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Nº 1415 - Ano 29 - 06.11.2003


Racismo à brasileira

Livro de sociólogo norte-americano disseca as relações raciais no país

Regis Gonçalves

 

nquanto a população negra nos Estados Unidos conseguiu, nas últimas décadas, melhorar significativamente sua posição relativa na estrutura social, ingressando nas universidades e ascendendo às profissões típicas de classe média, no Brasil a situação dos negros, em muitos casos, até piorou. Essa constatação é do sociólogo e demógrafo norte-americano Edward Telles (foto), que esteve na UFMG para debater com professores e alunos da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) seu livro Racismo à brasileira, minucioso estudos das relações raciais no Brasil, baseado em dados censitários coletados pelo autor durante anos de estudo do tema.

A palestra, seguida de debate, aconteceu no dia 23 de outubro, no auditório do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/Face), tendo como debatedores os professores Roberto Martins, José Alberto de Carvalho e Paula Miranda Ribeiro. Telles, que veio pela primeira vez ao Brasil nos anos 80, como professor-visitante da Unicamp, mantém, desde então, intercâmbio com o Cedeplar para seus trabalhos de pesquisa demográfica sobre a população negra brasileira.

Negros lá e cá

O sociólogo exibiu dados sobre a disparidade de oportunidades entre negros norte-americanos e brasileiros. "Em 1960, a desigualdade era quase igual no Brasil e nos EUA", lembrou Telles. Os brancos, segundo ele, tinham três vezes mais chances que os negros de alcançar os melhores postos profissionais, mas, 36 anos depois da ação afirmativa, essa chance, nos Estados Unidos, caiu de 3 para 1,6 no caso dos homens e 1,4 no caso das mulheres. "No Brasil, entretanto, ela aumentou para 5, entre as mulheres, e 4, no caso dos homens", comparou.

Essa desigualdade também reflete-se na universidade. Em 1960, menos de 2% dos brancos concluíram o curso superior no Brasil; entre os negros, esse índice era próximo de zero. Nas três décadas seguintes, o sistema universitário brasileiro expandiu-se fortemente, mas quem se aproveitou desse crescimento foram os brancos. Os universitários negros passaram de quase 0% para pouco mais de 2%, enquanto os brancos saltaram de 2% para quase 12%. "Enfim, o abismo entre brancos e negros é cada vez maior", constata Telles.

Com o fim da escravidão, diz Edward Telles, Brasil e Estados Unidos depararam-se com o mesmo problema: o que fazer com os negros? "Os dois países adotaram estratégias radicalmente distintas para tratar dessa questão. Os Estados Unidos partiram para a segregação, enquanto o Brasil adotou uma política de embranquecimento. De um lado, estimulou a imigração européia para embranquecer a população e, de outro, tolerou a miscigenação".

Na década de 1930, Gilberto Freyre imprimiu uma nova interpretação à miscigenação racial brasileira, conferindo-lhe uma conotação positiva. É do autor de Casa Grande & Senzala a famosa expressão "democracia racial", usada para definir uma pretensa harmonia étnica no Brasil. "O contraste era muito forte com a segregação nos Estados Unidos. Por isso, alguns antropólogos norte-americanos se apropriaram da idéia e popularizaram nos Estados Unidos a crença de que o Brasil era um paraíso racial", diz Telles.

Como se explica, então, que, apesar desse traço de tolerância, aos negros brasileiros não foi permitida a correspondente ascensão social? Para Telles, a idéia de miscigenação sempre existiu para encobrir as desigualdades raciais e o racismo: "Acho que a sociedade brasileira somente se apercebeu desse problema e começou a contestar o mito da democracia racial a partir dos anos 90".

O lugar do negro

Edward Telles contesta também a teoria do sociólogo Florestan Fernandes segundo a qual a industrialização e o desenvolvimento econômico poriam fim à discriminação: "No Brasil, prevalece a idéia de que o negro sabe o seu lugar. Enquanto eles se mantêm em posições inferiores, não há competição, mas os conflitos se evidenciam quando os negros ascendem a posições típicas da classe média".

Telles acredita, porém, que o quadro começou a mudar com a entrada em cena de um novo ator, especialmente a partir da Conferência das Nações Unidas para o Racismo, em Durban, África do Sul, entre agosto e setembro de 2001: "Foi um divisor de águas da questão racial no Brasil. Em Durban, a questão esquentou, e logo depois começou a reivindicação pelas cotas sociais".

Para ele, o grande ator da questão racial no Brasil é o movimento negro, "que já contabiliza algumas conquistas". É o caso, por exemplo, da unificação, para efeito do censo, das classificações por cor, antes divididas em negros, mulatos e pardos e outras categorias.

Outro avanço, na opinião de Telles, é a discussão em torno da implantação do regime de cotas, do qual é um defensor. Apesar disso, o sociólogo reconhece que, para introduzi-las, é preciso fortalecer o ensino primário e secundário: "O Brasil precisa de políticas universalizantes para acabar com a pobreza. As cotas, se adotadas isoladamente, trariam muitos problemas". Telles define as cotas como medida emergencial: "Acho importante o que já foi conseguido. Agora, é preciso experimentar outras ações, definir melhor o sistema de cotas, talvez estabelecer metas em vez de cotas, definir qual porcentagem de negros vai entrar, decidir quem é negro, enfim, essa é uma fase de experimentação; importante é que algo se fez. Agora, é hora de aprimorar".

Livro: Racismo à brasileira - uma nova perspectiva sociológica
Autor: Edward Telles
Editora: Relume Dumará
Preço: R$ 35