem, tal greve nunca existiu. Frente a governos irresponsáveis, ou relativamente hostis à universidade pública, a greve pode se transformar em uma armadilha. Foi para onde nos conduziu a atual direção nacional dos docentes.

* Professor do Departamento de Ciência Política da Fafich