Vida longa aos Profetas

ICB encontra biocida eficaz para combater microorganismos que atacam obra-prima de Aleijadinho

Soraya Fideles

epois de oito anos de estudos, pesquisadores da UFMG encontraram um biocida para combater os líquens que comprometem a forma original da obra-prima do mestre Aleijadinho, localizada no adro do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, a 80 quilômetros de Belo Horizonte.

Os agentes biológicos que proliferam sobre a superfície do conjunto de 12
esculturas, conhecido como Os Profetas*, serão eliminados por composto químico derivado do ácido benzóico, fabricado pela multinacional Merck. A restauração, que deverá durar um ano, será feita por equipe interdisciplinar. A data de início dos trabalhos não foi definida. Professores da UFMG participarão de todas as etapas do processo.

Vista do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, onde Aleijadinho esculpiu seus Profetas
Foto: Beto Novaes/Estado de Minas

A professora Maria Aparecida Resende, do departamento de Microbio-logia do ICB, garante que as descobertas do biocida e da quantidade adequada
da concentração que será aplicada permitirão limpeza mais efetiva das estátuas, “além de inibir, por cerca de três anos, o crescimento dos microorganismos”. Coordenadora do grupo da UFMG, integrado por bolsistas de especialização e de iniciação científica do CNPq, que pesquisou a degradação biológica nos profetas, a bióloga assegura que “os resultados da descoberta estão comprovados e podem ser utilizados em outros monumentos históricos esculpidos em pedra-sabão”.

Contaminação biológica

Conduzido por equipe da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec-MG), parceiro da UFMG na pesquisa, o diagnóstico constatou – inclusive com uso de aparelhagem de ultra-som – que as rochas sobrepostas não têm trincas internas, mas apresentam contaminação biológica, fissuras, descoloração, crostas e desintegração granular com perda do material superficial, devido à própria característica da pedra-sabão.

Os líquens, associação de algas e fungos, encontrados nos profetas, lançam ácidos corrosivos e têm raízes que provocam fraturas nas estátuas. Para chegar ao biocida eficaz para a remoção destes microorganismos, os pesquisadores recorreram a ensaios não-destrutivos utilizando corpos de prova – confeccionados em pedra-sabão oriunda de jazidas originais – para isolar, quantificar e identificar os grupos microbianos. Desde 1996, vários testes foram realizados para verificar o crescimento dos líquens e identificar a substância que retardaria a recolonização.

Em 1999, os pesquisadores aplicaram o biocida derivado do ácido benzóico numa área de teste, a aba direita do profeta Abdias. “Os resultados foram muito bons. O biocida age no metabolismo dos líquens, que se alimentam da substância e morrem, desprendendo da rocha sem interferência mecânica e sem provocar danos à obra”, detalha a professora Maria Aparecida Resende, acrescentando que, desde então, não houve mais recolonização microbiana.

A restauração dos Profetas é um desdobramento do Projeto Ideas, desenvolvido em duas etapas (1991 a 1994 e de 1997 a 2000), sob a coordenação do Cetec, em parceria com a UFMG e outras entidades. O Ideas surgiu de acordo de cooperação científica firmado entre o Brasil e a Alemanha.

* Maior conjunto estatuário barroco do mundo, os Profetas foram esculpidos entre os anos de 1800 e 1805, período em que Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, já adoentado e idoso, desafiava enormes blocos de pedra-sabão com cinzéis que lhe eram amarrados nos pulsos por escravos. As estátuas, monumentais e em tamanho quase natural, representam as figuras bíblicas dos profetas citados no Antigo Testamento. Alguns estudiosos acreditam que o artista associava tais figuras às dos inconfidentes mineiros de Vila Rica (atual Ouro Preto), dos quais Aleijadinho fora contemporâneo.

Projeto: Restauração dos 12 Profetas de Aleijadinho, em Congonhas do Campo
Instituições envolvidas: Cetec-MG, Iepha, Iphan e UFMG
Investimento: R$110 mil
Apoio: Unesco, no âmbito do
Programa Monumenta do Ministério da Cultura, e BID

Recuperação inclui mapeamento por fotos e computador

A recuperação dos Profetas incluirá a avaliação das esculturas, treinamento dos trabalhadores e aplicação de produto para a limpeza das obras. O mapeamento, fotográfico e computadorizado, das estátuas, será feito no início e término do processo de restauração para subsidiar o plano de conservação.

A aplicação do biocida será precedida por seminário com os restauradores que participarão da empreitada. A cada três meses, serão avaliados a evolução da remoção do líquen e o comportamento da estrutura sem a intervenção mecânica. Este acompanhamento será realizado durante um ano, junto a dez restauradores a serem selecionados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Projeto Monumenta, do Ministério da Cultura. Eles serão treinados para reaplicar o biocida quando necessário.