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Nº 1369 - Ano 29 - 03.10.2002

Histórias de uma memória

Villas-Bôas Corrêa lança livro contando seus 54 anos de jornalismo

convite da Editora UFMG, o jornalista Villas-Bôas Corrêa esteve em Belo Horizonte, no dia 23 de setembro, para lançar seu livro Conversa com a memória, que, segundo o autor, registra testemunhos de uma vida de emoção, de muito trabalho e de compromisso com a verdade.

Villas-Bôas Corrêa começou sua carreira jornalística em 1948, no jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Em Conversa com a memória, ele revolve as lembranças de meio século de jornalismo político. Foram inúmeros os encontros com figuras-chave da política nacional. Dezenas de telefonemas para assegurar suas fontes. Centenas de noites viradas em redações em busca do texto capaz de radiografar a dança das cadeiras dos partidos e seus representantes.

Em noite de autógrafos no Conservatório UFMG, ele recebeu do governador Itamar Franco a Medalha da Inconfidência, pelos relevantes serviços prestados a Minas Gerais em seus 54 anos de jornalismo. Antes, participou de um debate com a historiadora Heloísa Starling e o jornalista Carlos Lindenberg.

Villas-Bôas Corrêa concedeu, à TV UFMG, entrevista que, a seguir, o Boletim reproduz editada.

O senhor faz no livro uma espécie de lamento. Escreve "tenho o sentimento do dever cumprido, mas do tempo perdido". Por que essa afirmação?
Na verdade, nem me lembro dessa frase. Deve ter sido um momento de depressão. Não tenho a sensação de tempo perdido. Nunca tive vontade de fazer outra coisa, desde a minha entrada na redação de A Notícia. Ali, eu vi que tinha uma vida pela frente, que as coisas que escrevia tinham repercussão, balançavam a roseira. Gosto tanto da minha profissão que quero ver se consigo morrer trabalhando.

O senhor se sente confortável ao remexer e publicar tantas memórias?
Para mim, redigir não é uma coisa confortável. Escrevo como profissional, por dever. Este livro mesmo, custei muito a escrever. Resolvi fazê-lo porque sou o único sobrevivente em atividade daquela geração fantástica de jornalistas, que cunhou um tipo de cobertura política que está em vigor até hoje com algumas adaptações e distorções. E até parece ironia do destino: o mais medíocre de todos ficar para contar a história...

O senhor deixa registrado em alguma página do livro que não faz história, conta apenas o que viu. Tem certeza disso, já que esteve presente em tantos momentos históricos importantes para o país?
Cada categoria tem até um nome próprio. Quem faz história é historiador. Quem faz literatura é literato. Eu não faço literatura nem história. Sou repór ter, faço reportagens políticas. E, no meu setor, faço crônica assinada, que é, de alguma maneira, o topo da escada. Uma escadinha pequena, de poucos degraus. De modo que nunca me sinto assumindo a posição de historiador, com obrigação de seguir criteriosamente a citação de datas e personalidades. No livro, procurei seguir um roteiro geral, um esboço que fizesse sentido.

Quais são as características que um repórter político deve perseguir na profissão?
Falo de um modelo e tento explicá-lo nas 240 páginas do livro. Mas você pode resumi-lo em quatro ou cinco qualificações fundamentais. O repórter tem que ser absolutamente isento, imparcial e deve ter capacidade de articulação de um texto, evidentemente. Além disso, visão interpretativa, já que o fato político precisa ser entregue ao leitor com as explicações sobre o que aquilo representa e seus desdobramentos.

Entre os jornalistas, é comum a discussão da relação com a fonte. Como o senhor vê isso?
Em princípio, fujo à discussão sobre ética do jornalismo, embora reconheça que isso deva ser uma preocupação do dono do jornal, do editor-chefe.

Mas por que o senhor foge da discussão?
Porque isso é uma conversa fiada. Porque quando o jornalista tem dificuldade de reconhecer o que é certo e o que é errado está na profissão errada. Nesse caso, ele não precisa de lição de ética, precisa mudar de profissão. Isso é coisa de caráter. Outra coisa é esse preconceito de achar que o jornalista deve ter uma relação de robô com a fonte. Ora, eu sou repórter há 54 anos: será que neste tempo não estabeleci relações na área em que trabalho? São anos e anos que me fornecem informações. Eu vivo delas.

O que o senhor vislumbra para o futuro do Brasil?
O país não vai acabar, apesar de, às vezes, eu ter uma sensação de fundo de poço na área política. Estou convencido de que esse modelo de congresso, por exemplo, não agüenta muito tempo. O congresso, não só o brasileiro, atravessa uma fase de desprestígio internacional e terá que ser repensado. Mas, como não se pode viver sem congresso, que outro fórum democrático será proposto para ser o lugar do debate nacional?

Essa remodelação não poderia nos conduzir a modelos autoritários?
Só acredito em democracia, não tenho nenhuma sedução por regimes de força. Tivemos uma experiência aqui recentemente. Eles alcançaram êxito em algumas coisas, mas na área política, a Redentora foi uma calamidade, uma catástrofe. Isso é uma coisa que a História não vai perdoar nunca.

O senhor acha que o país tem dado mostra de que aprendeu a lição?
Não. O país é aluno repetente, muito pouco estudioso, pouco atento e também obtuso. Mas tem futuro.