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/ Benedito Nunes
O caracol que desafia o mundo
Murilo Gontijo
rofessor
aposentado da Universidade Federal do Pará (UFPA), filósofo
e literato, Benedito Nunes é um dos mais respeitados intelectuais brasileiros
da contemporaneidade. Esteve à frente de movimentos vanguardistas,
discutiu a fundo poesia e filosofia, estabeleceu relações entre
esses dois campos e transformou-se em referência para os estudos literários
brasileiros. Aos 74 anos, continua morando em Belém (PA), onde pesquisa
e redige suas análises. "Talvez seja um caracol dentro de sua
casca", brinca, minimizando o alcance mundial de sua obra, que inclui
centenas de artigos, estudos e livros.
Em 1963 _ "quando ainda tinha muitos cabelos e não usava óculos"_
Nunes participou da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda realizada no então
recém-inaugurado prédio da Reitoria da UFMG, ao lado de dezenas
de poetas brasileiros vinculados à vanguarda estética daquele
período, como Affonso Ávila, Augusto de Campos, Décio
Pignatari, Haroldo de Campos, Laís Corrêa de Araújo, Luiz
Costa Lima e Paulo Leminski. No início deste mês, Benedito Nunes
retornou à UFMG para participar de uma banca de defesa de doutorado
e visitar o Acervo de Escritores Mineiros, onde concedeu a seguinte estrevista.
Como o senhor avalia o estágio atual da arte
contemporânea e o que acha das críticas que Afonso Romano de
Sant´Anna faz às vanguardas, especialmente as visuais?
Não posso falar das críticas de Afonso Romano
de Sant´Anna, porque não conheço as avaliações
dele. Mas, há muito tempo, quando publiquei o livro Introdução
à Filosofia da Arte, já percebia um conflito latente e mencionei
certos dilemas da arte conteporânea, momentos difíceis com as
quais ela se deparava. Naquele momento, o que se tinha em vista era uma espécie
de caminhada da arte para uma auscultação interna, independentemente
dos conflitos existentes à época. Uma espécie de conhecimento
que ela teria de si mesma de acordo com um prognóstico feito em Dr.
Fausto, de Thomas Mann. O que se esperava do artista e da própria arte
era uma grande lucidez, o retorno a determinadas fontes que resultasse no
domínio da inteligência sobre o sentimento. Entretanto, isso
não se deu. Muitos padrões foram quebrados e a arte vive hoje
um momento de errância. Reabriu-se a sua caminhada, não no sentido
da lucidez a conquistar prevista pelo personagem de Thomas Mann, mas num círculo
de retomada do passado, imitando aquilo que já foi feito e tentando
encontrar um novo. Mas isso muitas vezes transforma-se em rotina. E não
deixa de ser embaraçoso constatar que o novo buscado repetidamente
se rotiniza.
O senhor participou da Semana Nacional de Poesia de
Vanguarda, realizada na UFMG, em 1963. Que balanço é possível
fazer da poesia brasileira nesses últimos 40 anos, consolidadas as
lições do modernismo e concluídas as experiências
das vanguardas dos anos 60/70?
Em 1963, iniciávamos a reflexão sobre o sentido de vanguarda e os próprios poetas vanguardistas começavam a seguir outros caminhos. O anunciado desaparecimento do verso não aconteceu. Ao contrário, os poetas vanguardistas o retomaram, cada qual ao seu modo. Cito a maravilhosa experiência de Haroldo de Campos, naquele grande poema circular: Galáxias. O que se observa, além do desaparecimento de uma vanguarda normativa, é a persistência de muitas fontes que conservam a reflexão sobre as obras, por exemplo, de Carlos Drummond de Andrade e de João Cabral de Melo Neto, "nortes" da poesia nacional.
Na condição de filósofo e de estudioso de literatura, como o senhor analisa as relações entre a reflexão filosófica e o texto literário e como transita entre esses dois pólos?
Há uma relação íntima entre poesia
e filosofia que vem desde a antigüidade grega. A filosofia teria nascido
da poesia e posteriormente houve um distanciamento entre elas. Nos tempos
atuais, há uma reaproximação, que veio se concretizar
no domínio que valoriza o mito e os sentimentos: a filosofia da existência.
De certo modo, tal posicionamento anunciou-se por diferentes expoentes, seja
Jaspers ou Heidegger. Este, por exemplo, pensava a direção da
poesia. Para transmitir sua filosofia, Heidegger escrevia como poeta. Há
momentos, inclusive, em que páginas dele são divididas: de um
lado versos; de
outro, aforismos. Filosofia e poesia também se aproximam na apropriação
da linguagem. Ambas podem usá-la para convencer o outro.
O senhor representa um caso raro de intelectual que alcançou projeção nacional sem deixar sua província, o Pará. Como avalia a relação entre centro hegemônico e periferias em um mundo globalizado?
No Brasil, a distinção entre centro e periferia
relativizou-se muito a partir dos anos 50 e 60. Até esse período,
a hegemonia do centro motivava a saída da província. Era uma
migração obrigatória. Todos os escritores repetiam a
velha canção "Tomei um Ita no Norte". Eu fiquei, afinal,
menos pela província e mais por apego à minha casa, o lugar
onde trabalho. Talvez eu seja um caracol dentro de sua casca (risos). Hoje,
a globalização toma um sentido predominantemente econômico.
Essas relações, no entanto, talvez possam realizar aquilo que,
suprimida essa predominância econômica, seja a unificação
da espécie humana pelo direito. O fundo utópico ainda está
de pé. Temos que superar a dominação econômica
dos países ricos sobre os pobres. Aí não teremos a utopia
realizada, mas o melhor fruto da espécie.
Foto: Benedito Nunes: poesia e filosofia