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Nº 1369 - Ano 29 - 03.10.2002

 

 

Política de pesquisa: o foco da crítica

 
José Aurélio Garcia Bergmann *

m artigo publicado na edição 1.368 do BOLETIM, o professor Denis Rosenfield classifica como aflitiva a situação financeira por que passa o CNPq e refere-se aos inúmeros danos causados à atividade de pesquisa decorrentes da inexistência de uma política sólida e continuada de apoio à ciência.

É nossa opinião que, apesar da crescente evidência em favor da importância do conhecimento científico na dinâmica das sociedades contemporâneas, persiste ainda, entre nós, uma generalizada imperícia na elaboração e gestão de estratégias consistentes na área de C&T. Escasseiam políticas de maior alcance, medidas aleatórias multiplicam-se, projetos promissores são interrompidos com graves prejuízos tanto financeiros como acadêmicos. Tudo isso gera uma justificada apreensão e uma compreensível indignação, não apenas do professor Rosenfield, mas de toda a comunidade científica nacional.

Entretanto, uma avaliação qualificada e minuciosa das condições relativas ao financiamento da pesquisa deve atentar para a complexidade do cenário e evitar diagnósticos excessivamente gerais. Foi certamente a compreensão dos malefícios causados pelo caráter intermitente e aleatório do financiamento da pesquisa que levou o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), na gestão do ministro Ronaldo Mota Sardenberg, a lutar pela criação de mecanismos mais estáveis de financiamento, como os exemplificados pelos fundos setoriais.

Destes, seis encontram-se em operação: petróleo e gás, atividades espaciais, energia elétrica, recursos minerais, recursos hídricos e informática. Particularmente, dois outros fundos, esses de natureza mais genérica, o de infra-estrutura de pesquisa e o fundo verde amarelo, vêm desempenhando um papel estratégico, o primeiro beneficiando universidades e centros públicos de pesquisa, e o segundo promovendo a aproximação entre a universidade e as empresas.

Instrumentos de apoio, os aludidos fundos representam um considerável avanço na direção do estabelecimento das condições geradoras da desejada estabilidade. Contando com linhas específicas de aporte de recursos e tendo sido aprovados pelo Congresso Nacional, estão-se configurando como um mecanismo mais abrigado contra as oscilações que costumam marcar, em nosso país, as políticas governamentais relativas à pesquisa científica.

Especificamente na UFMG, através dos fundos, foram captados R$ 20 milhões até junho de 2002, aos quais deverão somar-se outros R$ 6.3 milhões no presente semestre. Em documento encaminhado aos candidatos à Presidência, a Andifes insiste expressamente na importância dos fundos setoriais, que, no nosso entender, contemplam justas e antigas demandas da comunidade acadêmica brasileira.

Ora, diante de tudo isso, parece-nos que qualquer pronunciamento unívoco sobre a atuação do MCT, que prescinda da consideração cuidadosa dos inegáveis aspectos positivos que estão emergindo, implica fragilizar paradoxalmente os instrumentos que nos parecem adequados e cuja consolidação depende de nosso apoio. Assim procedendo, estaríamos, de acordo com o que ensina a sabedoria popular, jogando fora, junto com a água suja que devemos eliminar, a criança de que pretendemos cuidar.

De outro lado, nenhuma ingenuidade cabe a propósito do cenário atual de programas como o Pronex e os Ins titutos do Milênio, que precisam ser fortalecidos, e o do CNPq. Esta agência, com um largo passado de realizações, tem, hoje, atuação limitadíssima no fomento à pesquisa. O seu programa de bolsas, da iniciação científica ao pós-doutorado, está sendo progressivamente atingido, e é cada vez mais necessária a luta pela manutenção do chamado programa de balcão, componente fundamental da política de fomento, já que, abrangendo todos os campos de conhecimento, ele é estratégico sobretudo para os que não estão previstos nos fundos setoriais.

Entretanto, não cabe atribuir a decisões internas ao MCT a desfiguração do CNPq. São conhecidos os setores governamentais onde estão localizadas a incompreensão e a reiterada miopia para com as demandas provenientes da comunidade acadêmica e de todos os que lutam em favor da ciência em nosso país. Críticas desfocadas deixam intocado o alvo real e acabam prestando um desserviço, ao desviar a atenção das causas verdadeiras do problema.

Do futuro presidente do Brasil, que estamos prestes a eleger, esperamos uma compreensão nítida e vontade decidida na construção de uma política de pesquisa capaz de, fazendo justiça ao imenso capital humano disponível entre nós, criar as condições de um desenvolvimento permanente da ciência no Brasil, requisito necessário da nação soberana, justa e igualitária com que sonhamos.

* Professor-adjunto da Escola de Veterinária, doutor em Melhoramento Genético Animal e pró-reitor de Pesquisa da UFMG